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Pesquisas em Estudos Organizacionais sobre Espaço

4 Organizações e Espaço

4.3 Pesquisas em Estudos Organizacionais sobre Espaço

Com o objetivo de expor pesquisas embasadas nos pensamentos teóricos acima, apresenta-se a seguir o levantamento desenvolvido por Taylor e Spicer (2007), que oferece uma classificação dos estudos com base em conceitos específicos de espaço organizacional, acrescido de pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre o tema.

Taylor e Spicer (2007), em seu projeto de desenvolvimento de uma plataforma integrada para estudo de espaços organizacionais, revisam as pesquisas sobre o tema no campo de estudos organizacionais e sugerem que tais investigações podem ser classificadas em três categorias: estudos de espaço como distância, como materialização de relações de poder e como experiência.

Os estudos de organização e gestão que adotam a abordagem de espaço como distância física, segundo Taylor e Spicer (2007), podem ser agrupados, apesar de focarem em diferentes níveis de análise, explicarem diferentes variáveis dependentes, e seguirem plataformas teóricas diferentes. Isso porque têm como ponto em comum a visão da geometria Euclidiana que sugere que o espaço é a distância entre dois ou mais pontos (sendo que esses pontos podem

ser pessoas, equipamentos, prédios, recursos, clientes, competidores etc.) – uma visão de espaço como um padrão de distância e proximidade que pode ser medido objetivamente, representado e manipulado. São exemplos de pesquisas com essas características – que revelam os aspectos mais visíveis do espaço interno e em torno das organizações –, aquelas que focam em ergonomia, projeto de locais de trabalho, aglomeração de empresas, distância entre recursos e competidores, e redes de organizações e indivíduos (TAYLOR e SPICER, 2007). Os trabalhos citados por Taylor e Spicer (2007) que adotam a abordagem de espaço como distância física são vários, porém os autores consideram chaves as pesquisas de Baum e Mezias (1992); Bitner (1992); Brookes e Kaplan (1972); Greenhut (1956); e Hatch (1987) 36. A pesquisa de Baum e Mezias (1992) sugere que o posicionamento geográfico das empresas não é somente moldado pela proximidade dos recursos, mas também dos competidores dentro de um dado espaço; os estudos de Bitner (1992), Brookes e Kaplan (1972) e Hatch (1987) detalham como o layout do lugar de trabalho encoraja certos padrões de comportamento e interação, e em particular o trabalho de Hatch (1987) sobre estilo de escritórios abertos sugere que a ausência de barreiras físicas entre os empregados pode diminuir as interações; e a pesquisa de Greenhut (1956) explora como a distância física e os custos de transporte podem explicar a aglomeração de empresas em determinadas regiões (TAYLOR e SPICER, 2007).

No Brasil, por exemplo, a pesquisa de Oliveira e Pontes (2009) analisa a política de gastos públicos, no período de 1999 a 2006, nos municípios da Região Metropolitana de São Paulo, aplicando técnicas de econometria espacial como forma de captar a dependência e a interação entre os municípios. Essas técnicas consideram a existência de interação estratégica entre os gastos federativos, isto é, que o gasto de uma unidade federativa influencia na despesa de outra. Trata-se de uma pesquisa que adota uma abordagem espacial baseada na visão de territorialidade político-geográfica, com características muito próximas à denominada abordagem de espaço como distância física de Taylor e Spicer (2007). Especificamente no caso da Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, a pesquisa sugere que a ocorrência

36 BAUM, J.; MEZIAS, S. Localized competition and organizational failure in the Manhattan hotel industry,

1898–1990. Administrative Science Quarterly, v. 37, p. 580–604, 1992.

BITNER, M. Servicescapes: the impact of physical surroundings on customers and employees. Journal of

Marketing, v. 56, p. 57–72,1992.

BROOKES, M.; KAPLAN, A. The office environment: space planning and affective behavior. Human Factors, v. 14, p. 373–391, 1972.

GREENHUT, M. Plant Location in Theory and Practice. Chapel Hill: University of North Carolina Press. 1956. HATCH, M. J. Physical barriers, task characteristics, and interaction activity in research and development firms.

de externalidades fiscais pode estar contribuindo para que a provisão de bens públicos esteja abaixo da necessária, dado que os governantes municipais consideram os gastos de seus vizinhos para estabelecer suas despesas.

Outro exemplo de pesquisa desenvolvida no Brasil associada de certo modo à visão Euclidiana a que se referem Taylor e Spicer (2007), é o trabalho de Ornstein (1999), de avaliação pós-ocupação de quatro prédios de escritórios localizados na cidade de São Paulo. A pesquisa da arquiteta, entre outros objetivos, procura avaliar o comportamento dos usuários das construções e o nível de satisfação com a qualidade da vida urbana e com o ambiente de trabalho. Um dos blocos de perguntas que fazem parte do questionário, aplicado às pessoas que trabalham nos andares dos prédios pesquisados, trata de questões como a distribuição do espaço, o conforto ambiental, os móveis, e de modo geral, as características físicas do ambiente de trabalho. O estudo conclui que durante as fases de planejamento e projeto, o critério performance deveria ser desenvolvido envolvendo não somente a satisfação e a produtividade desejada dos trabalhadores, mas também a qualidade de negócios, serviços, lazer e outros benefícios relacionados ao ambiente urbano da vizinhança em que os prédios estão localizados.

Segundo Taylor e Spicer (2007), os estudos de organização e gestão que adotam a abordagem de espaço como materialização de relações de poder, focam em explorar o que produz um determinado conjunto de padrões de distância e proximidade em vez de outro. Alguns tratam das relações no espaço econômico, por meio das categorias analíticas desenvolvidas por Karl Marx; outros consideram a materialização das relações de poder por meio de um olhar disciplinador, como desenvolvido por Michel Foucault; e um terceiro grupo considera o relacionamento entre trabalho e não trabalho, que no início da industrialização envolveu uma dimensão de gênero – homens desenvolviam o trabalho remunerado no espaço público e mulheres desenvolviam o trabalho não remunerado no espaço doméstico – e mais recentemente fala das fronteiras difusas entre o espaço público e o espaço privado, sugerindo em alguns casos que estamos diante do fenômeno de organizações sem fronteiras ou limites definidos. (TAYLOR e SPICER, 2007). Os trabalhos citados por Taylor e Spicer (2007) que adotam a abordagem de espaço como materialização de relações de poder também são vários, porém os autores consideram chaves as pesquisas de Collinson e Collinson (1997); e Sewell e

Wilkinson (1992)37. A pesquisa de Collinson e Collinson (1997) sugere que a vigilância e o controle intensos que caracterizam o ambiente de trabalho contemporâneo geram diversas respostas por parte dos gestores e problemas associados ao equilíbrio entre “casa” e “trabalho”, específicos de acordo com o gênero; e os pesquisadores Sewell e Wilkinson (1992) argumentam que os mecanismos de vigilância e controle convencionais são expandidos por meio de duas forças disciplinares complementares: aquela que deriva do olhar atento dos pares e a que resulta do uso dos sistemas de informação de gestão (TAYLOR e SPICER, 2007).

No Brasil, por exemplo, a pesquisa de Alcadipani e Almeida (2000) traz elementos do que Taylor e Spicer (2007) consideram como estudos de organização e gestão que adotam a abordagem de espaço como materialização de relações de poder. Alcadipani e Almeida (2000) analisam o caso de implementação de um escritório aberto em uma organização, a partir de um olhar reflexivo crítico ancorado nas ideias de poder de Michel Foucault. Os resultados sugerem, entre outros, que a partir da perspectiva dos escritórios abertos como artefatos produzidos pelas culturas organizacionais, o artefato escritório aberto pode se transformar em um panóptico, sem que isso seja intencional, e com efeitos nem sempre previsíveis (ALCADIPANI e ALMEIDA, 2000).

Em outro estudo desenvolvido no Brasil, Cruz e Martins (2006) analisam o bacharelismo38 como forma de manifestação de poder no espaço organizacional brasileiro, a partir de uma perspectiva histórico-sociológica fundamentada em dois textos clássicos da sociologia nacional – Raízes do Brasil, de 1936, de Sérgio Buarque de Holanda; e Sobrados e Mucambos, também de 1936, de Gilberto Freyre. O texto de Cruz e Martins (2006) argumenta que o poder do bacharel no espaço organizacional brasileiro tem raízes históricas e que os detentores de tal título possuem um capital social que legitima o exercício da autoridade perante aqueles desprovidos de distinções acadêmicas. Também aqui, elementos do que Taylor e Spicer (2007) consideram como estudos de organização e gestão que adotam a abordagem de espaço como materialização de relações de poder estão presentes.

37 COLLINSON, D.; COLLINSON, M. Delayering managers: time–space surveillance and its gendered effects.

Organization, v. 4, p. 375–407, 1997.

SEWELL, G.; WILKINSON, B. Someone to watch over me: surveillance, discipline and the Just-In-Time labour process. Sociology, v. 26, p. 270–289,1992.

38 O bacharelismo, de modo geral, é a predominância do indivíduo, que concluiu o primeiro grau universitário,

Os estudos de organização e gestão que adotam a abordagem de espaço como experiência vivida, segundo Taylor e Spicer (2007), focalizam como os espaços são produzidos e se manifestam nas experiências daqueles que os habitam. São as percepções e experiências dos indivíduos a respeito de determinado espaço que dão vida e animação a esse espaço, e fazem dele um espaço ocupado; isso leva ao fato de que diferentes experiências de espaço podem gerar espaços muito diversos. Os pesquisadores ancorados nessa perspectiva adotam recursos linguísticos e de estudos culturais (como aspectos simbólicos e estéticos, por exemplo) na condução de seus estudos (TAYLOR e SPICER, 2007). Os trabalhos citados por Taylor e Spicer (2007) que adotam a abordagem de espaço como experiência vivida são vários, também nesse caso, porém os autores consideram chaves as pesquisas de Berg e Kreiner (1990); Cairns (2002); Ford e Harding (2004); e Yanow (1998)39. A pesquisa de Berg e Kreiner (1990) sugere que as instalações físicas – prédios, construções etc. –, elas mesmas, são repositórios ricos de aspectos simbólicos e estéticos das organizações, contando histórias sobre a cultura e a identidade organizacionais; Cairns (2002) discute as dimensões estéticas dos espaços organizacionais, particularmente a tensão entre liberdade e controle, sem tomar partido por um ou outro ponto de vista; os pesquisadores Ford e Harding (2004) exploram as teorias sobre organizações a partir da visão dos atores organizacionais, e descobrem teorias da organização como lugar entre o staff e teorias da organização como espaço entre gestores e executivos; e Yanow (1998), partindo de uma visão de que espaços construídos são ao mesmo tempo contadores de histórias e parte da história que está sendo contada, empiricamente conduz uma reflexão sobre esse tema analisando museus e as histórias que esses espaços contam (TAYLOR e SPICER, 2007).

No Brasil, por exemplo, a pesquisa de Silva e Wetzel (2006) analisa de que modo a noção de espaço e a dinâmica de sua produção influenciam a maneira como os indivíduos percebem mudanças organizacionais, tendo como premissa que significados espaciais afetam a

39 BERG, P.O.; KREINER, K. Corporate Architecture: Turning Physical Settings into Symbolic Resources. In:

GAGLIARDI, P. (Ed.) Symbols and Artifacts: Views of the Corporate Landscape. New York: Aldine de Gruyter, 1990.

CAIRNS, G. Aesthetics, morality and power: design as espoused freedom and implicit control. Human

Relations, v. 55, p. 799–820, 2002.

FORD, J.; HARDING, N. We went looking for an organization but could only find the metaphysics of its presence. Sociology, v. 38, p. 815–830, 2004.

YANOW, D. Space Stories – Studying Museum Buildings as Organizational Spaces While Reflecting on Interpretive Methods and Their Narration. Journal of Management Inquiry, v. 7, n. 3, p. 215–239, 1998.

construção da identidade dos indivíduos e suas possibilidades de subjetivação. Esse trabalho, cujos resultados são baseados nas experiências de aproximadamente cem indivíduos, pode ser considerado um estudo que adota a abordagem de espaço como experiência vivida nos moldes que definem Taylor e Spicer (2007); e revelam que as mudanças são percebidas e sentidas pelos pesquisados em termos das transformações que ocasionam nos espaços percebidos, concebidos e vividos.

Em outro estudo publicado no Brasil, o trabalho de Alcadipani e Tonelli (2009) traz elementos do que Taylor e Spicer (2007) consideram como estudos de organização e gestão que adotam a abordagem de espaço como experiência vivida. Alcadipani e Tonelli (2009) analisam desenhos feitos por trabalhadores de uma empresa em processo de mudança, que refletem um espaço organizacional em que a violência se encontra presente de modo simbólico nas relações de trabalho. Para os autores, uma possível contribuição do estudo é destacar a relação entre masculinidade e violência simbólica nas organizações.

Além das pesquisas brasileiras apresentadas acima, envolvidas, de algum modo, com o tema espaço em estudos organizacionais, a produção nacional também apresenta alguns exemplos associados a espaços específicos como aquele das organizações hospitalares (MARINHO e MAC-ALLISTER, 2006); dos bancos (BESSI e GRISCI, 2007); da redação de jornal (SOUZA e GRISCI, 2005); da casa (PUMA e WETZEL, 2007; SILVA, 2006) e dos espaços de trabalho em movimento (GRISCI, SCALCO e JANOVIK, 2006). As pesquisas associadas à casa e aos espaços de trabalho em movimento, em razão do vínculo com o tema deste estudo, são detalhadas a seguir.

Puma e Wetzel (2007) investigam o processo atual de transformação das questões de espaço e tempo quando o trabalho se desloca do ambiente da empresa para o doméstico. Os resultados encontrados pelas autoras ressaltam, no que se refere ao espaço, as necessidades de separar fisicamente as esferas do privado e do profissional, por mecanismos de regulação de território; de estabelecer rotinas e rituais de tempo, bem como algum tipo de planejamento de atividades; de negociação com os outros membros da casa; e de desenvolver características pessoais como disciplina e organização.

A pesquisa de Silva (2006) tem por objetivo investigar a noção de tempo e espaço de trabalhadores, com alto nível de qualificação, em situação de auto-emprego, alguns deles

trabalhando em casa. Os resultados encontrados pelo autor sugerem que a condição de auto- emprego leva os indivíduos a reverem os conceitos e valores que definem sua noção de temporalidade e suas representações de espaço, além da forma como percebem seu espaço incorporado e entendem a dinâmica dos espaços da família, das empresas e da vida em sociedade.

No caso do trabalho de Grisci, Scalco e Janovik (2006), a pesquisa discute a instantaneidade, a velocidade e a urgência que vem caracterizando a sociedade atual a partir da experiência de trabalho de motoboys; e sugere que esse trabalhador pode ser tomado como um dos agentes que personifica essa realidade contemporânea. Merecem destaque nessa pesquisa as particularidades associadas ao lugar de trabalho desse grupo de trabalhadores: não fixo, envolvendo constante deslocamento e o uso de um meio de transporte específico (a motocicleta).

No caso brasileiro também se encontram trabalhos dentro de uma perspectiva teórica, como a investigação de Vergara e Vieira (2005) sobre a dimensão tempo-espaço na análise organizacional. Os autores argumentam que essa dimensão é uma categoria útil para a compreensão das organizações, visto que:

“[...] aumenta o poder explicativo a respeito dos objetos que compõem as organizações. A utilidade dessa categoria incide no fato de evidenciar que categorias organizacionais tradicionais como estrutura, processos, tecnologia, modelos de gestão, tomadas de decisão e poder são moldadas por um tempo-espaço específico. Diferentes sistemas sociais, campos organizacionais, organizações e suas partes constituintes configuram-se de maneira distinta conforme o tempo- espaço em que são concebidas e praticadas.” (Ibid., p. 104).

Além disso, segundo Vergara e Vieira (2005), dada a nova ordem global, o espaço e o tempo devem ser considerados categorias básicas no processo de globalização das atividades econômicas; observa-se uma contração espaciotemporal e uma projeção das ações organizacionais no tempo-espaço virtual, no ciberespaço, que influenciam os padrões de organização das empresas.

As pesquisas neste tópico ilustram que o tema espaço, embora periférico em estudos organizacionais, tem associado a ele estudos relevantes; assim como o são as duas abordagens descritas a seguir sobre espaços da organização de modo geral.