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Espaço do Aeroporto e do Avião

3 Espaço na Contemporaneidade

3.5 Espaço do Aeroporto e do Avião

O aeroporto é um lugar na contemporaneidade que merece atenção; como descreve o escritor Alain de Botton (2009) em entrevista sobre o seu livro Uma semana no aeroporto:

“Os aeroportos são o centro imaginativo do mundo moderno. É lá que devemos ir para encontrar todos os temas da modernidade: globalização, velocidade, destruição ambiental, consumismo, crises familiares e perda da individualidade.” (PERES, 2010).

Antes de explorarmos, neste texto, esse lugar particular, considera-se relevante, porém, discorrer brevemente sobre o modo contemporâneo de movimento e comunicação com o qual o aeroporto está diretamente relacionado.

Segundo o sociólogo John Urry (2007), observa-se na contemporaneidade que pessoas, máquinas, informação, poder, dinheiro, ideias e perigos estão em movimento, fazendo e refazendo conexões a uma velocidade frequentemente rápida ao redor do mundo; e que embora o tema mobilidade não seja uma questão nova, o que é novo neste momento é, por exemplo, a escala, a diversidade de sistemas de mobilidade, as interconexões entre movimento físico e comunicações e as mobilidades que “contornam” sociedades nacionais. Para o Urry (2007), existem sistemas de mobilidade, ou modos de movimento e comunicação, observados na contemporaneidade, que proveem o que o autor denomina infraestrutura da vida social, sendo que cada um deles é particularmente organizado social e materialmente, raramente sendo apenas um modo de se chegar mais rápido de um lugar ao outro; está interconectado com práticas sociais; relaciona-se com modos com que o mundo é sentido e experienciado; e interliga-se com vários objetos. Os modos de movimento e comunicação detalhados por Urry (2007) são aqueles que envolvem o corpo – (i) o caminhar e o locomover-se por meio de (ii) transporte público, particularmente o trem, (iii) carros e (iv) aviões –; e aquele relacionado à (v) viagem virtual e comunicativa.

Sobre o modo de movimento que envolve aviões, Urry (2007) destaca alguns aspectos, entre eles os riscos associados a esse sistema. Para o autor, voar é um risco para aqueles que voam, para aqueles que organizam e administram os voos e para aqueles em solo, como os espectadores inocentes. Para reduzir tais riscos, entram em cena muitos agentes não humanos, especialmente programas de computador, combinados com humanos cujas ações seguem um rigoroso conjunto de regras.

Além disso, Urry (2007) argumenta que o modo de movimento aéreo envolve vários sistemas especialistas. Na gestão dos múltiplos movimentos em um aeroporto, por exemplo, existem os sistemas voltados a gerenciar de modo integrado decolagens, pousos, compra de passagens e

reservas, movimento de bagagens, planos de voos, limpeza, previsão do tempo, fornecimento de alimentação a bordo, segurança, múltiplos padrões de vínculo empregatício, raios X de bagagens e passageiros, gestão de resíduos, impacto ambiental etc. Tais sistemas devem avaliar riscos de eventos como atraso de voos, indisponibilidade de tripulação, problemas técnicos com aeronaves, condições meteorológicas adversas, pane em computadores, ataques terroristas etc. (URRY, 2007). De modo geral, o vínculo estreito entre esses sistemas complexos fazem companhias aéreas e aeroportos vulneráveis a pequenas desordens, rupturas, que produzem efeitos em cascata quando algo acontece de modo, mesmo que levemente, fora do previsto (URRY, 2007).

Outro aspecto destacado por Urry (2007) é o fato de a indústria da aviação ser um sistema frágil de lugares, organizações privadas e atores do estado – existe uma multiplicidade de riscos, estruturais, econômicos, políticos e sociais, associados com a aviação global –, mas fortemente conectado e inter-relacionado com quase todos os outros setores da economia. Um exemplo da relevância desse aspecto é o ataque terrorista às torres do World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, que afetou múltiplos sistemas de mobilidade (URRY, 2007); e mais recentemente, a erupção do vulcão islandês Eyjafjallajokull, que, para Mombiot (2010), explicitou os limites da globalização.

Particularmente sobre aeroportos, Urry (2007) os vincula ao seguinte aspecto: “à medida que pessoas e artefatos tornam-se mais móveis, outras pessoas e objetos tornam-se relativamente menos móveis” (Ibid., p. 145). Para o autor, quanto maior a extensão e a relevância da mobilidade pelo mundo, mais elaborado e complexo são os padrões de imobilização, como a infraestrutura fixa e imóvel que suporta as diversas mobilidades, sendo os aeroportos um exemplo disso – embora seja relevante mencionar que aeroportos estão sempre em movimento, por meio de expansões, novas pistas, decoração, atrações etc. (URRY, 2007).

Embora se apresente aqui o aeroporto como um lugar, para Marc Augé (1994) o aeroporto é um tipo de não lugar. Segundo esse autor, a contemporaneidade é caracterizada por uma situação que poderíamos dizer de “supermodernidade”, cuja modalidade essencial é o excesso nas figuras do tempo (superabundância factual); do ego, do indivíduo (individualização das referências); e do espaço. Sobre essa última figura, Augé (1994) diz:

“[...] superabundância espacial do presente [...] resulta, concretamente em consideráveis modificações físicas: concentrações urbanas, transferências de populações, multiplicação daquilo que chamaremos de ‘não lugares’ [...]. Os não lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são estacionados os refugiados do planeta.” (AUGÉ, 1994, p. 36). O conceito de não lugar de Augé (1994) se caracteriza em oposição ao conceito de lugar antropológico:

“Reservamos o termo ‘lugar antropológico’ àquela construção concreta e simbólica do espaço que não poderia dar conta, somente por ela, das vicissitudes e contradições da vida social, mas à qual se referem todos aqueles a quem ela designa um lugar, por mais humilde e modesto que seja. [...] Esses lugares têm pelo menos três características comuns. Eles se pretendem (pretendem-nos) identitários, relacionais e históricos: [respectivamente] [...] nascer é nascer num lugar [...]; elementos são distribuídos em relações de coexistência; [...] o lugar [...] se define por uma estabilidade mínima.” (AUGÉ, 1994, p. 51-53).

O argumento de Augé (1994) é o de que a supermodernidade é produtora de não lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos, de espaços que não podem se definir nem como identitários, nem como relacionais, nem como históricos. Por não lugar, Augé (1994) designa duas realidades complementares, porém distintas: espaços constituídos em relação a certos fins (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com esses espaços. Para o autor:

“[...] o espaço do não lugar liberta de suas determinações habituais quem nele penetra. Ele não é mais do que aquilo que faz ou vive como passageiro, cliente, chofer. Talvez ele ainda esteja cheio das preocupações da véspera, já preocupado com o dia seguinte, mas seu ambiente do momento o afasta provisoriamente disso. Objeto de uma suave possessão, à qual se abandona com mais ou menos talento ou convicção, como qualquer possuído, saboreia por um tempo as alegrias passivas da desidentificação e o prazer mais ativo da interpretação do papel. [...] O espaço do não lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim solidão e similitude. [...] não concede espaço à história, eventualmente transformada em elemento de espetáculo [...]. A atualidade e a urgência do momento presente reinam neles [...] No total, tudo se passa como se o espaço fosse retomado pelo tempo, como se não houvesse outra história senão as notícias do dia ou da véspera, como se cada história individual buscasse seus motivos, palavras e

imagens no estoque inesgotável de uma inexaurível história do presente. (AUGÉ, 1994, p. 94 - 96).

Além disso, dois aspectos associados aos não lugares, apresentados por Augé (1994), são relevantes para este projeto. Um deles é a ideia de que, na contemporaneidade, os lugares e os não-lugares misturam-se, interpenetram-se. Para detalhar esse aspecto, o autor cita Vincent Descombes31 (1987; in AUGÉ, 1994) que argumenta que nos sentimos em casa quando estamos à vontade na retórica das pessoas com as quais compartilhamos a vida, isto é, quando conseguimos nos fazer entender sem muita dificuldade, e ao mesmo tempo conseguimos entrar na razão de nossos interlocutores, sem precisar de longas explicações. Refletindo sobre essa perspectiva, Augé (1994) conclui que, no mundo da supermodernidade, sempre se está, e nunca se está, “em casa”; talvez não existam mais mundos totalmente estrangeiros. E, vinculado a isso, um segundo aspecto a destacar do pensamento de Augé (1994) é que, para esse autor, encontrar o não lugar do espaço, escapar à opressão totalitária do lugar, pode significar encontrar algo que se assemelha à liberdade – oportunidade de uma experiência de individualidade solitária e de mediação não humana, experiência essa que nos atrai.

A perspectiva de não lugar de Augé (1994) tem, contudo, seus críticos. Urry (2007), já citado, ao explorar o tema aeroporto, considera que sua classificação como um “não lugar” recebe duas correntes de críticas. A primeira delas reconhece que aeroportos, e seus entornos, são espaços genéricos que compartilham muitas características comuns, mas considera que existem vários aspectos que os diferenciam e os aeroportos não podem ser caracterizados somente como locais onde as pessoas simplesmente coexistem.

Aeroportos e seus entornos são lugares de organização material e semiótica, e considerável complexidade social, em que estão presentes rotinas cotidianas, entediantes, mas essenciais para que a mobilidade global aconteça; e são locais de uma densidade social que se assemelha ao centro de grandes cidades. Sobre esse último aspecto, por exemplo, aeroportos são lugares de trabalho para muitas pessoas e também de lazer e trabalho para aqueles em trânsito; e, além disso, concentram serviços e comércio como bares, cafés, restaurantes, hotéis, business

centers, capelas, shopping centers e outros. São aspectos que os transformam em lugares de

encontro e tipos particulares de espaços públicos – lugares de estar em movimento, lugares de relaxar, de atividade, de encontro e de consumo. A segunda corrente de crítica à perspectiva

de Augé (1994) – que classifica o aeroporto como um não lugar – considera que as cidades estão se tornando como os aeroportos – menos como lugares do habitar e mais organizadas em torno de mobilidades diversas e da regulação dessas mobilidades; além dos aspectos vigilância, monitoramento e regulação – e os aeroportos estão cada vez mais parecidos com cidades, a ponto de serem classificados como lugares típicos da cidade contemporânea (URRY, 2007). Parece que aqueles que buscam a liberdade no não lugar, no sentido colocado por Augé, considerando o que apresenta Urry, não mais a encontrarão no aeroporto e nas viagens.

Nos tópicos deste capítulo, discutiram-se algumas das muitas conceituações de espaço, desde concepções de espaço como entidade em que se encontram todas as coisas físicas a visões contemporâneas que consideram que espaços são entrelaçados, são porosos, estão em movimento constante e se apresentam de muitas formas. Além disso, destacou-se a relação entre o conceito de espaço e o de lugar, assim como a relação entre espaço e tempo; e as experiências de tempo e espaço difundidas e alternativas, encerrando-se o capítulo com a exploração de espaços de interesse particular para este estudo – aquele do aeroporto e do avião.

Como comentou-se no capítulo de Introdução deste estudo, dos aspectos envolvidos com a questão do trabalho móvel este projeto interessa-se pelo elemento espaço de trabalho. Este Capítulo 3, Espaço na Contemporaneidade, focalizou o tema espaço de modo abrangente, e os seguintes discutem o assunto associado a organizações (Capítulo 4), e na perspectiva da abordagem teórico-metodológica adotada neste estudo (Capítulo 5).