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Mudança de paradigma: do plano diretor aos projetos estratégicos

1. GLOBALIZAÇÃO, IDENTIDADE E O NOVO PAPEL DAS CIDADES

1.1. REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA E OS CENTROS URBANOS

1.1.2. Mudança de paradigma: do plano diretor aos projetos estratégicos

globalização da economia e da tecnologia. “Inspiradas nas empresas privadas dos anos 60, cidades e regiões passaram a declarar que a máquina de morar-trabalhar moderna não mais atendia às exigências de uma nova fase de reestruturação do capitalismo, […] inventando máquinas urbanas de produzir renda” (ARANTES, 2000: 52).

Os governos locais mais inovadores tentaram, durante as últimas décadas, exercer suas próprias funções de planejamento territorial e de desenvolvimento urbano segundo um regime dualista, ou seja, segundo uma articulação entre decisões passivas (autorização de iniciativas de terceiros) e

ativas (determinadas pelo aproveitamento de ocasiões imprevistas) (PORTAS, 1990). O esgotamento do planejamento urbano tradicional forçou a proposição de um outro que procurasse se adequar ao novo cenário econômico mundial.

É nesse período que surge um novo tipo de planejamento chamado ‘Estratégico’, que aparece como uma alternativa às tradicionais orientações do Plano Diretor e como uma nova estratégia de desenvolvimento e articulação do tecido urbano. Voltando-se para uma visão global da cidade à procura de uma melhor resposta à nova fase econômica, o Planejamento Estratégico salientou a chance de aproveitar as oportunidades para a implementação de projetos que atraíssem

investidores, alta visibilidade e atividades afinadas com a tendência econômica recente, centrada no setor terciário, particularmente, nos serviços especializados. Diferente do Plano Diretor, o Planejamento Estratégico é um plano de ações que prioriza os projetos urbanos, utiliza análise qualitativa e fatores críticos (BORJA e CASTELLS, 2004). Suas principais características são ações a curto prazo e a colaboração entre setores públicos e privados.

Baseando-se em negociações e articulações entre os diversos agentes urbanos, inclusive

investidores privados, o Planejamento Estratégico se propõe como um plano de ações que visa solucionar os problemas locais e aproveitar (ou até criar) oportunidades para o desenvolvimento da cidade (BRANDÃO, Z., 2002). Os grandes projetos terão valor estratégico segundo seja sua capacidade de promover transformações urbanas que aumentem sua atratividade e sua coesão social local.

Há uma convergência entre governantes, burocratas e urbanistas para a idéia de que as cidades só são capazes de gerar respostas competitivas aos desafios da globalização se forem dotadas de um plano estratégico, uma vez que agora elas também estariam submetidas às mesmas condições de uma empresa privada (VAINER, 2000). Os atores urbanos ao encararem a cidade como uma empresa, atuam não somente no sentido de facilitar a entrada de investimentos privados, mas também buscam uma maior competitividade internacional através da exploração das vantagens locais, reforçando o grau de atração da cidade e a elevação da qualidade de vida.

Não é a primeira vez que a cidade toma emprestado o modelo empresarial para efeito de seu planejamento, mas enquanto os planejadores modernistas foram seduzidos pela unidade de produção empresarial, transportando para o plano urbano os princípios de organização da produção, hoje as empresas vem sendo tomadas como exemplos de unidades de gestão de negócios. Ver a cidade como empresa significa que é no mercado onde ela encontra o modelo do

planejamento e execução de suas ações. “Agir estrategicamente, agir empresarialmente significa, antes de mais nada ter como horizonte o mercado, tomar decisões a partir das informações e expectativas geradas pelo mercado” (VAINER, 2000: 86).

O novo modelo de gestão urbana baseado em grandes projetos estratégicos vem priorizando as intervenções localizadas, ao contrário dos antigos modelos de planejamento regulador. A formação de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada constitui uma das principais metas da nova gestão urbana sintonizada com a competitividade. No entanto, a cooperação entre os setores público e privado não segue hoje o esquema tradicional de duas fases, em que,

primeiramente, a atuação pública realiza a operação não rentável e somente depois os atores privados promovem o desenvolvimento das iniciativas lucrativas (PORTAS, 1990).

A diferença mais evidente entre uma intervenção gerada por um plano regulador e outra gerada por um processo de Planejamento Estratégico consiste na eleição da posição espacial da intervenção. Neste último caso, dá-se prioridade às condições de viabilidade e aos impactos positivos ou negativos. Sobre as bases do diagnóstico, que toma em consideração o entorno, o território e a administração, determina-se a situação previsível, os possíveis cenários e a situação desejável, a partir da qual se definem as ações a empreender (BORJA e CASTELLS, 2004). O processo definidor dos grandes projetos no marco do Planejamento Estratégico não é um simples resultado da vontade dos atores que participam da sua elaboração. Devemos considerar que as tentativas de revitalizar áreas degradadas resultantes da especulação ou da mudança econômica sempre exigem uma injeção de capital (na expectativa de algum retorno financeiro), um processo que foi rotulado de ‘renovação urbana’ (RYKWERT, 2004). É preciso prever um financiamento público-privado desde o princípio, seja sobre as bases de ingresso a posteriori ou por desenvolvimentos urbanos complementares. Nas experiências realizadas até agora se

percebeu que ao lado do financiamento público estão o financiamento internacional, geralmente complementar, e o financiamento privado que asseguram a maior parte do processo. (BORJA e CASTELLS, 2004).

A imagem como ferramenta para atração do capital

Símbolo, signo ou simulacro, originários do contexto urbano, transforma-se em um instrumento único da comunicação global, e, acima de tudo, uma expressão do nosso tempo cuja relatividade é visível. Além disso, o símbolo polivalente dos espaços urbanos globalizados formam a identidade urbana desejável, transmitindo as mensagens

simbólicas de poder, tradição, cosmopolitanismo e – progresso tecnológico. Eles se interagem e contestam, criando a nova imagem das cidades […]2 (STUPAR, 2004: 369)

Uma vez que dentro do esquema de produção capitalista atual a imagem é tão (ou mais) importante quanto o próprio produto, os administradores urbanos compreenderam que a aquisição de uma imagem passou a ser indispensável na busca de uma comunicação simbólica da cidade.

Posto que a cultura é um sistema de comunicação e que nossa sociedade está cada vez mais organizada em torno da produção, distribuição e manipulação de símbolos, a política da sociedade da informação é a comunicação simbólica. Assim, fica fácil entender que a comunicação através da imagem é a característica e o principal objetivo das cidades

contemporâneas. A meta atual é promover a cidade através de uma imagem forte e positiva para atração de investidores, visitantes e usuários.

Nessa perspectiva, as cidades hoje admitem a qualidade do espaço urbano para a acumulação e reprodução do capital e defendem soluções de projeto arquitetônico e urbano que promovam uma imagem positiva como propaganda para a atração do capital privado (SOMEKH e CAMPOS, 2005). O foco atual é a constituição de uma lógica de funcionamento característica dos novos processos econômicos globais, da organização da produção e da integração dos mercados. “Os novos processos de urbanização, resultantes das profundas tendências de globalização da economia e informatização das sociedades se articulam às formas espaciais existentes para produzir a nova estrutura urbana que caracteriza a nossa época” (BOTELHO, 2004).

Dar determinada imagem à cidade através da organização de espaços urbanos espetaculares se tornou um meio de atrair capital e pessoas num período onde a competição interurbana vem sendo intensificada. Dentro dessa perspectiva, o projeto urbano pressupõe uma intervenção emblemática sob os efeitos do marketing urbano, onde o espaço urbano passa a constituir um modo de comunicação simbólica da cidade.

2Tradução livre da autora. No original: “Symbol, sign or simulacrum, originating from the urban context, becomes a unique instrument of global communication, and, above all, an expression of our time, whose relativity is visible. Furthermore, the polyvalent symbolic of globalized urban space shapes the desirable urban identity, transmitting the symbolical messages of power, tradition, cosmopolitanism and - technological progress. They interact and contest, creating the new image of the city […]” (STUPAR, 2004:

Considera-se que o visual de impacto, a imagem da pós-modernidade e a assinatura de um arquiteto conhecido são alguns trunfos para garantir o sucesso de um lugar que passou por um processo de renovação urbana. Barcelona, por exemplo, apostou fortemente na autopromoção publicitária, explorou e potencializou aquelas características pelas quais a cidade é prontamente identificada, aquilo que constitui a imagem da cidade (ARANTES, 2000).

A projeção de uma imagem definida de lugar abençoada por certas qualidades, a organização do espetáculo e a teatralidade foram conseguidas com uma mistura de estilos, com a citação

histórica, com a ornamentação e a diversificação. “A imagem se torna importantíssima na concorrência, não somente em torno do reconhecimento da marca, como em termos de diversas associações com esta – ‘respeitabilidade’, ‘qualidade’, ‘prestígio’, ‘confiabilidade’ e ‘inovação’” (HARVEY, 2005: 260).

A colaboração público-privado, a ênfase nos Projetos Estratégicos, a promoção da cidade para a atração de investimentos e serviços, a transformação da cidade em lugar de consumo não somente em lugar de produção são algumas das estratégias que o poder público local utiliza para dinamizar a economia frente a um contexto internacional cada vez mais instável e competitivo.

1.1.3. O espaço urbano para as atividades econômicas globais: atração, acumulação