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3. RENOVAÇÃO URBANA E COESÃO SÓCIO-ESPACIAL

3.2. O PAPEL DO DESENHO URBANO NA COESÃO SÓCIO-ESPACIAL

3.2.2. Espaço e movimento natural

O movimento de pedestres tem papel fundamental no estudo da forma espacial para a teoria da Sintaxe Espacial. A relação entre o leiaute espacial e os padrões de movimento tem sido

profundamente estudada numa gama de estudos de casos em áreas urbanas e em diferentes tipos de edifícios. Tais estudos mostram que a distribuição do movimento de pedestres no espaço urbano é consideravelmente determinada pela configuração espacial da estrutura urbana. O conceito de movimento natural, ou a tendência da estrutura da malha em ser uma das principais influências no padrão de movimento de pedestres no espaço urbano, é bastante utilizado pela teoria devido à sua influência na distribuição do uso do solo (HILLIER, 2007). Quanto maior a densidade de ocupação humana numa dada área, maior o potencial que ela possui para

25 Tradução livre da autora. No original “it is the product of spatial arrangement, and structurally it takes on the form prescribed

by the spatial arrangement: more or less open or closed, more or less localized or globalised, more or less dense in inhabitant and strangers”

HILLIER et al, 1987: 249).

26 PEPONIS, John. Space Syntax: social implications of urban layouts. Edição especial da Ekistics, v.56, n. 334-335,

desenvolver trocas e interações de todos os tipos, sejam sociais ou econômicas. Quanto maior o fluxo de pessoas, maior a oportunidade de desenvolver uma gama de encontros prováveis e de oportunidades econômicas.

A redução no número e na variedade de pessoas em qualquer assentamento tem efeitos diretos sobre a complexidade dos padrões de uso do solo. Transformações urbanas para padrões de assentamentos cada vez mais dispersos claramente indicam baixas densidades e reduz diretamente o potencial para a implantação de atividades econômicas complexas. A viabilidade de

determinados usos não residenciais depende, essencialmente, de um certo número de clientes que os sustentem. É a presença das pessoas que passam nas ruas que oferece a oportunidade básica para transações e desenvolvimento de atividades econômicas.

Bentley (2002) sugere que a relação entre os níveis de fluxo de pedestres e o potencial para as atividades econômicas de uma área urbana é claramente demonstrada pela relação direta entre o fluxo de pedestres numa rua particular e os preços dos edifícios que nela estão localizados. Em algumas vias de Chicago, o autor verificou que quanto maior o fluxo de pedestres, maior o preço dos edifícios adjacentes à elas (Figura 47).

Figura 47. Ashland Avenue, Chicago. Relação entre o valor de aluguel e fluxo de pedestres. Fonte: Bentley (2002)

O fluxo de pedestres deve ser pensado como um irrigador da estrutura urbana e a presença humana como um fator potencial para a venda de bens e serviços de todos os tipos. Altos níveis de fluxos de pedestres criam o potencial para altos níveis de atividades econômicas.

A relação entre fluxos de pedestres e tipos de atividades não tem uma direção única. Ao mesmo tempo em que o movimento de pessoas gera prováveis encontros favoráveis a determinados tipos de atividades, percebemos também que quanto mais complexo o padrão de uso do solo, maior a probabilidade de contatos humanos em uma área urbana. Quanto maior a complexidade das atividades, maior a variedade de oportunidades para a satisfação de diferentes interesses (BENTLEY, 2002).

Ao verificarmos mais atentamente sobre como os seres humanos se deslocam no espaço, encontraremos um tipo de geometria natural no movimento daquilo que as pessoas fazem nesse espaço. No nível mais elementar, as pessoas se movem sobre linhas retas. Iniciam e terminam um movimento de um lugar para outro no espaço. Em uma malha urbana, as pessoas tendem a se locomover de algum lugar (origem) para todos os outros lugares possíveis (destinos possíveis) (HILLIER, 2007).

Cada movimento ao longo de uma linha particular é influenciado pela posição do usuário em relação a uma escala maior da malha urbana. Os pedestres tendem a considerar tudo que eles percebem no espaço urbano como uma possível rota de locomoção de um lugar para outro em todo um sistema urbano. As pessoas são guiadas pelo que vêem de cada ponto no qual elas estão localizadas. É pouco provável que o pedestre entre em uma rua que não lhe pareça familiar. As ruas que são perceptivelmente desligadas de uma outra em que ele se encontre, ou seja, que esteja obstruída da sua linha de visada (devido a uma mudança de direção, por exemplo) serão

provavelmente pouco utilizadas como rotas de passagem de uma origem a um destino específico. Ruas desse tipo possuem menores fluxos de pedestres que outras mais diretamente integradas na rede de espaços públicos como um todo (BENTLEY, 2002).

Estudos afinados com a teoria da Sintaxe Espacial têm demonstrado que o padrão de movimento

de pedestres numa área urbana é determinado, em primeira instância, pela medida de integração27

espacial de uma ‘linha de movimento’ em relação a todas as outras possíveis da estrutura urbana. Quanto maior o nível de integração espacial de uma linha, maior a sua probabilidade de atrair fluxos de pedestres.

Avanços têm sido relatados relacionando também a segregação física com a desertificação de áreas urbanas. Isso significa dizer que a densidade de movimento no espaço urbano é

determinada, principalmente, pela relação entre os espaços e pelo leiaute como um todo, mais do que pelas propriedades locais do espaço ou pela presença de equipamentos ‘ímãs’, que também influenciam na atração de usuários e consumidores (HILLIER et al, 1987). O conceito de

movimento natural é melhor compreendido como a relação entre a estrutura da malha urbana e a

densidade de movimento de pessoas ao longo das linhas de movimento.

É bem verdade que o comércio possui um grande potencial para atrair o movimento, atuando como principal agregador de pessoas. Entretanto, por que eles se instalam em um determinado lugar e não em outro? Hillier (2007) argumenta que o comércio quase sempre busca uma localização em uma linha de alto índice de integração pelo fato de ela naturalmente suportar um maior movimento de pessoas. Segundo o autor, a localização do uso do solo é geralmente

dependente da relação entre a malha urbana e o movimento de pessoas. Edifícios comerciais e de serviços geralmente buscam uma localização estratégica em uma área de grande fluxo de pessoas para que possam tomar vantagens sobre isso. Por outro lado, usos residenciais são bem

adaptados em áreas menos densas, com menor fluxo de pessoas.

Pelo exposto, podemos afirmar que o desenho do espaço urbano é fundamental para alcançar objetivos de coesão e interação entre pessoas de distintas culturas e classes sociais. O desenho do espaço urbano poderá influenciar os níveis de relação entre diferentes grupos em uma cidade, influindo nas dinâmicas sociais em todo o sistema urbano. Através de padrões de

comportamento permitidos ou inibidos pela esfera física pública, é possível favorecer o surgimento de processos de exclusão ou promover a interação entre pessoas de diferentes culturas.

A malha urbana – que possui um desenho espacial específico – como um dos principais

determinantes do movimento e do fluxo de pessoas em um dado espaço urbano poderá permitir, forçar ou limitar comportamentos e desenvolvimento de atividades específicas em um

determinado espaço público. Para que um espaço tenha potencial para a coesão social, ele deve oferecer a oportunidade para que a interação entre classes e grupos sociais ocorra. Isto não quer dizer que a interação vá acontecer, mas os fatores físicos podem influenciar positivamente. Se a forma espacial cria um campo de encontros prováveis e de co-presença – comunidade virtual –, ela pode proporcionar à sociedade um meio de redução das diferenças.

A integração de um espaço em relação a todos os demais espaços de um sistema urbano é um aspecto fundamental para a promoção da interação entre pessoas de diferentes grupos sociais.

Vimos que quanto maior a integração de uma linha de movimento (que é um espaço), maior é o seu potencial para atrair naturalmente o fluxo de pessoas. Quanto maior o número de pessoas em um espaço público, maiores são as chances de trocas de experiências entre indivíduos de

diferentes grupos sociais e para trocas econômicas. O uso do solo, que também segue o

movimento provocado pelo tecido urbano, multiplica os efeitos deste, atraindo também o fluxo de pessoas depois de instalado. Através da influência no movimento das pessoas e na economia, o tecido urbano é uma das fontes fundamentais para a geração das atividades e das relações sociais que dão vida às cidades.

3.3. COESÃO OU EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL? FORMULAÇÃO DE UM MÉTODO