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Segundo definições geográficas, o conceito de território, assim como o de espaço público, tem fundamentação política. No entanto, atualmente já não é mais possível dizer que território tenha apenas o cunho político, levando em conta que pode ser utilizado em praticamente tudo, econômico, cultural e social no processo de produção do espaço. (SERPA, 2015).

Forma e conteúdo são a um só tempo produtos e processos: são autocondicionantes, autoreferentes e historicamente determinados. Na análise do espaço público urbano, forma e conteúdo são portanto indissociáveis (SERPA, 2015 p.15).

No contexto histórico o poderio se estabeleceu em espaços públicos com o surgimento do capitalismo mercantil do século XIII, onde começa um processo de troca e movimentação de mercadorias e de informações que constitui o comércio capitalista da época. (HABERMAS, 2001)

Como conta Haberma (2001), nesse cenário, a burguesia, com a ajuda do Estado, se estrutura nas cidades e no comércio, levando a uma crescente contraposição entre as esferas pública e privada, fato que gera uma perda de espaço de representatividade pública. Uma vez que não está mais sob o domínio do poder soberano, a burguesia vai então se constituindo como classe consciente. Nesse processo, mostra que os senhores feudais e sua representatividade pública cederam espaço a outra esfera, a esfera do poder público, no sentido moderno do termo, onde público torna-se sinônimo de estatal, com um funcionamento regulamentado segundo competências de um aparelho. Dessa maneira, o poderio senhorial transformou-se em "polícia" e as pessoas privadas, submetidas a ela, constituíram um "público" (HABERMAS, 2001).

Para Serpa (2015), o fator histórico de sobreposições de poderes em espaços públicos fragiliza o espaço a partir do momento que a criação de um território politizado é imposta, em um ambiente onde as pessoas passam, ficam e passeiam, mas cada um permanece fechado em sua individualidade não fazendo jus correto ao que é denominado de “público” nos espaços, tornam-se ambientes sem interação.

A partir do momento que se entra em um espaço público, não absorvem- se os elementos que estão ao redor de maneira vazia de conceitos, tudo tem um sentido pessoal a partir do que já foi vivenciado pela pessoa. O espaço público começa então a funcionar, quando há a interação entre pessoas, de diferentes visões, criando a quebra efetiva do público e privado em espaços urbanos (HARVEY, 2001).

Infelizmente, os territórios situados no espaço público, e que vão marcar diferenças/desigualdades relativas aos modos de consumo e estilos de vida dos

diferentes grupos e classes, têm expressão material, retratando uma “projeção espacial de relações de poder” (SOUZA, 2012). No entanto, essas relações de poder não caracterizam uma atuação política dos grupos e classes sociais no espaço público da cidade contemporânea: revelam, ao contrário, processos de segregação baseados em limites/barreiras que vão impor uma incipiente, ou mesmo nula, interação social e espacial entre os agentes que se apropriam do espaço urbano.

Segundo Serpa (2015), numa comparação de espaços públicos das praias de Salvador praças de Paris, o autor aponta dois efeitos de apropriação do espaço, o efeito de classes sociais (segmentação) e os efeitos de massa (transversalidade), enquanto por um lado a segmentação gera o isolamento de grupos, no outro temos a transversalidade como a normatização do comportamento, onde a individualidade permanece.

Figura 11 - Parc de La Vilette

Fonte: Espaços públicos e acessibilidade (2004).

As barreiras em espaços públicos são erguidas constantemente e de maneiras imperceptíveis, pois não necessariamente são barreiras físicas, onde o espaço estabelece fronteiras de cunho social, e acaba por virar uma grande área, fragmentada por espaços privatizados, não partilhado, mas dividido entre diferentes grupos e agentes. A acessibilidade acaba que por virar então limitada e controlada simbologicamente. (JOSEPH, 1998).

O arquiteto curitibano Jaime Lerner (2017), afirma que a identidade gera o sentimento de pertencimento, a referência que nos orienta enquanto cidadãos. No âmbito urbano, a identidade se reflete nos vínculos que estabelecemos com os espaços da cidade, seus elementos de referência - patrimônio histórico, rios, ruas, praças e parques - que passam a fazer parte constitutiva do nosso cotidiano, o fator do pertencimento, porém, só funcionará no espaço público se houver o contato e também o choque desses dois com os outros transeuntes.

O espaço público acaba que por virar então uma divisão territorial, voltando aos conceitos geográficos de território, onde através da soberania de poder auto intitulada pela cultura predominante cria uma “apropriação simbólico- expressiva do espaço”, o qual se torna portador de “significados e relações simbólicas” (ALMEIDA, 2014).

A auto segregação do espaço conforme mencionado por Serpa (2015), volta a ser indicada no Parc de La Vilette quando o autor cita uma pesquisa de autoria de Ahmed Merghoub na praça parisiense. Para avaliar a pesquisa, uma breve contextualização deve ser feita sobre La Vilette; projetada pelo arquiteto Bernard Tschumi criou um cenário cinematográfico através de grandes jardins, e na intenção de transformar a praça num antro cultural, o arquiteto posicionou grandes projetos arquitetônicos de cunho musical, teatral e educacional. O público da praça, majoritariamente jovem ia fazer então proveito de todos os elementos culturais presentes no parque.

No entanto, segundo as pesquisas de Merghoub (1993) foi constatado que muitos dos jovens não faziam uso dos instrumentos culturais presentes da praça, alguns se quer sabiam da existência deles. A não casualidade dos encontros que se dão no parque também foi algo recorrente nas respostas dos entrevistados, quando indagados se consideravam La Villette um local de interação e sociabilidade. Ou seja: quem vai ao parque encontrar pessoas, o faz para encontrar amigos e conhecidos, sendo difícil a interação com outros grupos e indivíduos, nos usos que fazem do parque.

[...] a não interação dos múltiplos agentes que intervêm em um espaço aparentemente comum, mas não partilhado realmente, é moeda corrente, em razão das desigualdades sociais, das barreiras culturais ou

das separações de ordem funcional, e isso, em todas as escalas, do local ao mundial (LÉVI; LUSSAULT, 2003, p. 214, tradução de Serpa).

Despolitizado e segregado, o que é chamado hoje de espaço público é também objeto de consumo e expressão de modismos, espaço do lazer e da diversão de indivíduos, grupos/classes e frações de classe que dele se apropriam de modo territorializado e segregacionista (SERPA, 2015).

O processo então de pensar em um espaço público consistiria num então esforço da cidade de promoção de espaços onde há a obrigação de conviver, e consequentemente realizar trocas. Como uma arte performática, onde o indivíduo é posto de frente com algo que não lhe é comum, enfrentando assim as consequências do inesperado (LUSSAULT, 2003).

O exercício da vida pública que deve ser treinado a partir dos espaços formados na cidade. Os cidadãos são a peça chave para o bom funcionamento de uma cidade, para a perpetuação de sua história e preservação de seu patrimônio, e é no espaço público que sentimos que fazemos parte daquela cidade e ela faz parte de nós. (JACOBS, 2011).

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