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De Malaca a Singapura passando por Tugu: retratos de quem tem o mar por berço / Maria de Jesus Sequeira Espada. - Lisboa : [s.n.], 2012.

orientadores: Ana Paula Menino Avelar e Brian Juan O’Neill.

http://hdl.handle.net/10400.2/2502

Tese de Doutoramento em História na especialidade de História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa

História de Portugal / Descobrimentos portugueses / Colonização / Identidade cultural / Lusodescendentes / Aculturação / Oriente / Ásia

Resumo: Esta Tese de Doutoramento estrutura-se a partir da análise dos olhares portugueses sobre as comunidades lusodescendentes da Ásia do Sudeste, que nos permite vislumbrar as sucessivas correntes dominantes no modo de vivenciar um espaço e uma comunidade e adivinhar pormenores dos contextos políticos e culturais em que as obras são produzidas. O trabalho parte da origem das comunidades de lusodescendentes no Sudeste Asiático concentrando- se, em particular, em três comunidades sobreviventes em Malaca, Tugu e em Singapura, as quais, do ponto de vista étnico e linguístico, têm o mar por berço. Tratando-se de uma análise do olhar português, é dada primazia aos estudos portugueses, e aos seus enquadramentos filosóficos, políticos e culturais, a par de um traçado geral das escolas do conhecimento e das construções do saber, mas aqui e além referindo outros autores, que auxiliam o entendimento de uma ou outra situação e que são bastas vezes referidos nas obras portuguesas relativas ao tema da cultura crioula. Partindo da ideia de Cultura dos Descobrimentos, é tida em consideração a criação de um corpo discursivo de conhecimento sobre o Oriente, que nasce do volume de informação nova provinda de outras terras com as viagens dos portugueses, mas que não fenece quando elas terminam. Na análise das ideias perspetivadas em obras de autores portugueses que abordaram

Malaca, Tugu e Singapura e as comunidades de lusodescendentes, propomo-nos articular as suas concepções com o desenvolvimento dos estudos orientais portugueses e a contextualização política, cultural e intelectual do momento em que as obras foram escritas. Assim, a conjuntura epocal é definida sempre que o fragmento discursivo em análise o invoca, para seu melhor entendimento, e, também assim, se passa os olhos pelo raiar da ideia de Oriente, pelos impérios coloniais e a sua missão civilizadora, pelos nacionalismos e, finalmente, pelo desenvolvimento dos estudos culturais. Em todos e cada um destes passos, tentar-se-á traçar a situação dos estudos orientais em Portugal, acompanhando-a pelo desenvolvimento paralelo das escolas francesa e inglesa. Estas serão, em termos gerais, as perspetivas de análise do olhar português sobre Singapura, limitadas a um conjunto específico de vetores assaz referidos na identificação de uma identidade colectiva: a etnia, a língua e a religião. Já para uma análise do desenrolar da vida das comunidades, assim como para uma melhor visão dos traços da sua identidade actual e da presença de um Portugal no olhar, recorremos a dois tipos de instrumentos: ao estudo dos textos de autores autóctones, por um lado, e à realização de entrevistas in loco, por outro, e a análise dos questionários. Esta análise, permitir-nos-á proceder à apreciação dos traços identitários destas comunidades de lusodescendentes, assim como do papel desempenhado pelos factores etnia, religião e língua na subsistência de uma identidade social e cultural autónoma no contexto pluricultural dos dois países. Procuraremos, enfim, proceder a uma abordagem diferente do tema da mestiçagem e da lusodescendência, almejando compreender imagens e estereótipos construídos, ao longo dos anos, sobre estas comunidades e executando, ainda, e como corolário do nosso trabalho, a nossa própria abordagem do espaço. Para bem atingir estes objectivos, do ponto de vista da metodologia, efetuámos um cruzamento entre a História e a Antropologia, enquanto utensilagens analíticas, já que entendemos que o tema deve ser assim abordado, tendo em conta o objeto de estudo e a respetiva análise de duas comunidades, do ponto de vista histórico, mas também das suas expressões étnicas, sociais e culturais, e a seleção de descritores, os quais referiremos adiante. Por outro lado, para entrevermos a situação atual do padrão sociocultural formado pelas novas formas de ser e de pensar originadas no sincretismo ocorrido nos anos idos de Quinhentos, assim como as teias relacionais construídas entre as comunidades de Malaca, Tugu e de Singapura, tendo em conta que existem inúmeros modos para olhar uma mesma realidade (as esquinas do olhar) clarificámos quais os prismas usuais destes estudos e as nossas opções. Estes serão os descritores escolhidos, que entendemos serem termos com conteúdos significantes fundamentais

para o nosso estudo, conceitos estes que direcionam o nosso olhar na investigação da situação atual da comunidade e que sustentarão as nossas leituras e a descrição da observação que fizermos sobre o fenómeno que nos propusemos estudar: os atuais traços identitários de duas comunidades lusodescendentes do Sudeste Asiático. Um dos elementos importantes é a noção de comunidade (definida de forma crítica), a qual passa pela existência de referentes sociais e culturais. Debruçamo-nos, igualmente, sobre a designação da própria comunidade e dos seus membros. Neste campo, concentramo-nos, primeiramente, no que entendemos por lusodescendente, que é um conceito a que se recorre para a descrição dos desígnios da comunidade de Malaca, sendo que consideramos que a lusodescendência se verifica não em termos biológicos ou políticos mas de uma História e um passado. No entanto, ao contrário do sucedido em Malaca e Tugu, na análise da situação atual da comunidade de Singapura, é visível que este conceito não se aplica. Nem os membros desta comunidade se designam deste modo, nem são assim apelidados pelos que os rodeiam. Por este motivo, socorremo-nos do conceito de eurasiano, porque é esse o nome utilizado pela própria comunidade, para além de ser o epíteto pelo qual o governo singaporeano reconhece a comunidade e os seus membros. Para além do elemento nome e do seu conteúdo significante, outros dos descritores que utilizamos para a nossa análise são a família, enquanto agregado familiar, e este último como núcleo constituído pelos comensais, a que corresponde o conceito de família como unidade social constituída pelos co-residentes. Por último, e ainda a respeito das relações entre os membros da comunidade, fomos um pouco mais longe porque consideramos que a sobrevivência da comunidade não passa apenas pelas relações familiares, que lhe dão coesão, mas também pelas teias tecidas pelas relações entre as várias famílias – de amizade ou parentesco. Por este motivo, tivemos em conta um outro descritor relevante: trata-se da noção de “solidariedades primárias” que consideramos ser um pouco mais amplo que o de teias familiares pois abrange as relações do quotidiano, do trabalho, dos rituais, religiosos ou não, das celebrações, etc.