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Capítulo 01 Fundamentação teórica

1.1. Espaço, técnica e meio técnico-científico-informacional

Entender a gestão do território é algo necessário para a compreensão das discussões sobre a modernização da agricultura (SILVA e CIDADE, 2007). Entretanto, para o entendimento do conceito de gestão, faz-se necessário, primeiramente, uma análise dos conceitos geográficos de espaço e técnica que o circunscrevem. O geógrafo Milton Santos é quem melhor os discutiu.

Para o geógrafo, espaço é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Espaço é, assim, um conjunto de “fixos e fluxos” que interagem e resultado da relação entre a materialidade das coisas e a vida que as anima e transforma. Essa relação, produz, com isso, a “configuração territorial” (SANTOS, 1986, p. 18).

Santos identifica os fixos como casas, portos, armazéns, fábricas, que emitem fluxos ou recebem fluxos – que são movimentos entre fixos. O autor acrescenta, ainda, que as relações sociais comandam os fluxos que precisam dos fixos para se realizar. Os fixos são modificados pelos fluxos, mas os fluxos também se modificam ao encontro dos fixos. Deve-se ter em conta que os fluxos têm velocidades diferentes (SANTOS, 1994, p. 165).

Santos esclarece afirmando que as coisas que fluem e que são materiais – produtos, mercadorias, mensagens materializadas – e não materiais – idéias, ordens, mensagens não materializadas – não têm a mesma velocidade. O autor ainda reafirma a importância dos fixos, que constituem as bases técnicas - mesmo quando esses fixos são pontos (1994, p. 166 e 221). Com isso, fixos e fluxos são intercorrentes, interdependentes.

A configuração territorial, produto dessa relação, atribui à técnica papel fundamental para sua compreensão. É a técnica que intermedeia a interação homem-natureza. Através dela, cria-se uma natureza humanizada. Não se adiciona técnica a um pretenso meio natural. A técnica produz um espaço que é "um misto, um híbrido, um composto de formas conteúdo" (1994, p. 35).

Milton Santos caracteriza esse espaço, do mundo contemporâneo, como “meio técnico-científico-informacional” (SANTOS, 1996). Para o autor, a base e o substrato da produção, utilização e funcionamento do espaço são: a ciência, a técnica e a informação. É por essa lógica que os espaços são “requalificados” (SANTOS, 1996) e incorporados às novas correntes mundiais. "O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização" (SANTOS, 1996, p. 191).

Ainda segundo o autor, as atividades humanas em fases anteriores ao meio técnico- científico-informacional dependeram da técnica e da ciência e agora independem, em

todos os aspectos da vida social (SANTOS, 1997, p. 123). Nessa nova fase histórica, o espaço geográfico se mundializa e todos os lugares participam, mesmo que de forma indireta, de uma nova ordem econômica mundial chamada globalização, ou mundialização.

Mas, segundo Elias, ao reorganizar formas de produção e organização, a expansão dessa nova fase acabará por criar novas desigualdades, devido as diferentes condições econômicas, sociais, culturais e ambientais especificas de cada lugar, região ou país (ELIAS, 1996, p. 5). Para o autor, os países denominados anteriormente de subdesenvolvidos, como o Brasil, são os que mais produzem espaços desiguais.

As transformações ocorridas no campo brasileiro, a partir da década de 1950, representam muito bem esse quadro. O meio técnico-científico-informacional, assim, provocou mudanças no conteúdo das relações de produção e nas relações sociais no espaço agrário-agrícola do Brasil. Essas mudanças são derivadas principalmente dos acréscimos das ciências e das tecnologias nos meios de produção, ou seja, a difusão do meio técnico-científico-informacional.

Para Santos e Silveira (2001, p. 250), o período técnico-científico-informacional ocorreu, como em todos os demais, de forma seletiva e diferenciada, privilegiando basicamente a região concentrada que já possuía indícios de modernização tanto nos espaços rurais quantos urbanos. As “rugosidades” (SANTOS, 1994), isto é, as heranças, têm um papel importante, porque constituem condições para a implantação de novas variáveis.

Em decorrência das diferenciações regionais herdadas de outros momentos históricos, com a introdução das inovações do período técnico-científico- informacional, as diferenças regionais tendem a se acentuar, pois, ainda que tais inovações estejam presentes em todas as regiões brasileiras, expandem-se de forma contínua na região concentrada e de forma mais dispersa nas demais regiões (SILVA, 2006).

O resultado são os “espaços opacos” (SANTOS e SILVEIRA, 2001), de pouco conteúdo técnico, e os “espaços luminosos” (SANTOS e SILVEIRA, 2001), que são

aqueles que mais acumulam “densidades técnicas e informacionais” (SANTOS, 1994), ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização.

Assim, no caso brasileiro, a “região concentrada” (SANTOS, 1994), que compreende as regiões Sul e Sudeste, a difusão do meio técnico-científico-informacional ocorre de forma mais intensa no processo produtivo. Essas são regiões marcadas pela presença de uma divisão do trabalho mais intensa, e a modernização mais generalizada, com presença de grandes capitais e tecnologias de ponta. Para Santos, a região concentrada coincide com a área contínua de manifestação do meio técnico- científico, cuja lógica corresponde às necessidades do presente estágio de desenvolvimento do País (SANTOS, 1994, p. 40).

Segundo o autor as “complementaridades regionais” (Santos, 1994), ocorreram por meio de estreitamento das relações entre áreas que não possuíam nenhum tipo de ligação. Juntamente com a expansão do meio técnico-científico-informacional no meio urbano, ocorre no Brasil o processo de modernização da agricultura, propiciado pela inserção de novas tecnologias. Esse processo fez com que a produção agrícola ganhasse novas funcionalidades e, por conseguinte, promoveu remodelações no espaço agrário.

A partir da inserção do meio técnico-científico-informacional no processo produtivo agrícola, o espaço agrário tornou-se objeto de novos elementos, os quais modificaram a sua configuração socioespacial. Entre os elementos mais contundentes desse processo destaca-se a “especialização da produção” (SILVA, 2005). As propriedades deixaram de produzir uma série de culturas para se especializar em poucas ou em uma única cultura. Nesse processo, as culturas que mais se expressaram foram destinadas às exportações e as destinadas aos complexos agroindústrias.

Assim, as propriedades inseridas nesse processo deixaram os meios tradicionais de produção e passaram a difundir as inovações tecnológicas de produção, baseadas na dinâmica capitalista. As fazendas inseridas na dinâmica capitalista de produção passaram a se constituir como empresas de produção, em que estão presentes as mais modernas técnicas de produção agrícola, capazes de proporcionar maior rentabilidade.

Sobre essas transformações, Graziano da Silva (1982, p. 62) argumenta que antes as fazendas produziam quase tudo o que era necessário à atividade produtiva: os adubos, os animais e até mesmo alguns instrumentos de trabalho, bem como a própria alimentação dos seus trabalhadores. Agora os adubos são produzidos pela indústria de adubos; parte dos animais de trabalho foi substituída pelas máquinas e equipamentos agrícola; e os alimentos dos trabalhadores são comprados nas cidades.

Isso significa que a própria agricultura se especializou, cedendo atividades para novos ramos não agrícolas que foram sendo criados. Em outras palavras, a própria agricultura se industrializou, seja como compradora de produtos industriais (principalmente insumos e meios de produção), seja como produtora de matérias- primas para as atividades industriais. Nesse contexto, o entendimento das “totalidades”, de Milton Santos (redes, território e lugar) também se torna importante para o entendimento da gestão do território e da modernização da agricultura.