• Nenhum resultado encontrado

O Metropolitano de Lisboa e a cidade

O NÃO-LUGAR OU A MULTIPLICIDADE DE CONTEXTOS

III.3 O Metropolitano de Lisboa e a cidade

O interesse acerca dos metropolitanos vulgariza-se através de variados meios, incluindo o de sites permissivos de vídeos amadores. A possibilidade de o sistema de comboios subterrâneo, conotado como âmago das concentrações urbanas, consistir num reflexo coerente da cultura inerente a essas mesmas concentrações, apresenta-se viável. Na realidade, é fácil apreciar os sistemas de comboios subterrâneos entre cidades e países, ao reconhecer verosimilhanças e diferenças em relação ao sistema que é mais familiar a cada um.

Estes sistemas de transporte não passam indiferentes aos seus utilizadores; de facto, o metro, nomeadamente o Metropolitano de Lisboa, acelera a deslocação de milhares de pessoas dentro da cidade de modo singular; num momento o utente entra no transporte no Rossio e em dez minutos chega ao Campo Grande. O ML constitui igualmente um transporte regular: salvo problemas inesperados (falha técnica, suicídio na linha, cheias), a frequência dos comboios varia entre 3 a 5 minutos durante o dia. A flexibilidade do transporte torna-se maior pela construção de novas estações: a ligação das linhas Amarela, Vermelha e Azul via S. Sebastião está a ser concluída, e o prolongamento do ML até à Reboleira já foi oficializado, e deverá estar concluído em poucos anos.

A sistematização da cidade através do esquema da rede metropolitana surte efeitos no próprio conhecimento que se detém acerca da cidade em si, e afecta tanto a organização da cidade a posteriori como os serviços a ela inerentes, através de um fenómeno crescente de descentralização, incluindo das actividades terciárias88. A Alta de Lisboa, um conjunto de empreendimentos na zona do Lumiar, foi construída após a inauguração do prolongamento da rede até Odivelas. O desvio dos outros meios de transporte, urbanos e regionais, sucedeu à construção da estação do Senhor Roubado, próxima de uma artéria de entrada da cidade, a Calçada de Carriche. Por outras palavras, o ML prende-se a uma geoestratégia essencial.

Considerar-se-á, por momentos, a zona da Baixa, mais propriamente duas livrarias: a Fnac e a Bertrand do Chiado. Estas duas cadeias de livrarias obtêm rendimentos impressionantes, não só por se encontrarem no coração da cidade mas

88

86

igualmente pela acessibilidade. A elevada afluência aos dois estabelecimentos não prejudica a concorrência, visto que ainda existem livrarias tradicionais nas imediações.

O mesmo se passa em Entrecampos, onde a Bulhosa também consegue assegurar a sua sustentabilidade financeira pela afluência de clientes que recebe. Na generalidade, os imóveis que estejam nas proximidades do Metropolitano são vendidos a preços mais altos, e os estabelecimentos comerciais conseguem assegurar a sua actividade mais facilmente nessa relação de proximidade. Este sucesso comercial encontra-se em total oposição ao projecto fracassado da livraria Byblos, próxima das Amoreiras, que declarou falência após um ano de funcionamento conturbado. A localização da Byblos demonstrou-se uma condicionante, na medida em que se encontrava fora do eixo do ML e, por conseguinte, os clientes que fossem utentes do ML prefeririam as duas livrarias da Baixa.

O Metropolitano consiste num transporte unicamente urbano. Os elevados custos de construção subterrânea têm de ser suportados não só pelo apoio do Estado mas igualmente pelos milhares de utentes que circulam diariamente nestas redes. O Metropolitano não está dependente do trânsito; é um transporte automatizado, cronometrado, e económico. Circula em média a uma velocidade que um autocarro da Carris, por exemplo, não consegue atingir nas condições normais de trânsito. Cada comboio comporta centenas de pessoas e pelo facto de ser cronometrado ao minuto e de comportar tantos passageiros, a possibilidade de um passageiro não conseguir um lugar em pé é mínima, salvo em ocasiões especiais, como na hora antecedente a um jogo de futebol em aproximação ao Campo Grande ou ao Colégio Militar / Luz.

O ML é igualmente um transporte prático e cómodo, no qual o passageiro não tem propriamente de tocar à campainha para solicitar a saída, pois o comboio pára em todas as paragens. E o baixo número destas estações (em comparação a Londres, por exemplo) simplifica o mapa de rede, pelo que é acessível mesmo aos passageiros que não conheçam o Metropolitano. O ML afecta ainda a nomenclatura dos locais na cidade: Entrecampos é o nome de uma estação, não o nome do local em si; a localização é mais propriamente perto do jardim do Campo Grande. Contudo, a nomenclatura das estações torna-se comum para a localização geográfica das pessoas (principalmente as que habitam fora da capital), que identificam mais facilmente a estação de Entrecampos do

87

que o jardim do Campo Grande, embora tais nomes de estações não signifiquem nada para muitos dos utentes89. Tal perspectiva é afiançada por Augé:

“The names of the stops evoke, neither strongly nor adequately enough, the history they celebrate such that, from the intersection of their so-called common referent and the diversity of individual trips, something necessarily is born resembling a collective emotion (…) And if perchance one of these foreigners were inclined to ask us of the origin and meaning of some of the best-known names of the metro (…), we would probably want to slip away” (Augé, 2002: 18, 23).

Ademais, o autor afiança que mais do que através dos estudos geográficos, os meios de transporte podem ser analisados de uma forma funcional ou geométrica. De facto, a dificuldade de reconhecer um mapa à escala nos segmentos da rede é deveras curiosa, o que ressalva a vastidão de estudos que poderão ser efectuados entre o espaço e a forma como é representado mas não altera a concepção do espaço em si, similarmente ao que Carey refere: “the map stands as a representation of an

environment capable of clarifying a problematic situation. It is capable of guiding behavior and simultaneously transforming undifferentiated space into configured — that is, known, apprehended, understood — space”90.

A relevância do ML para a cidade de Lisboa evidencia-se igualmente por números. Segundo dados do INE91, a categoria “eléctrico ou metropolitano” foi o transporte mais utilizado nos movimentos pendulares (N.º) por Local de residência (à data dos Censos 2001) e Principal meio de transporte por 38 079 pessoas. De acordo com os dados fornecidos pelo ML92, a procura do Metro em 2004 traduziu-se em 801,4 utentes por cada um dos 35.6 quilómetros de linha no mesmo ano, com um coeficiente de ocupação de 21.09%. Estes dados remetem para um papel orgânico do ML no conceito actual da cidade de Lisboa.

Ao se considerar esta relevância em conjunto com o processo de adaptação do utente deste meio de transporte, considerar-se-á igualmente as consequências

89

Como refere Nuno Teotónio Pereira (in AAVV, 2001, 40-41), a política de nomenclatura do ML acompanha as tendências contemporâneas à modificação da toponímia. A opção historicista de incluir nomes duplos foi substituída pela intenção de recuperar a toponímia tradicional.

90

Carey, 1988: 27.

91 “Meio de transporte mais utilizado nos movimentos pendulares (N.º) por Local de residência (à data dos Censos 2001) e Principal meio de transporte”, quadro extraído de www.ine.pt a 18/017/21009. 92

88

comportamentais dos indivíduos face ao contacto interpessoal e intercultural, sob uma submissão a ritmos mecânicos num espaço subterrâneo, espaço este acessível e frequentado por milhares de anónimos, de todas as classes sociais, desde o executivo ao mendigo; ainda que o automatismo estabeleça a mecanização dos movimentos, o inesperado é característica igualmente atribuída: um exemplo real mas caricato foi protagonizado por um pequeno lémure em Novembro de 2005, que fugiu do Jardim Zoológico e por mais de uma hora vagueou pelos túneis escuros do Metro.