• Nenhum resultado encontrado

Como anteriormente discutido, o espaço é dotado de movimento, de recriação, dependente da contextualização e de quem o pratica. Em estreita relação, dado que é o espaço que o delimita, está o conceito de “lugar”. Um dos arquétipos do conceito de lugar é o lar, se não uma característica universal. Pode ser definido em oposição entre o vazio ou o estranho e o lugar a onde se pertence. Este lugar consiste numa localização que reúne todas as condições para o indivíduo considerar que a permanência no mesmo é potencial para a sua sobrevivência e para a sua manifestação ontogenética e filogenética.

Fora do lar, o indivíduo tende a não se sentir adequado, integrado; nutre a sensação de passagem, de interstício, de hiato entre o ponto de partida e de chegada, os quais são possivelmente o mesmo, o lar.

Este afastamento do lar pode ser voluntário, como uma viagem ocasional, para férias, por exemplo. O indivíduo pode ser igualmente forçado a movimentar-se, pela necessidade de emigração, de exílio. Estas movimentações que, actualmente, atingem a escala global, são parte integrante das consequências da aceleração das telecomunicações e da tecnologia que permite essas deslocações rápidas para locais distantes no Globo. Contudo, a noção de lar não se atenua por esta possibilidade de movimentação, por vezes intensifica-a; o indivíduo pretende de facto deslocar-se para encontrar o seu lar por várias razões: porque os seus ascendentes são originários de determinada região ou país, ou porque o local onde tem a sua habitação não reúne as condições de um lar (segurança, liberdade de expressão, condições de subsistência, entre outras). O sentimento de carência acerca do conjunto de factores que é característico desse espaço é uma das razões que podem impulsionar esse regresso às origens.

Esse conjunto de factores consiste numa conjuntura única, exclusiva, pela qual o indivíduo nutre um sentimento de pertença. Esses factores são diversificados e subjectivos, mas podem agrupar-se da seguinte forma:

Sociais: estes incluem as relações sociais que o indivíduo estabelece ou estabeleceu com os indivíduos residentes ou frequentadores nesse espaço onde o indivíduo localiza o lar. Essas relações podem ser consanguíneas, originárias da frequência do sistema de ensino, das relações entre vizinhança ou de locais comuns (cafés, discotecas), de um local de trabalho anterior, entre tantas outras. O indivíduo, mesmo que estabeleça relações fora do seu lar, devido ao facto de as relações sociais

42

prematuras terem sido vitais para a sua formação como indivíduo, essas relações podem ter sido as mais importantes na história pessoal do mesmo.

Culturais: a conjuntura que caracteriza o lar. Este grupo de factores engloba os costumes antropológicos dos grupos culturais lá existentes, tanto se os grupos forem homogéneos como se forem subculturas ou contra-culturas que coexistem (a diversidade pode ser uma característica desse mesmo lar). Estes costumes antropológicos pressupõem padrões de coabitação e de socialização (por antecipação, por exemplo), de ascensão e de aceitação sociais, opções religiosas, filosóficas, artísticas, gastronómicas, num termo geral, o que o define o indivíduo como cultural. O constrangimento cultural pode ser de facto impulsionador de migrações frequentes, tanto por pormenores como as saudades de um determinado prato regional como por questões problemáticas, como a perseguição religiosa.

Económicos: as condições financeiras que esse mesmo lar pode proporcionar, em termos de subsistência e de património monetário. Por exemplo, é possível que o indivíduo prefira uma economia baseada em serviços ou em agricultura, considerando as condições que cada uma significa. Uma economia terciária prende-se essencialmente com contextos urbanos, de elevada concentração demográfica, com uma concepção arquitectónica muito diferente da da economia rural. Esta, por seu lado, prima pelo contacto pela natureza e pela baixa concentração demográfica. O lar pode divergir entre, consequentemente, Nova Iorque e São Tomé.

Físicos: as condições físicas que o lar pode proporcionar, em termos de habitação, da zona circundante (condições tão básicas como o saneamento ou a segurança), até do clima. O clima influencia psicologicamente o indivíduo de tal forma que o mesmo pode até evitar viajar para climas demasiado diferentes. As condições climáticas do território onde se encontra o lar podem ser características da área e não encontrarem semelhança nos lugares que o indivíduo visita. Dentro dos estímulos físicos incluem-se ainda, por exemplo, o paladar — a composição da água, por exemplo — e o olfacto, devido aos aromas produzidos pela conjuntura (cidade, campo) e pela fauna e flora que se encontram próximos do lar.

O afastamento do lar também pode caracterizar uma rotina diária, por outras palavras, as migrações pendulares. A deslocação para o emprego ou para o local de formação constitui a razão mais comum para as migrações pendulares. Estas podem ser de escassos metros até de dezenas de quilómetros por dia. O indivíduo abandona o lar (físico, onde o indivíduo pernoita e onde se reúne com o seu agregado familiar) para o poder subsistir e manter. Actualmente, a diversidade dos meios de transporte

43

disponíveis permite o aumento dessa distância entre lar e trabalho. Este fenómeno aumenta nos centros urbanos, onde se encontra igualmente o maior número de ofertas de emprego e de serviços. Como o coloca Marcella della Donne, “os meios de transporte representam um parâmetro válido para se estabelecer a amplitude do sector de influência de uma cidade”40. Em adição, Rémy e Voyé assinalam ainda que a urbanização de um aglomerado populacional se mede proporcionalmente à mobilidade (quanto mais mobilidade, maior o quociente de urbanização)41.

A definição de lugar mediante a multiplicidade de perspectivas sobre o espaço encontra igualmente a sua coerência na pluralidade, na medida em que o conceito é definido através da mesma pluralidade de perspectivas.