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Pesquisas sobre Trabalho Móvel

22 Jornal O Estado de S Paulo, edição de domingo, 10 de maio de 2009.

2.4 Pesquisas sobre Trabalho Móvel

De modo geral, observa-se que a pesquisa sobre a composição trabalho, mobilidade e tecnologias móveis, tanto no Brasil quanto em outros países, ainda é incipiente (SANTOS, 2008, 2009). Nesse sentido, consideramos oportuno destacar alguns estudos relacionados especificamente a trabalho móvel e espaço, e ilustrar como o tema é tratado em pesquisas empíricas. São pesquisas relacionadas ao tema deste projeto os trabalhos de Kakihara (2003); Perry et al. (2001); Lyons, Jain e Holley (2007); Laurier (2001, 2004b); Breure e Van Meel (2003); Brown e O’Hara (2003); Holm e Kendall (2008); Felstead, Jewson e Walters (2005) e Forlano (2008). A seguir são apresentados os aspectos conceituais, metodológicos e as principais contribuições dessas pesquisas.

A tese de doutorado de Kakihara (2003) trata da natureza dinâmica e heterogênea das práticas de trabalho dos profissionais móveis (trabalhadores com competências especiais e habilidade para trabalhar de modo independente das restrições de uma organização formal; como consultores independentes, designers, produtores, programadores, advogados e contadores); e teve por objetivo contribuir com os estudos sobre mobilidade e estabelecer uma base empírica para esses estudos. O autor procurou identificar como os profissionais contemporâneos conduzem seus trabalhos cotidianos em ambientes cada vez mais móveis, e como funcionam seus modos distintos de mobilidade e se caracterizam suas práticas de trabalho em relação às TIC, em geral, e as tecnologias móveis em particular. Teoricamente, fundamentou-se nos conceitos de mobilidade e práticas de trabalho; e os procedimentos metodológicos utilizados foram entrevistas em profundidade e observações ad hoc das atividades de 62 profissionais em Tóquio, Japão, durante o verão de 2002. O autor identificou que o modo de mobilidade dos profissionais pesquisados é caracterizado não somente pelo movimento geográfico amplo, mas também por uma flexibilidade operacional e uma interação intensa nas atividades dinâmicas de trabalho.

A pesquisa desenvolvida por Perry et al. (2001) problematiza a retórica de “acesso a qualquer hora e em qualquer lugar”, que frequentemente caracteriza as novas possibilidades de trabalho suportadas pelas tecnologias móveis. O estudo teve por objetivo compreender a natureza do trabalho móvel; a intenção explícita foi explorar as expressões “acesso”, “qualquer lugar” e “qualquer momento” (access, anywhere and anytime), investigando as atividades dos usuários e como os trabalhadores móveis gerenciam informações por meio de documentos e tecnologias móveis de comunicação. Visando alcançar tal objetivo, os autores utilizaram uma combinação de procedimentos metodológicos – técnicas de diários, entrevistas (antes e depois das viagens) e análise de artefatos (tecnologias e documentos) usados durante as viagens – para conhecer o cotidiano de 17 trabalhadores móveis, de diferentes organizações, com diferentes profissões, de diferentes regiões do Reino Unido e com diferentes níveis de mobilidade (por exemplo, tipos de transporte – como carro, trem e avião). Os resultados da pesquisa de Perry et al. (2001) sinalizam que o trabalhador móvel prepara-se para a viagem e planeja-se para enfrentar imprevistos; trabalha no tempo considerado “morto” (por exemplo, atrasos); usa o telefone celular como apoio a tarefas a serem realizadas com a ajuda de outros (como as pessoas que permanecem no escritório convencional); e usa as tecnologias para monitoramento e acesso aos colegas. Com relação ao tempo considerado “morto”, por exemplo, esse tempo pode variar de curto a longo, e o trabalho é organizado de acordo com o contexto em que o tempo “morto” é experienciado e os recursos que se tem à mão. No período curto, os autores observaram que as pessoas preferem falar ao telefone móvel celular ou checar mensagens na caixa de mensagens do telefone; no período longo, relatam o caso de uma pessoa que usou seu notebook para checar e-mails.

Lyons, Jain e Holley (2007) investigam a noção que o tempo de viagem, contrário à perspectiva que o considera como “não produtivo”, pode e possui uma utilidade positiva. Os autores pesquisaram milhares de passageiros de trem na Grã-Bretanha por meio de um questionário envolvendo os temas: como os passageiros usam seus tempos no trem, quão produtivo consideram esse uso do tempo e o papel das tecnologias móveis. Os resultados revelam uma substancial incidência de utilidade positiva do tempo de viagem entre aqueles que se deslocam diariamente para trabalhar, aqueles que viajam a lazer e aqueles que viajam a negócios; especialmente esses últimos. Para a maioria que trabalha ou estuda durante a viagem, por exemplo, o tempo no trem é produtivo. Além disso, a pesquisa revela também que, nas viagens, as pessoas estão envolvidas principalmente com três atividades: ler, observar a paisagem pela janela ou outras pessoas e trabalhar/estudar. Sobre isso, os autores

destacam o fato que, de modo interessante, as duas primeiras atividades não dependem de tecnologias móveis.

No caso das pesquisas desenvolvidas por Laurier (2001, 2004b), o carro é investigado como local de trabalho. No estudo relatado no artigo de 2001, o autor explora as definições de mobilidade, tecnologia e nomadismo, mediante uma ótica etnometodológica, a partir da investigação de um grupo de pessoas cujas tarefas cotidianas envolvem deslocamentos e que usam seus carros como escritório. O pesquisador passou seis meses acompanhando essas pessoas no seu dia a dia, observando-as de modo próximo (método de pesquisa conhecido como shadowing). Seu objetivo foi oferecer uma descrição de como um escritório móvel particular é composto (conceito da Teoria Ator-Rede) e organizado. No estudo relatado no artigo de 2004b, o autor explora como as tarefas de dirigir, falar e trabalhar são entrelaçadas, visando objetivos práticos; como, algumas vezes, elas são realizadas lado a lado, ou em sequência, ou como consequência uma da outra; ou, simplesmente, não podem ser combinadas. Para tanto o autor realizou um estudo etnográfico do carro como local de trabalho, no qual observou e filmou motoristas por duas semanas; o pesquisador viajou com essas pessoas como um passageiro-observador.

A pesquisa de Breure e Van Meel (2003) investiga a questão da necessidade ou não de oferecer às pessoas – que enquanto aguardam seus voos nos aeroportos consultam e-mails, falam ao telefone, leem ou trabalham nos seus notebooks – um local de trabalho dedicado com, por exemplo, impressoras coloridas, acesso à Internet etc. Os autores pesquisaram sessenta homens de negócio, na Holanda, que viajam regularmente a trabalho (a maioria deles é gerente de empresas multinacionais). Utilizaram um questionário (enviado por meio de comunicação pessoal) com questões sobre as características do pesquisado (posição no trabalho, idade, frequência de viagem, motivos das viagens etc.), suas preferências relacionadas às condições de trabalho, sua opinião sobre locais de trabalho informais (como salas especiais em aeroportos, cafés etc.) e sobre a disponibilização de “escritórios temporários” em aeroportos. Em um passo seguinte da pesquisa, foram selecionados dez respondentes do questionário para participar de entrevistas em profundidade, com o objetivo de detalhar melhor as respostas dadas anteriormente, escolher seus locais de trabalho favoritos por meio de fotografias e desenhar suas condições de trabalho preferidas usando um modelo de escala. Constatou-se que os aeroportos são importantes locais de trabalho para as pessoas pesquisadas, nos quais elas realizam diversas tarefas relacionadas a trabalho; porém, talvez

mais que um escritório no aeroporto, as pessoas buscam um lugar confortável para sentar e colocar o computador portátil, e privacidade.

As pessoas viajam principalmente para encontros presenciais, com clientes e colegas; encontros que a comunicação via telefone, e-mail e/ou videoconferência, não substituem. A mobilidade, no entanto, é considerada um “mal necessário”, dados os atrasos e tempos de espera. No aeroporto, enquanto aguardam, as pessoas realizam atividades associadas a lazer, como comprar (27%), leem relatórios de trabalho (27%), trabalham usando o notebook (15%), conversam ao telefone celular temas relacionados ao trabalho (10%), comunicam-se por e- mail (8%), realizam reuniões de trabalho (5%) e outros (8%). Portanto, a maior parte do tempo de espera as pessoas pesquisadas por Breure e Van Meel (2003) estão envolvidas com temas relacionados a trabalho. A conveniência e eficiência são as palavras-chave para essas pessoas com relação ao espaço de trabalho no aeroporto; não querem perder tempo – “O conceito ideal consiste de três verbos: entrar, sentar e trabalhar!” (Ibid., p. 178).

Brown e O’Hara (2003) pesquisaram as práticas espaciais de trabalhadores móveis – como os trabalhadores móveis gerenciam os usos que fazem da tecnologia e do lugar. Entrevistaram em profundidade pessoas que viajam com frequência, mas que mantêm algum tipo de local fixo – as entrevistas aconteceram antes e depois de viagens a trabalho –, e pessoas muito móveis, que não têm uma mesa ou uma localização fixas. Os autores discutem, entre outros aspectos, como “o lugar muda o trabalho e como o trabalho muda o lugar”. Com relação ao “lugar mudando o trabalho”, por exemplo, citam o caso do trem, em que a conexão de Internet lenta limita a atividade de trabalho a ler ou conversar ao telefone móvel celular; o caso da pessoa que planeja ler no avião porque pode se concentrar por um longo período; e o caso de uma pessoa que prefere conversar ao celular a abrir seu notebook no pouco tempo disponível que tem na sala de embarque. Com relação ao “trabalho mudando o lugar”, por exemplo, os autores citam o caso do trem que, com os relatórios e documentos previamente preparados (impressos) para a viagem, torna-se um lugar de trabalho; ou da cafeteria e espaços de viagem sendo “colonizados” pelas tecnologias móveis e seus usuários; ou o caso do telefone móvel celular invadindo espaços de lazer.

A pesquisa de Holm e Kendall (2008)26, com foco em estudar as condições em que o trabalho em movimento é bem-sucedido, a partir do conceito de não lugar de Augé (1994)27 associado ao aeroporto, sugere que o que se observa ao estudar o fenômeno empiricamente são dois aspectos. Primeiro, a subversão temporária do espaço físico do não lugar; como exemplo, os autores citam o caso de uma pessoa que se sentou no chão do aeroporto, em um local próximo a uma tomada, aproximou uma mesa que estava no entorno e trabalhou por algum tempo usando seu notebook. E o segundo aspecto destacado pelos autores é a subversão do virtual; como exemplo os autores citam o caso de uma pessoa que, para que fosse possível realizar, no aeroporto, a tarefa que havia planejado, diante de imprevistos relacionados às tecnologias móveis, necessitou estabelecer relações com pessoas distantes e tecnologias visando alcançar seu objetivo. Os autores utilizaram como metodologia uma combinação de etnografia e autoetnografia.

Sobre as pesquisas desenvolvidas por Felstead, Jewson e Walters (2005), particularmente aquela com foco no trabalho que envolve deslocamentos e que acontece em vários locais (working on the move), os autores exploraram quatro aspectos: o compartilhamento do espaço com estranhos; como espaços diferentes são transformados em espaços de trabalho; que trabalho é feito onde; e os mecanismos por meios dos quais a visibilidade e a presença são restabelecidas e/ou resiste-se a elas. Para investigar o fenômeno do trabalho móvel, Felstead, Jewson e Walters (2005) combinaram os métodos de entrevista, questionário, shadowing e análise de fotografias; envolvendo pessoas – trabalhadores móveis – que usam trens e postos de serviços em estradas.

Com relação ao compartilhamento de espaços públicos, por exemplo, os resultados da pesquisa sugerem que frequentemente as pessoas procuram “defender o território” individual (seja evitando contato visual – olhando pela janela, para a tela do notebook, ouvindo música etc. – ou colocando suas coisas no local disponível ao lado, procurando impedir que uma pessoa ocupe o espaço).

26 Sobre este artigo de Holm e Kendall (2008), torna-se relevante destacar que a visão teórica adotada pelos

autores – envolvendo a noção de “bricoleur” de Lévi-Strauss, as noções “ready-to-hand” e região de Heidegger, a noção “inbuilt failure” de Weber e conceitos da Teoria Ator Rede presentes nos trabalhos de John Law e Annemarie Mol –, em nossa visão, encontra-se resumida no artigo e apresenta certa inconsistência. Sobre esse último aspecto, por exemplo, o texto inclui no mesmo arcabouço teórico a visão weberiana de estrutura social e a Teoria Ator Rede, que, considerando os conceitos em destaque no artigo, concebe o social como plano.

Os modos com que as pessoas pesquisadas por Felstead, Jewson e Walters (2005) transformam diferentes espaços em espaços de trabalho incluem: levar o que é necessário para que o trabalho possa ser realizado; ao mesmo tempo viajar leve (por exemplo, com bagagens que facilitam a mobilidade); planejar-se para mudanças inesperadas (por exemplo, levar documentos importantes em papel; e viajar com antecedência); executar tarefas com a ajuda de outros (por exemplo, orientar membros da equipe no escritório a checar pedidos urgentes de clientes e atendê-los); usar “rotas trilhadas” (por exemplo, por meio da experiência, selecionar os lugares mais adequados para trabalhar em determinado local); construir enclaves privados em que trabalham (por exemplo, escolher um assento particular, silencioso, sem pessoas ao redor).

Felstead, Jewson e Walters (2005) argumentam que os lugares variam em termos de recursos, familiaridade, exposição pública etc.; e sugerem que também as atividades de trabalho variam no que demandam dos lugares. As pessoas entrevistadas pelos autores desenvolvem determinadas atividades em determinados locais devido às seguintes características das tarefas: duração (por exemplo, aeroportos são locais de passagem; normalmente se tem pouco tempo disponível), necessidades de espaço (por exemplo, para abrir o notebook, apoiar um material etc.), nível de concentração, manutenção da imagem (por exemplo, escolha de local apropriado para determinadas interações), aspecto delicado do trabalho (por exemplo, limitar conversas ao celular), imprevisibilidade (por exemplo, escolher que mensagens responder imediatamente e em outro momento) e encontros face a face (por exemplo, aproveitar a viagem com colegas para orientá-los).

O último aspecto a destacar das pesquisas desenvolvidas por Felstead, Jewson e Walters (2005) está relacionado com a gestão de pessoas que trabalham enquanto se deslocam de um lugar a outro. Os dispositivos que portam, a documentação que fornecem à gestão e os regimes disciplinares sob os quais trabalham estabelecem uma rede em que são gerenciados e o controle a distância é estabelecido.

Para pesquisar o trabalho móvel, Forlano (2008) combinou etnografia, observação participante e entrevistas em profundidade. Investigou usuários de Internet sem fio em uma popular cafeteria de um bairro de Nova York, aplicou um questionário sobre o uso de redes sem fio em cafés, parques e outros espaços públicos, em Nova York, Montreal e Budapeste e conduziu 29 entrevistas em profundidade com pessoas que frequentam cafés (20 pessoas),

parques e espaços públicos (8 pessoas) e terminais de aeroportos (1 pessoa). A autora identificou que os lugares de trabalho móvel, públicos ou semipúblicos, tornam difusas, ou mesmo revertem ou contradizem, as dicotomias tradicionais, como empregado e empregador, trabalho e lazer, online e offline, público e privado, presença e co-presença, indivíduo e comunidade, e local e global. Trabalho e lazer, por exemplo, tornam-se difusos dada a heterogeneidade de atividades que ocorrem simultaneamente nos lugares de trabalho móvel – enquanto muitos trabalham nos seus notebooks, por exemplo, outros conversam com amigos, falam ao celular, comem e bebem, jogam videogames, entre outras atividades. Com relação às fronteiras entre o público e privado, Forlano (2008) relata que além das conversas ao celular conduzidas na cafeteria, é muito mais comum observar pessoas que saem do local e “vêm e vão” na calçada enquanto fazem suas chamadas ao celular. Segundo a autora isso reverte a noção comum de que dentro de um espaço estamos no âmbito do privado, e fora, do público – “os trabalhadores móveis deixam o espaço público da cafeteria buscando um espaço mais privado na rua onde possam conduzir suas conversas pessoais ou de negócios” (Ibid., p. 36, tradução nossa). Além disso, a autora identificou que nos lugares de trabalho móvel existem muitas oportunidades de interação informal, como “negociar” a eletricidade, a conectividade e a segurança. Usuários de notebooks que necessitam de energia, por exemplo, “negociam” acesso a uma tomada nos plugues próximos ou, quando necessitam de conexão, perguntam à pessoa próxima o nome da rede wireless.

Em síntese, nos tópicos deste capítulo ponderou-se que o trabalho na atualidade pode ser realizado em movimento, com o apoio das tecnologias de informação e comunicação, e que cada um dos aspectos desse fenômeno apresenta questões teóricas relevantes a serem consideradas, como: o fato de existirem diversas classificações possíveis para trabalho móvel, dependendo, por exemplo, do grau de mobilidade daquele que trabalha, do local de realização das atividades e do tipo de tarefa que desenvolvem; que tanto os estudos atuais sobre a tecnologia em seu aspecto filosófico, quanto sobre o trabalho em sua porção imaterial, incorporam novas bases para reflexão do tema na atualidade; que ao investigar trabalho em movimento com o uso das TIC, devem-se considerar as diversas mobilidades que compõem o contexto contemporâneo; e que embora as pesquisas sobre a composição trabalho, mobilidade e tecnologias móveis sejam incipientes, alguns estudos apresentam contribuições relevantes para o tema trabalho móvel.

Como comentado no capítulo de Introdução deste estudo, dos aspectos envolvidos com a questão do trabalho móvel, este projeto interessa-se pelo elemento espaço de trabalho; portanto, nos capítulos seguintes discute-se esse tema de modo abrangente (Capítulo 3), associado a organizações (Capítulo 4), e na perspectiva da abordagem teórico-metodológica adotada neste estudo (Capítulo 5).