• Nenhum resultado encontrado

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Microfinanças e Microcrédito

2.2.3 Estágio atual do Microcrédito no Brasil

A participação de ONG´s em iniciativas de microcrédito sempre foi uma prática comum em todo o mundo, o que não foi diferente na experiência brasileira. Elas foram pioneiras, operando através da aplicação de recursos doados, transferência de metodologia e assistência técnica oriundos de organismos internacionais. No entanto, via de regra, essas instituições não têm autorização legal para operar no setor financeiro, assim, tornou-se necessário a criação de orientações legais para eliminar as barreiras operacionais à atividade de microcrédito. Dois instrumentos legais criaram as condições favoráveis: 1) A Lei 9.790, de 23 de março de 1999, que ficou conhecida como a “nova lei do terceiro setor”, inclui o microcrédito como uma das finalidades das OSCIP´s, permitindo acesso a recursos públicos por meio de “Termo de Parceria”. A partir daí, as ONG´s puderam ser qualificadas como OSCIP´s, desde que tivessem como objetivo social exclusivo a concessão de crédito ao microempreendedor; 2) A medida provisória 2.172-32, que exclui as OSCIP´s de vinculação à Lei da Usura, funcionou como um complemento à Lei 9.790, permitindo a prática de taxas de juros de acordo com as suas necessidades e condições de mercado (SANTOS e GOIS, 2011; SOUZA, 2010; MONZONI, 2006).

A partir do ano 2000, são implementadas mudanças no Sistema Financeiro Nacional, introduzindo legislação e regulamentação específicas para o setor de microcrédito, como forma de organizar e favorecer novos entrantes nesse mercado. Para SANTOS e GOIS (2011), neste estágio, as experiências já existentes e a relevância do setor informal justificavam referida regulamentação, visto que a disponibilidade de crédito é essencial para as atividades produtivas, seja na forma de investimento ou de capital de giro. Não se pode pensar em desenvolvimento econômico no Brasil sem aproveitar o potencial produtivo dos empreendimentos informais, que até então se encontravam à margem do Sistema Financeiro

Nacional. Os principais instrumentos que permitiram a regulamentação do setor de microcrédito no Brasil foram:

1) Lei 10.194, de 11/02/2001, que estabeleceu as regras de criação das entidades especializadas em microcrédito, as SCM´s, reconhecidas e supervisionadas pelo Banco Central;

2) Lei 10.735, de 11/09/2003, que aumenta o volume de recursos a serem aplicados no setor de microcrédito, e posterior resolução 3.422/06, que determinou aos bancos múltiplos com carteira comercial, Caixa Econômica Federal, cooperativas de crédito, que mantivessem aplicados em operações de microcrédito para atividade produtiva informal, parcela de recursos no montante de 2% dos depósitos à vista por eles captados, sob pena de recolhimento compulsório ao Banco Central; 3) Lei 10.110, de 24/04/2005, que instituiu o PNMPO – oriundo de projeto desenvolvido no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, viabilizando novas fontes de recursos e ampliando as possibilidades de captação e repasse de recursos para o segmento, vinculando ainda outros serviços financeiros e de orientação empresarial ao microcrédito produtivo.

Com a regulamentação do microcrédito pela autoridade monetária e a utilização do Microcrédito Produtivo Orientado, cujo modelo pressupõe o relacionamento direto com os empreendedores no local onde é executada a atividade econômica, por pessoas treinadas para fazer o levantamento socioeconômico e prestar orientação empresarial, identificando a partir daí, os valores e condições adequadas para a concessão do crédito, é natural que esse importante segmento passe a despertar o interesse das instituições financeiras tradicionais, inclusive aquelas ligadas à iniciativa privada.

Esse novo cenário, para NERI (2008), começa a fornecer respostas a uma antiga e intrigante pergunta: Porque os bancos são tão reticentes em emprestar mais dinheiro aos

pobres? Os bancos avaliam os riscos em função da suficiência e disponibilidade das

informações a respeito do tomador de crédito, em especial o seu caráter e a viabilidade econômica de sua atividade produtiva, além da condição para fazer a monitoração desse tomador de crédito durante toda a vida da operação. Às lacunas de informações de que o banco dispõe antes e depois da concessão do crédito, dá-se o nome de “assimetria de informações”. O banco então avalia o risco por essa “assimetria de informações” e a partir daí define as garantias que serão exigidas do tomador do crédito para compensar o risco assumido. Ora, se as atividades informais desenvolvidas pelos pobres dificultam a coleta de informações econômico-financeiras confiáveis e a pulverização do crédito, aliada ao baixo valor das operações, torna a monitoração inviável no modelo operacional tradicional dos bancos, a “assimetria de informações” e o risco, nestes casos, são bem elevados. Como os pobres não dispõem de bens legalmente aceitos pelos bancos como garantia das operações, então são excluídos do sistema. Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, na maioria das vezes o problema dos pobres não está na falta de ativos, mas na baixa qualidade desses ativos, que inviabiliza a sua conversão em capital para desenvolvimento de suas atividades produtivas.

Os programas de Microcrédito Produtivo Orientado obtiveram sucesso exatamente por desenvolverem tecnologias e inovações que tornaram possível contornar os problemas de assimetria de informações e monitoramento das operações. As mais importantes dessas inovações são:

1) Aval solidário: Nesse esquema, cada membro de um grupo de tomadores de empréstimo garante o pagamento dos demais membros do grupo, sendo esse mecanismo, por isso, também chamado de colateral social. Com isso, os membros do grupo monitoram uns aos outros e assim reduzem consideravelmente o risco. Outra importante vantagem é que vizinhos conhecem melhor os detalhes da

capacidade de pagamento uns dos outros do que se poderia obter com qualquer levantamento por parte da instituição fornecedora do crédito;

2) Empréstimos em valores crescentes: São fornecidos empréstimos em valores

crescentes ao longo do tempo e qualquer novo empréstimo exige a liquidação do anterior. Essa regra de não renovação do contrato com os tomadores no caso de calote, reforçada pelo esperado fluxo futuro crescente de empréstimos, atua como um forte incentivo ao pagamento. Além disso, o fato de se começar a relação com pequenos montantes funciona como um bom teste do caráter do cliente;

3) Pagamentos regulares e em curto espaço de tempo: O pagamento é feito de forma regular, em espaços de tempo mensais, quinzenais e até semanais, de acordo com o fluxo de receitas do cliente, iniciando pouco tempo após o desembolso (carência inexistente ou reduzida). A lógica dessa inovação é que ajuda a impor disciplina e a controlar o fluxo de caixa, antecipando-se a possíveis problemas, além do que evita que o dinheiro seja consumido ou gasto em algo indevido; 4) Foco nas mulheres: É crescente a ocorrência de mulheres “chefe de família” e

estas, geralmente, priorizam a educação e a saúde dos filhos, mais do que os homens, o que representa um aspecto social importante. Elas apresentam menor mobilidade, o que também reduz o risco. Normalmente ganham menos que os homens e assim, o microcrédito estará contribuindo para reduzir a desigualdade de renda entre os sexos;

5) Contato pessoal dos agentes de crédito: A instituição fornecedora do crédito

precisa ter o quantitativo necessário de funcionários treinados, para que cheguem até os clientes potenciais para divulgação do programa de microcrédito e acompanhem toda trajetória dos empréstimos, do desembolso até o pagamento. Esses funcionários são remunerados de acordo com o seu desempenho

(desempenho de sua carteira de clientes), como forma de incentivar o sucesso do programa. Esse contato direto e pessoal entre o funcionário da instituição e o cliente, diferentemente da concessão de crédito tradicional, é um dos segredos do sucesso do Microcrédito Produtivo Orientado, que além de permitir uma perfeita monitoração, estimula a lealdade dos clientes;

6) Moderação nos subsídios: As experiências mal sucedidas do passado comprovam

que os juros não devem receber fortes subsídios. Os pequenos valores envolvidos em cada operação e o dinamismo das atividades financiadas pelos programas de microcrédito, que aumentam a rotatividade das operações, tornam a demanda pouco sensível a variação de taxas de juros. Nesse contexto, é mais importante garantir a agilidade do processo e a disponibilidade do recurso. Além disso, com subsídios elevados, esses programas podem tornar-se alvo de desvio de crédito e ter sua sustentabilidade inviabilizada.

Ainda segundo NERI (2008), do ponto de vista social, o microcrédito funciona como alavanca para a melhoria da renda e das condições de vida dos seus clientes. São muitos os casos em que esses programas ajudaram milhares de pessoas a sair da pobreza. Ele promove uma espécie de choque de capitalismo nos pobres, permitindo aos sem capital, acesso à capital produtivo. Com recursos e confiança, o pobre consegue realizar investimentos que podem servir de porta de saída estrutural da pobreza. Além disso, o produtor pobre consegue estabelecer uma história de crédito e confiança, e os membros da família experimentam um aumento de auto-estima, dignidade e capacidade, dadas as oportunidades criadas pelos serviços de acesso ao crédito.

O microcrédito, apesar do seu grande potencial para retirar pessoas da pobreza, não pode ser visto como uma política assistencialista. Deve ser administrado, por gestor privado ou público, mas sempre de forma a propiciar retornos positivos, para poder ser sustentável. O

perdão de dívidas, por exemplo, é extremamente nocivo a qualquer negócio de microcrédito, pois prejudica sua reputação, tornando não-críveis ameaças de punição à inadimplência e gerando incentivos incorretos para os devedores. O que se recomenda, por exemplo, é que, diante de choques adversos para os devedores, as dívidas sejam alongadas e as prestações reduzidas, mas nunca perdoadas (Yunus, 1999).

Outro aspecto social importante a ser considerado, com relação aos programas de microcrédito, é a possibilidade de serem utilizados como porta de saída de programas governamentais assistencialistas. Ou seja, pela sua capacidade de se tornar sustentável e permitir aos pobres acesso ao capital produtivo, inserindo-os na economia de mercado, libera recursos governamentais e reduzem os aportes adicionais a esses programas assistencialistas. A combinação do Microcrédito Produtivo Orientado com os programas sociais do governo pode produzir uma sinergia das ações voltadas para a população de baixa renda. Por exemplo, as pessoas atendidas pelos programas sociais, depois de determinado tempo no programa, podem ser encaminhadas para as instituições de microcrédito, e estas por sua vez, recebem e aproveitam as informações cadastrais, reduzindo assim o custo na prospecção de novos clientes (NERI, 2008).

Do ponto de vista financeiro, o desafio das instituições de microcrédito é efetuar os empréstimos e conseguir lucro. Alguns bancos já enxergam a experiência como uma inovação que pode aumentar seus lucros, principalmente porque podem ofertar outros produtos e serviços a esse numeroso público que estava à margem do sistema financeiro formal. Segundo Berger (2006), a lucratividade média mundial das instituições, calculada pelo Boston Consulting Group, é de 13%. As instituições financeiras latino-americanas incluídas no

MicroBanking Bulletin relataram em média 15,6% de retorno sobre o capital próprio, contra

MicroBanking Bulletin mostrou que são necessários em média de cinco a sete anos para que

uma instituição de microcrédito se torne sustentável.

Para NERI (2008), os três caminhos possíveis rumo à sustentabilidade e à lucratividade, são:

1) Upgrading, que envolve a criação de uma instituição financeira regulada por uma

ONG. Fortalece-se uma instituição sem fins lucrativos e depois ela é transformada em instituição lucrativa. O custo do upgrading é considerado o mais elevado dos três;

2) Downscaling, que consiste em instituições financeiras já estabelecidas passarem a

montar suas próprias carteiras de microclientes. Bancos em “downscaling” geralmente começam com microempreendimentos maiores e só quando adquirem certo know-how passam a se expandir na direção de clientes menores;

3) Greenfields, que envolve a criação de instituições totalmente novas.

2.3 O mercado de Microcrédito no Brasil e o Programa

Documentos relacionados