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3 A MATEMÁTICA E A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

3.1 EPISTEMOLOGIA DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO E A TEORIA

3.1.1 Especificidades da Atividade Cognitiva Exigida na Aprendizagem da

diferença significativa na atividade cognitiva que ela exige se comparado a outros conteúdos matemáticos. As figuras formam um registro de representação semiótico específico, para o qual se faz necessário desenvolver um tipo de pensamento que possibilite a visualização requerida pela geometria e que leve à tomada de consciência das maneiras de transformar uma figura qualquer em outra, “[...] com a finalidade de

aparecer uma solução ou de produzir um contraexemplo ou ainda de modelar uma situação” (DUVAL, 2011, p. 85). Nas atividades geométricas, exige-se ainda que os tratamentos figurais e os discursivos ocorram simultaneamente e de maneira interativa para se chegar a um resultado. Isso porque as figuras costumam levar a uma interpretação perceptiva quase imediata dos objetos matemáticos. Todavia, sem um registro discursivo, não é possível assegurar que haja convergência entre a figura e a interpretação matemática pertinente.

Como exemplo, pode-se observar a Figura 5, que visualmente parece ser um quadrado, quando na verdade trata-se de um retângulo qualquer, pois as medidas dos lados não são todas iguais. Há uma diferença de 2 mm que dificilmente são perceptíveis visualmente.

Figura 5 – Exemplo de primazia da apreensão perceptiva

Fonte: A autora.

O registro figural desempenha importante papel na percepção dos elementos geométricos pelo caráter intuitivo que as figuras propiciam, mas, por esse mesmo aspecto, pode haver a compreensão equivocada dos elementos matemáticos, se não houver articulação com um registro discursivo. Essa característica faz com que seja necessário compreender as operações específicas que cada um destes dois tipos de registros requer (figural e discursivo) e a forma como ocorre a articulação entre eles, pois até mesmo o emprego da língua natural na matemática ocorre de uma forma especializada, que precisa ser compreendida. No caso do registro figural em geometria, é preciso considerar a importância dos diferentes tratamentos que podem ser realizados nesses registros, que, segundo Duval (2004, p. 157, tradução nossa), deverá levar em consideração “[...] uma análise semiótica relativa a determinação das unidades de base constitutivas deste registro, as possibilidades de sua articulação em figuras e a modificação das figuras obtidas”. São esses tratamentos que possibilitam que as figuras cumpram sua função heurística, por isso a importância de se descrever esses tratamentos.

Podemos definir uma figura, segundo Duval (2004, 2012a), como um objeto que se destaca em um campo perceptivo não homogêneo, a partir de uma organização de elementos. A constituição de uma figura ainda é suscetível a algumas variações visuais, que podem ser agrupadas em dois grandes grupos: a) variações ligadas ao número de dimensões, sendo 0 para o ponto, 1 para uma linha e 2 para uma área; b) variações qualitativas, em que podem ocorrer variações de forma, de tamanho, de orientação, de cor, etc. Assim, os elementos constitutivos de uma figura podem ser definidos a partir dessa distinção e da consideração de que “[...] toda figura aparece como a combinação de valores para cada uma das variações visuais destes dois tipos, dimensional e qualitativo” (DUVAL, 2004, p. 157). A classificação organizada pelo autor para representação das unidades figurais elementares pode ser observada na Figura 6.

Figura 6 – Classificação das unidades figurais elementares

Fonte: DUVAL (2004, p. 159, tradução nossa).

Observa-se na Figura 6 que os elementos que constituem uma figura podem ser classificados a partir de sua dimensão, que pode se dar por pontos (D0), que se caracterizam pelo aspecto discreto; por traços (D1), que se caracterizam pelo aspecto contínuo; ou por zonas (D2), que se caracterizam por sua forma ou contorno, que podem ser formadas por um traço fechado ou uma sequência de pontos suficientes para destacar uma zona de um campo homogêneo (DUVAL, 2004). Há ainda as unidades figurais tridimensionais (3D), que se constituem por objetos como os cubos, as pirâmides, as esferas etc.

No caso da passagem de uma dimensão à outra, ocorre um salto cognitivo que não pode ser desconsiderado. Duval (2011, p. 87) evidencia que, no registro figural, “[...] é sempre a unidade figural da dimensão superior que se impõe imediatamente à percepção, e que bloqueia o reconhecimento de todas as unidades figurais de dimensão inferior”. Não obstante, ao se definir no registro discursivo o objeto matemático representado pela figura, fazemos uso das unidades figurais de dimensão inferior. Para o quadrado, por exemplo, dizemos que é um quadrilátero (2D) que possui todos os lados iguais (1D) e todos os ângulos internos com 90 graus (2D). O reconhecimento dessas unidades figurais elementares requer o desenvolvimento de uma forma de ver em geometria que leve à operação de desconstrução dimensional, possibilitando a visualização das formas que não se apresentam à primeira vista, sem que seja preciso alterar a representação da figura, necessariamente. Por questões como essas que “[...] a desconstrução dimensional é onipresente em toda definição, em todo raciocínio como em toda explicação em relação às figuras em geometria” (DUVAL, 2011, p. 90).

A consideração das operações cognitivas que se apoiam na percepção e na desconstrução dimensional é que leva estudantes e professores a tomarem consciência de que as figuras podem ser reconhecidas como um sistema semiótico de visualização cognitivamente produtora, conforme Duval (2011) procura deixar evidente. Entretanto, é importante lembrar da necessidade de articulação entre o registro figural e discursivo, pois “[...] a figura é identificada pelas propriedades que não vemos, porque nenhum desenho as mostra em sua generalidade. Essas propriedades só podem ser aprendidas por conceitos, isto é, os termos definidos nos enunciados” (DUVAL, 2011, p. 91).

Assim, o registro de representação semiótico específico da geometria é explicado por Duval a partir de operações puramente figurais que, segundo ele, são independentes ou ocorrem até mesmo antes da utilização de propriedades matemáticas. Duval (2012a) afirma que a resolução de problemas em geometria depende da conscientização e da diferenciação entre as apreensões exigidas pela forma de desenvolvimento do raciocínio envolvido. Essas apreensões também se devem à heurística dos problemas de geometria que se referem aos registros de representações espaciais e permitem interpretações autônomas. Essas interpretações podem ser identificadas como apreensões: operatória, perceptiva,

A apreensão operatória de figuras, segundo Duval (2012a), é uma apreensão centrada nas modificações possíveis de uma figura e nas reorganizações possíveis que podem ser feitas a partir dessas modificações. De acordo com o autor, toda figura pode ser modificada de muitas formas, e essas modificações podem ser realizadas gráfica ou mentalmente. Ele afirma que a apreensão operatória se refere às possíveis modificações que uma figura pode permitir e às reorganizações perceptivas que essas mudanças possibilitam. Há diferentes formas de realizar essas modificações: a)

mereológica: quando há uma divisão da figura em partes que se constituem em várias

subfiguras ou quando ela é incluída em outra figura, para que se torne uma subfigura; b) ótica: quando se aumenta, diminui ou deforma uma figura em outra, chamada sua imagem e; c) posicional: que se desloca ou rotaciona uma imagem em relação às referências do campo onde ela se destaca.

Dentre essas modificações relacionadas à apreensão operatória, Duval (2012a) atribui interesse particular à modificação mereológica, que possibilita uma operação denominada de reconfiguração intermediária. Essa operação é importante, segundo o autor, pois

[...] as partes elementares obtidas por fracionamento, podem ser

reagrupadas em várias subfiguras, todas pertencentes à figura inicial.

Esta operação permite engajar, de imediato, tratamentos, tais como, a medida de área através da soma das partes elementares ou do reconhecimento da equivalência de dois reagrupamentos intermediários. (DUVAL, 2012a, p. 128, grifo do autor).

Essa reconfiguração intermediária também pode ocorrer de diferentes formas, e diversos fatores podem interferir na definição sobre qual a maneira mais pertinente para o problema em questão. O conhecimento desses fatores é importante para que não haja confusão na análise cognitiva de um problema entre a produtividade heurística da figura e a visibilidade das operações ligadas à tal produtividade. “A produtividade heurística depende da congruência entre uma operação e um tratamento matemático possível. Em compensação, a visibilidade da figura é intrínseca aos tratamentos matemáticos [...]” (DUVAL, 2012a, p. 132). No decorrer do texto, serão apresentadas mais algumas considerações sobre as formas de visualização da figura.

A apreensão sequencial, segundo Duval (2012b), ocorre em atividades que se solicita a construção geométrica ou em atividades de descrição, com o objetivo de reprodução de uma figura. A construção de figuras é de fundamental importância na

formação de um objeto ou situação matemática no registro figurativo, pois requer elementos conceituais. Duval (2012b, p. 287, grifos do autor) destaca que “[...] as atividades de construção ensinam a ver, isto é, permitem descobrir, mobilizar e controlar a produtividade heurística das figuras”.

A apreensão discursiva, diferentemente de uma descrição, tem relação com o que se deve considerar a respeito da figura geométrica e trata-se de uma atividade cognitiva que permite que se considere que “[...] as propriedades pertinentes e as únicas aceitáveis dependem cada vez do que é dito no enunciado como hipótese” (DUVAL, 2012a, p. 133). A apreensão perceptiva depende da apreensão discursiva, pois “[...] uma figura geométrica não mostra a primeira vista a partir de seu traçado e de suas formas, mas a partir do que é dito” (DUVAL, 2012a, p. 133).

Estabelecendo uma relação entre a apreensão perceptiva e uma interpretação discursiva, Duval (2012a, p. 120) afirma que geralmente há uma contradição entre elas, pois uma figura desenhada no contexto de uma atividade matemática, independentemente de qual seja, remete a duas atitudes: “uma imediata e automática, a apreensão perceptiva de formas; e outra controlada, que torna possível a aprendizagem, a interpretação discursiva dos elementos figurais”. O conflito deve-se ao fato de a figura “[...] mostrar objetos que se destacam independentemente do enunciado, assim como os objetos nomeados no enunciado das hipóteses não são necessariamente aqueles que aparecem espontaneamente” (DUVAL, 2012a, p. 120). Para exemplificar a relação entre a apreensão perceptiva e a discursiva, destacamos um problema que Duval (2012a) apresenta em que há congruência semântica entre a figura e o enunciado. Trata-se, porém, de uma congruência que privilegia a apreensão discursiva. A figura e seu enunciado podem ser observados na Figura 7.

Figura 7 – Exemplo de relação entre apreensão perceptiva e discursiva

Fonte: Duval (2012a, p. 124).

De acordo com Duval (2012a, p.124), “[...] a resolução deste problema depende essencialmente das concepções que se tem dos objetos à demonstrar e da análise

feita da figura” e “[...] os retângulos podem ser considerados como elementos de uma pavimentação, como interseção de duas bandas, como um conjunto de quatro pontos ou como um conjunto de segmentos”. Isso significa que a solução para esse tipo de problema implica em uma apreensão perceptiva, a qual leva a identificar um grande retângulo dividido em retângulos menores.

Com isso, o autor buscou evidenciar a estrutura perceptiva autônoma da figura, que faz com que os objetos que aparecem possam ser diferentes dos tipos de objetos que a situação exige ver. Ele também ressalta que é justamente nessa apreensão perceptiva que a grande maioria dos alunos se apega, quando apenas lê o enunciado, constrói a figura na qual se concentra para solucionar o problema e não retorna ao enunciado. Nesse caso, Duval (2012a) alerta que há uma ausência da atitude de interpretação discursiva da figura e, por isso, esses alunos só tem sucesso em problemas cujos enunciados sejam semanticamente congruente às figuras. A congruência semântica e a apreensão perceptiva da figura não são, porém, suficientes para busca de solução de um problema, por isso se faz necessária a apreensão operatória.

Ao referir-se às diferentes apreensões que os problemas em geometria exigem, Moretti (2013) ressalta que, por vezes, se exige a articulação entre dois ou mais tipos de apreensões para sua resolução, dependendo do tipo de problema. Nas articulações mais evidentes apontadas por Duval (1997)16, Moretti (2013) evidencia o

destaque da apreensão perceptiva na aprendizagem da geometria. Segundo o autor, as demais apreensões subordinam-se a ela, em maior ou menor grau, dependendo do tipo de problema.

Partindo da importância da apreensão perceptiva, Duval (2005), de acordo com Moretti (2013), caracterizou diversas maneiras de olhar, que podem ser sintetizadas conforme a Figura 8.

16 La notion de registre de représentation sémiotique et l’analyse du fonctionnement cognitif de la

Figura 8 – Quatro maneiras de olhar uma figura geométrica

Fonte: Moretti (2013, p. 293).

O caminho para a orientação do olhar, segundo Moretti (2013), vai do olhar do botanista ao olhar do inventor. O olhar que possibilita o reconhecimento do contorno das formas e a diferenciação de triângulos, quadriláteros, círculos, etc. é o olhar

botanista e pode ser considerado como um olhar qualitativo. Já o olhar agrimensor

possibilita a realização de medidas no terreno e a transferência dessas medidas para o plano do papel. Moretti (2013) ressalta que as atividades que exigem o olhar agrimensor são aquelas que passam de uma escala de grandeza à outra e, “[...] neste tipo de atividade, as propriedades geométricas são as mobilizadas para fins de medida”, como, por exemplo, o procedimento utilizado por Eratóstenes para medir o raio da terra (DUVAL, 2005 apud MORETTI, 2013, p. 294).

Quando é necessário o uso de instrumentos de desenho geométrico, como régua não graduada e compasso, ou mesmo alguns programas computacionais como o GeoGebra e o Cabri géomètre, estamos diante da necessidade de um olhar do

construtor. Quando isso ocorre, “[...] verdadeiramente o aluno pode tomar consciência

que uma propriedade geométrica não é apenas uma característica perceptiva” (DUVAL, 2005 apud MORETTI, 2013). O olhar inventor caracteriza-se pela operação sobre a figura dada, adicionando traços ou modificando de alguma outra forma para encontrar uma resolução para o problema apresentado. De acordo com Moretti (2013, p. 294), “[...] esses olhares caminham de um lado a outro lado conforme as apreensões em geometria são exigidas”. Destaca-se que, no olhar do botanista, exige- se essencialmente a apreensão perceptiva, enquanto todas as apreensões são requeridas nas atividades do olhar do inventor.

Um exemplo de análise sobre os olhares, as apreensões, a desconstrução dimensional e outros aspectos cognitivos em uma atividade pode ser observado na Figura 9.

Figura 9 – Análise dos aspectos cognitivos em uma atividade

Fonte: Scheifer (2017, p. 87)

Nessa atividade, a autora realizou a classificação apresentada na coluna da direita, considerando os seguintes critérios:

Este foi considerado um problema de apreensão mereológica, pois o aluno pode repartir o campo em unidades figurais para fins de comparação entre as áreas.

A desconstrução dimensional se dá partindo da percepção inicial de um retângulo (2D), subdivido em pequenas áreas. Prolongando os lados dessas pequenas áreas (1D) é possível preencher todo o restante do campo, a fim de verificar a quantidade de cerâmicas que faltam (2D).

Da forma como está colocada, esta questão pode ser resolvida guiada, basicamente, por meio de uma apreensão perceptiva. Uma adaptação no enunciado tornaria esta questão bastante interessante para o desenvolvimento de um olhar de construtor mais apurado: solicitar o desenho do piso com todas as cerâmicas necessárias para cobri-lo. Deste modo, a questão exigiria uma apreensão sequencial, pois para isto o aluno precisaria utilizar régua graduada, seguindo certos passos, como medir, marcar e traçar a reta. Deixaria de ser um problema guiado pela percepção, e passaria a ser guiado por certas propriedades inerentes à figura. (SCHEIFER, 2017, p. 87).

Esse tipo de análise pode contribuir para que o professor possa avaliar a pertinência das questões a serem propostas para os estudantes, diante das atividades cognitivas que elas possibilitam. Outras análises cognitivas de atividades de geometria podem ser encontradas na dissertação de Scheifer (2017), que realizou análises de questões de geometria presentes nas avaliações da Prova Brasil, como também na dissertação de Novak (2018), sobre atividades de geometria no ambiente dinâmico GeoGebra. Em uma perspectiva um pouco diferente, mas com fundamentação na teoria dos Registros de Representação Semiótica, a dissertação de Kluppel (2012) também é dedicada à análise cognitiva de atividades de geometria presentes em livros didáticos.

Duval (2011) também reconhece a necessidade de articulação da geometria com as situações reais. O objetivo dessa forma de encaminhamento não é apenas

motivar o aluno, mas tornar os conhecimentos geométricos acessíveis a eles. No entanto, o autor alerta para o problema cognitivo que se manifesta nesse processo. A condição semiótica requerida é que “[...] a imagem esquematizada e a figura geométrica devem ser congruentes de maneira que as duas representações possam ser superpostas e pareçam ser a mesma” (DUVAL, 2011, p. 95). A imagem esquematizada apresenta um esquema da situação real e possibilita uma “transferência analógica” entre a realidade física e a representação. Entretanto, essa imagem ainda não é o registro geométrico, é uma representação intermediária. Duval (2011) refere-se a ela como “modelagem geométrica de uma situação concreta”, que se caracteriza como uma representação mista formada por duas representações semióticas: a imagem esquematizada e uma figura com unidades figurais que podem ser colocadas em correspondência com a anterior.

As atividades relativas à produção de imagens esquematizadas e sua articulação com a figura de um teorema são tão fundamentais quanto aquelas que dizem respeito aos cálculos que é preciso realizar para aplicar um teorema. Sua escolha é um desenvolvimento de imaginação e uma descoberta da maneira de ver que permite saber como aplicar os conhecimentos de geometria. (DUVAL, 2011, p. 96).

Assim, no processo de ensino, mesmo nos casos em que se trata de uma modelagem geométrica de uma situação concreta, é preciso levar em consideração a diferença entre os processos cognitivos requeridos em cada representação semiótica: na mista e no registro geométrico. Não é apenas a justaposição entre elas que levará à compreensão, em cada uma delas será preciso que o estudante tome consciência do que está sendo representado, para então conseguir realizar a articulação, buscando as unidades de sentido que sejam significativas em cada um dos registros e realizando as possíveis transformações de representação.

Para sintetizar os elementos teóricos relacionados à geometria abordados até o momento, podemos retomar os aspectos em que Duval (2011, p. 84) ressalta sobre o trabalho com a geometria, a partir de três características sobre as figuras: a) elas têm um valor intuitivo, pois “se vê sobre a figura”, não exigindo uma explicação complementar; b) permitem um reconhecimento quase imediato dos objetos que elas representam; c) elas são construídas instrumentalmente, seja com régua, compasso ou com um software. A utilização das figuras em geometria depende, conforme o autor, principalmente das duas primeiras características e elas também são responsáveis por permitir a resolução de problemas reais. Contudo, Duval (2011)

alerta que tem sido priorizado no ensino a terceira característica, com o objetivo de deixar evidente as propriedades geométricas na organização das figuras, mas sem considerar a importância da visualização. Isso se deve ao fato de não haver nenhum conceito particular que deixe explícita a necessidade de se abordar as operações figurais no processo de ensino, apesar da sua importância na constituição dos saberes geométricos, como vimos. Dessa forma, é o ensino que terá de adaptar-se às necessidades de desenvolvimento cognitivo se o objetivo é que os estudantes aprendam a geometria e possam recuperar os conceitos aprendidos em outros momentos.

De acordo com Moretti (2013), o “aprender a ver” tem se tornado cada vez mais importante tanto para compreender geometria como para caracterizar o pensamento geométrico. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o autor destaca que se faz necessário entender “[...] como fazer a passagem desse olhar que reconhece e diferencia formas, para a identificação dessas formas” (MORETTI, 2013, p. 290). A busca desse entendimento pode ser feita levando em consideração os elementos que Duval (2004, 2011, 2012a, 2012b) ressalta como necessários para o trabalho com o sistema semiótico figural, no qual se deve atribuir atenção especial às operações cognitivas que se apoiam na percepção visual e na desconstrução dimensional. Elas possibilitam reconhecer as diversas unidades figurais que constituem as formas em dimensões superiores, como também realizar transformações que possibilitem resolver problemas variados, desde que seja realizada uma prática pedagógica que leve a esse encaminhamento.

Dessa forma, as considerações da teoria dos Registros de Representação Semiótica fazem-se importante nesta tese, por evidenciar o papel atribuído ao papel das figuras e das formas de visualização para o desenvolvimento do pensamento geométrico, como também por ressaltar a necessidade de articulação entre diferentes tipos de registros para que ocorra a aprendizagem da geometria. É uma teoria que considera os conhecimentos matemáticos a serem aprendidos pelos estudantes, as possíveis formas de encaminhamento do ensino e as possibilidades de avaliação da aprendizagem, que podem ocorrer por meio dos registros de representação, o que requer que se torne explícito os conhecimentos.

A escolha da teoria de Raymond Duval (1995, 2004, 2011, 2012a, 2012b, 2013a, 2013b) como referência para as considerações sobre os processos de ensino e de aprendizagem da geometria pelos estudantes deve-se, ainda, pela epistemologia