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Capítulo 01 Fundamentação teórica

1.4. Gestão do território, atores sociais e práticas socioespaciais

O conceito de gestão do território, segundo Becker, emergiu do reconhecimento das limitações do planejamento centralizado e técnico enquanto instrumento de ordenamento do território. Ultrapassando um viés meramente administrativo e diante de progressivas articulações entre o público e o privado, a gestão do território corresponde à prática das relações de poder necessária para dirigir, no tempo e no espaço, a coerência das múltiplas finalidades, decisões e ações (BECKER, 1991, p. 169).

A gestão territorial, assim, é parte integrante do processo de planejamento e considerada como exercício de poder no espaço. Ela reflete as condicionantes da reprodução do sistema hegemônico e lida necessariamente com os conflitos resultantes de práticas socioespaciais que contrariam o planejamento na escala local. Estes conflitos envolvem interesses de vários grupos sociais, em um processo no qual o Estado, representando a correlação de forças na sociedade, tende a favorecer, nas políticas públicas, os interesses da acumulação capitalista (CIDADE, 2002).

Embora a expressão “gestão do território” possa, com propriedade, ser aplicada à análise de acontecimentos como os ocorridos no Brasil, no período iniciado na década de 1930, quando a centralização política da gestão do território foi coincidente com a centralização espacial da estrutura produtiva, então já em orientação clara para a atividade industrial (COSTA, 1988), essa acepção de gestão do território nacional no âmbito da implementação de políticas territoriais de Estado foi se circunscrevendo cada vez mais.

Hoje, a gestão do território profundamente identificada com experiências descentralizadas de exercício do poder no território, expressando nova forma de governo em parceria, no âmbito das igualmente novas formas de relações das esferas público-privada (BECKER, 1996).

O Estado, historicamente, de forma múltipla, é o regulador de relações institucionais, o que lhe assegura o domínio na gestão do território. Mesmo existindo outros atores (Igreja, associações, sindicatos e outros), o Estado mantém o domínio na gestão do território. Segundo Becker (1983), o território emerge então como uma noção fundamental: expressão concreta das unidades políticas no espaço e define a existência física da entidade jurídica, administrativa e política que é o Estado (BECKER, 1983, p. 01).

O Estado é concebido, segundo Gramsci (2003), como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo. Assim, compreende-se o Estado como uma ordenação, através de um poder soberano institucionalizado, que tem por fim a regulamentação das relações sociais entre os membros de uma dada população sobre um dado território, sendo que a Constituição é o conjunto de normas que organizam estes elementos constitutivos do Estado: povo, território, poder e fins (SILVA, 1995, p. 100).

As ações do Estado de gestão do território são condicionadas pelos contextos sociais, econômicos em diferentes escalas geográficas e períodos históricos. Da mesma forma, tais ações são condicionadas às práticas socioespaciais de indivíduos e grupos da Sociedade Civil.

Harvey (1992, p. 201) mostra que na compreensão das práticas socioespaciais pode- se considerar aspectos aparentemente dissociados como as “práticas materiais”, ligadas à acumulação e reprodução do sistema; as “representações do espaço”, relacionadas à comunicação, compreensão e percepção e os “espaços de representação”, que se referem à imaginação e aos significados.

As manifestações socioespaciais no território brasileiro a partir das últimas décadas do século XX, transfiguraram num universo das configurações socioespaciais regidas

sobre a égide do capital globalizado. Entretanto, cada território encerra uma diversidade de atores e de interesses, além de outras características, que o distingue dos demais. Essa heterogeneidade leva à necessidade de formulação de políticas com objetivos múltiplos e que atendam às demandas dos diversos atores sociais, pois somente desta forma será possível à formação de alianças e parcerias que criem e fortaleçam as institucionalidades locais, concretizando desta forma o capital social em benefício de todos.

O maior desafio a esse objetivo é o estabelecimento de mecanismos institucionais que promovam sistemas participativos abertos, capazes de formular soluções desde a base social. Esta tem sido uma prática recente na gestão de políticas públicas, e análises sobre os papéis desenvolvidos pelos conselhos municipais têm mostrado que eles estão sujeitos a inúmeras aporias no cumprimento de seus propósitos. O principal deles seria institucionalizar o controle social sobre as políticas públicas e formular políticas que atendam às demandas sociais no âmbito geográfico.

A articulação dessas políticas, desde a base e a ampliação dos espaços de gestão e participação social, poderá resultar em alguns efeitos práticos bastante relevantes no nível dos territórios. O principal desses efeitos seria, primeiramente, uma ampliação da percepção de interesses comuns para além dos municípios, alargando o universo de representação para um nível territorial.

O segundo resultado prático diz respeito ao capital humano, pois a ampliação desse universo de representação contribuiria no sentido de revelar mediadores sociais ainda mais comprometidos, representativos e qualificados. O terceiro efeito se refere ao fortalecimento do capital social, que alcançaria níveis mais elevados de articulações horizontais e verticais, ampliando as possibilidades de entendimentos entre grupos sociais distintos, formando institucionalidades com maior capacidade para participar da formulação e controle social das políticas públicas.

O entendimento do conceito de gestão do território, do papel dos atores envolvidos nessa gestão e as práticas socioespaciais desses atores, permitem a compreensão do processo de modernização e os seus efeitos sobre a agricultura.