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3 Espaço na Contemporaneidade

3.3 Espaço e Tempo

Para Crang e Thrift (2000), escrever sobre espaço é extremamente difícil sem considerar sua relação com o tempo. Embora se observe recentemente uma ênfase no espaço em muitas disciplinas, visando ao afastamento de visões historicistas e desenvolvimentistas, o fato

persistente é que o espaço sem tempo é tão improvável quanto o tempo sem espaço; e, assim, a visão de Foucault de que a era do espaço está sucedendo a do tempo, precisa ser considerada com cautela (CRANG e THRIFT, 2000).

May e Thrift (2001), na introdução que fazem do livro TimeSpace: geographies of

temporality (“TempoEspaço: geografias da temporalidade”, tradução nossa), editado por

ambos, descrevem que a origem dessa coletânea está relacionada com certa insatisfação dos autores com dois desenvolvimentos recentes e relacionados em ciências sociais. Primeiramente, preocupam-se com as formulações unidimensionais de espaço, evidentes na crescente literatura que destaca o tema espaço e espacialidade, que parecem se basear em um dualismo familiar, não útil, em torno das categorias Espaço e Tempo. E um segundo aspecto, refere-se aos textos recentes sobre tempo – que em sua maioria se mostram valiosos, adicionando aspectos relevantes à nossa compreensão sobre o tempo social –, mas, da mesma forma que os textos recentes relacionados ao assunto espaço, procedem frequentemente como se as questões de tempo e espaço fossem passíveis de tratamento de forma isolada.

Os autores têm como desafio, com os textos da edição citada acima, pensar em termos de uma multiplicidade de espaço-tempos ou, como preferem denominar, TempoEspaços – numa tentativa consciente de se afastar de qualquer separação entre as duas categorias. Para os autores, o ponto de partida para a compressão do conceito de TempoEspaço está relacionado a tempo. Assim como se reconheceu que a natureza do tempo social, como também sua experiência, é múltipla e heterogênea, segue que seu modo de construção – os meios pelos quais um sentido particular de tempo é estabelecido e avança para moldar nossos entendimentos e ações – é múltiplo e dinâmico. Fundamentando-se nessa visão, May e Thrift (2001) propõem que para compreender a construção de TempoEspaço é necessário explorar questões da prática social em quatro domínios inter-relacionados, cada um deles constituído espacialmente.

Primeiro, para May e Thrift (2001), um sentido de tempo ainda é moldado pelas nossas respostas a uma série de horários, calendários e ritmos estabelecidos de acordo com inter- relações de Tempo e Espaço no universo natural, como o ciclo do dia, o ritmo das estações e os ritmos do corpo; que, embora pareçam universais, o modo com que são vinculados por uma sociedade varia no espaço e no tempo, assim como essa variação também é aparente ao longo da vida de um indivíduo. Um segundo aspecto destacado pelos autores refere-se ao

sentido de tempo que é moldado e gerado por meio de vários sistemas de disciplina social que acontecem em determinados lugares (seja o monastério, a fábrica, o escritório ou a casa). No caso em que uma maior produtividade depende de uma disciplina de tempo rígida, por exemplo, também o uso do tempo do trabalhador somente pode ser monitorado adequadamente por meio do uso apropriado do espaço dentro do local de trabalho, visando permitir a vigilância (MAY e THRIFT, 2001). Da mesma forma, continuam May e Thrift (2001), assim como o tempo do “trabalho” dá forma ao tempo da “família” ou ao tempo do “lazer” (e vice-versa), tal tempo somente adquire seu significado completo quando acontece no lugar apropriado (com sentimentos de frustração aparente quando a pessoa “traz trabalho para casa”, por exemplo, ou quando o tempo no escritório é quebrado por demandas da família ou de amigos). O terceiro domínio apresentado pelos autores relaciona-se com o fato que o sentido de tempo que temos emerge de nosso relacionamento com uma variedade de

instrumentos e dispositivos – do relógio solar ao motor termodinâmico e ao gravador de

vídeos –, e que esses equipamentos também interferem em nossa concepção de espaço (por exemplo, o gravador de vídeo alterou nossa percepção sobre coletividade; passamos a percebê-la mais ampla espacialmente); e vice-versa, isto é, dispositivos que parecem primeiramente relacionados com espaço podem da mesma forma impactar nossa compreensão de tempo (por exemplo, o telefone, o telégrafo ou a comunicação via satélite ao vivo). E o quarto domínio destacado por May e Thrift (2001) considera que nosso sentido de tempo surge em relação a vários textos que podem ser entendidos como veículos de translação, voltados a atribuir sentido social para as novas conceituações de Tempo, e que, ao estabelecer entendimentos particulares de tempo acabam por regular o que codificaríamos (por exemplo, os livros das horas29).

Em resumo, os autores argumentam que, com essa visão dos quatro domínios, (i) o sentido de tempo social é feito e refeito de acordo com as práticas sociais que operam dentro e entre os domínios; (ii) a imagem que surge, acrescentando as várias espacialidades embutidas nos domínios, não é de um tempo social singular e uniforme que se espalha por um espaço uniforme, mas sim de várias (e não equilibradas) redes de tempo que se estendem por direções diferentes e divergentes, por um campo social não equilibrado; além disso, (iii) a variação espacial passa a ser parte constitutiva (não mais uma dimensão adicionada) da multiplicidade

29 Segundo Aurélio (2004), o livro de horas é um “livro litúrgico, que contém as preces das horas canônicas e

e heterogeneidade do tempo social – ou do TempoEspaço, assim chamado por May e Thrift (2001) pelas razões já apresentadas.

Ao refletir sobre essa intrincada relação entre espaço e tempo, May e Thrift (2001) nos conduzem à noção de que as experiências TempoEspaço são múltiplas e heterogêneas. Visando explorar outras abordagens, como outras experiências de tempo e espaço são descritas na literatura, desenvolveu-se o tópico a seguir.