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Neste subitem sobre o espaço cultural, abordarei através da junção dos conteúdos prévios da conceituação, como a mistura de culturas pode ser expressada em um único ambiente, a ponto de transformá-lo num verdadeiro espaço público e democrático.

A discussão sobre os públicos de diferentes grupos urbanos leva, antes de mais, o questionamento sobre as relações entre a oferta e a procura cultural, ou, se preferirmos, entre a produção e o consumo. Desta forma, o estudo dos públicos da cultura remete, decisivamente, para a multiplicidade, enquanto espaços organizados e socialmente estruturados de produção, e expressão. Analisar as formas culturais através das quais se exprime a contemporaneidade não é indissociável, em razão da distribuição desigual dos indivíduos na estrutura social, nem tão pouco das reconfigurações mais ou menos bruscas que atravessam as modernas sociedades.

Atualmente, se vive uma “crise” do espaço público das cidades, já analisada por vários autores da literatura urbanista (Chambers, 1990; Sorkin, 1992; Jacobs, 2000). Em regra, esta “crise” é vista como resultante da lógica cultural contemporânea que acentua, de um lado, o reino do individualismo e da domesticidade e, de outro lado, a cultura do movimento e da velocidade que, aplicada à técnica urbanística, organiza a cidade de acordo com o princípio geral de que os sujeitos se encontram em contínuo trânsito entre lugares (Sheller e Urry, 2000).

Em uma melhor contextualização, um dos fatores que origina a crise do espaço público é a tentativa de cópia do que deu certo, mas numa falsa aplicação ao contexto urbano local. Primeiramente surge espontaneidade civil, de algo novo, quando as ruas, praças, cafés e outros recintos formam cenários de entusiásticas manifestações públicas de indivíduos, grupos e movimentos sociais. Nesse processo, aqueles recintos públicos foram apropriados culturalmente e sujeitos a novas leituras e códigos de interpretação simbólica. “Participar” é a palavra de ordem mais mobilizadora, que contém uma carga simbólica muito particular: a de estar na rua, em grupo, soltando gestos e opiniões sobre a vida pública (CHAMBERS, 2000).

Porém, logo em seguida, Fortuna (1996) analisa que quando o novo deixa de ser algo tão atrativo quanto era antes, ocorre então o ciclo da europeização, reduzindo a preocupação com a infraestrutura específica do país. A participação

pública dos cidadãos, grupos e movimentos sociais surge condicionada e, perante os efeitos sensíveis da globalização da economia, da cultura e da comunicação, o espaço público das cidades surge pautado pelos desígnios da massificação e da estetização dos consumos, do mesmo modo que o planeamento urbano e mesmo numerosas imagens identitárias e promocionais das cidades passam a sujeitar-se à lógica do mercado. É a chamada colonização do espaço público urbano.

Uma das falhas na formação do espaço cultural está na homogeneização cultural, dada a entender como um complexo de inferioridade brasileiro sob as culturas que um dia já forma dominantes, mas que ainda é transparecido no modo de agir e pensar no planejamento da cidade. Segundo o autor, o diretor do museu de artes de São Paulo (MASP), Pietro Maria Bardi, um dos grandes problemas do país está na falta de confiança pela identidade local, “que seria ainda maior se a cultura brasileira fosse adotada como um valor positivo de criação”.

A diversidade de situações e níveis desiguais de envolvimento e benefício das novas políticas culturais tornam claras as dificuldades de instituir ações socialmente abrangentes de redesenvolvimento cultural das cidades. A razão desta dificuldade está na própria característica da cidade moderna, feita de fragmentações e incoerências políticas, sociais e culturais. Se é destes fragmentos que se pode constituir e revigorar a imagem cultural de uma qualquer cidade, não é menos verdade que, em tempo de globalização, de crescente competitividade intra e inter cidades, a identificação de uma imagem emblemática ou de apropriação de revela paradoxal, e pode mesmo incorrer no reforço daquelas fragmentações e incoerências. Por outras palavras, as cidades não podem ser globalmente globais, nem para dentro nem para fora, hegemonização de um ou vários dos seus “fragmentos” (que assim se tornam imagem de marca local) projeta-se na localização ou na subordinação de outros, sejam eles grupos ou movimentos sociais, espaços ou monumentos, linguagens, artes ou saberes, atividades ou acontecimentos (FORTUNA, 2002).

A presença do estranho anula a eficácia dos nossos juízos e preconceitos, pois que é uma categoria desafiadora dos esquemas classificatórios elementares por se situar algures entre o amigo, ou o conhecido, de um lado, e o inimigo, ou o opositor, do outro. Imagina-se saber reconhecer e o que esperar

de uns e de outros. Mas não é de experiência lidar com o estranho – essa espécie de personificação da imprevisibilidade que, presente desde sempre no espaço público das cidades (JACOBS, 2000) não deixa, contudo, de surpreender o nosso cotidiano urbano. Tal como no caso das relações de anonimato, também o contato ocasional com o estranho poderá alimentar formas novas de sociabilidade e associação cívica desde que alicerçado numa noção nova de tolerância social, que supere a tolerância negativa, sinônimo de descomprometimento e de “indiferença civil”, segregadora e subordinante. (GOFFMAN, 1963); ao contrário, de uma tolerância positiva que promova o (re)conhecimento do estranho poderá brotar a disponibilidade dos sujeitos e grupos para negociarem, de modo autônomo e no respeito por aquilo que os diferencia, as condições de maior equidade social e de juízo sobre a sua condição e a sua individualidade.O requisito de base para que esta hipótese se concretize é que sejam aspectos relevantes para a vida social aquilo sobre que, numa relação social de estranhamento, os indivíduos e grupos são chamados a negociar.

O que está em causa é a necessidade de se pensar, sem nostalgias, em como confrontar esta lógica de mercantilização dos espaços públicos, históricos e monumentais, com outras lógicas, nomeadamente a do espírito de comunidade e associação, das relações de afetividade e do espírito de lugar, dos objetivos de encontro, festa e entretenimento, ou mesmo as estratégias de emblematização das identidades (Fortuna e Peixoto, 2002).

Como será possível redinamizar esses espaços perante a ameaça de dissolução do seu significado e incorporá-los de modo significativo numa ação de redesenvolvimento cultural das cidades, reaproximando entre si a urbe, a

citati e a polis? É necessário que a volta do desenvolvimento cultural das cidades

e dos seus espaços resulte de um consenso participado que se debruce sobre o lugar e o significado do tempo e do espaço na cidade, para o que se torna essencial pôr em confronto as visões díspares do que antes designei por cidade e não-cidade e as suas respectivas leituras e sentidos desta relação espaço-temporal; se esta é a hipótese, a contra-hipótese se baseia no fato de que, perante a impossibilidade desta afirmação de consenso, a cidade, em vez de diversa, permanecer sujeita a intervenções medíocres, ou à arrogância e à insensibilidade de muitos profissionais das terceiras culturas, ou ao utilitarismo

de muitos investimentos e usos dos seus espaços públicos. Ou mesmo a tudo isso simultaneamente. (ZIVIANI et al., 2012).

Desta forma, o estudo dos públicos da cultura remete, decisivamente, para a multiplicidade dos mundos da cultura, enquanto espaços organizados e socialmente estruturados de produção, expressão e fruição culturais. Analisar as formas culturais através das quais se exprime a contemporaneidade não é indissociável, da distribuição desigual dos indivíduos na estrutura social, nem tão pouco das reconfigurações mais ou menos bruscas que atravessam as modernas sociedades.

A conclusão que podemos tirar a partir dos estudos sobre o fator cultural em ambientes públicos é a de entendimento que a cultura não deve ser pensada num modo lucrativo, as formas de expressão podem e devem adquirir o protagonismo em ambientes públicos, para que assim o espaço cultural consiga funcionar de maneira plural e dinâmica.

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