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Ter estabelecido um código deontológico (que possa fazer prova do “ideal de serviço”).

No documento JFIDALGO 2006 Tese Doutoramento (páginas 57-72)

I – Profissão, profissionalismo e profissionalização

6) Ter estabelecido um código deontológico (que possa fazer prova do “ideal de serviço”).

Coexistem aqui traços de tipo diverso, uns de âmbito cognitivo (reportados ao saber científico e a uma competência especializada), outros de âmbito organizacional (ligados ao grupo profissional e à sua gestão do mercado de trabalho próprio, bem como da relação com as instâncias do poder), outros ainda de âmbito moral (tendo mais a ver com princípios e valores partilhados destinados a assegurar a legitimação social e a confiança do público).

É este, genericamente, o esquema que, ao longo das últimas décadas, tem servido normalmente como medida aferidora (não obstante as críticas que concita) do maior ou menor grau de profissionalização de um grupo ocupacional. Sendo um esquema de raiz funcionalista, acaba por integrar também elementos característicos de uma perspectiva interaccionista, na medida em que chama a atenção para a “dimensão dinâmica, mais construída do que natural” (Rodrigues, 2002: 21) do “processo de profissionalização” – e não é por acaso que se fala em “processo de profissionalização”, e já não apenas em “profissionalização”. Tal processo é entendido por Wilensky, afinal, como uma “sequência de eventos ou etapas seguidas pelos grupos ocupacionais até ao estádio do profissionalismo” (ibidem), e não como o preenchimento estático e simultâneo de um conjunto de atributos caracterizadores de um modelo natural e pré-definido (como pretenderiam as abordagens funcionalistas ‘puras’).

Segundo o autor desta classificação, nem todas as ocupações podem ambicionar vir a tornar-se profissões – uma posição, essa sim, tipicamente funcionalista –, pois nem todas conseguirão, alguma vez, satisfazer todos os critérios pré-definidos18. E ficar a meio significa, como já vimos, ‘arriscar-se’ a ser considerado “não profissão”, “semi-profissão” ou “quase-profissão”. Por exemplo, tanto Wilensky como Merton – outro destacado nome do funcionalismo no estudo das profissões – consideram que o reconhecimento de uma especialidade profissional como disciplina universitária (que lhe permita, assim, referir-se a um corpo de saberes teóricos) é um momento-chave no processo de profissionalização de uma ocupação, parecendo óbvio que, com base nesse critério, muitas ocupações nunca a tal poderão almejar. Até por isso, a abordagem funcionalista – não obstante continue a ser a mais comummente utilizada como uma espécie de medida-padrão, quando se trata de discutir as profissões enquanto instituições – acabou por ser questionada por outras perspectivas, desde logo as de filiação interaccionista, e também as do chamado “paradigma do poder”.

O próprio conceito de profissionalismo foi sendo utilizado de modo bastante mais complexo e elaborado do que sucedia nestes tempos, quando pretendia resumir-se a uma listagem estática e imutável de atributos supostamente definidores de uma profissão, listagem essa que era usada para ‘incluir’ uns poucos mas, sobretudo, para ‘excluir’ muitos mais. Os “traços do profissionalismo”, segundo alguns críticos, arriscam-se a ser sobretudo “mitos” (McKinlay, 1973, cit. por MacDonald, 1999: 9) alimentados pelos profissionais com o objectivo de excluir muitas ocupações deste ‘privilégio’; seriam essencialmente “argumentos” com base nos quais se estabeleceriam as fronteiras fechadas que delimitam um território profissional e controlam severamente as possibilidades de lhe aceder. Segundo a incisiva formulação de Larson (1977: xii), estas “construções ideal-típicas não nos dizem o que uma profissão é, mas apenas o que ela pretende ser”19. Daí que ela própria tenha considerado preferível (no seguimento, aliás, de Hughes e da perspectiva

18 O facto de haver grupos profissionais com estratégias vitoriosas no estabelecimento de um monopólio sobre um

segmento do mercado de trabalho, legitimado jurídica e socialmente, não pode fazer-nos esquecer que outros grupos falham nessa tentativa, e é porventura tão estimulante perceber as razões do sucesso de uns como as do insucesso de outros – radicadas tanto nas disputas inter-grupos como na maior ou menor capacidade de obter do Estado o necessário aval a uma situação de privilégio. Como diz Dussault (1988: 136), “a distribuição dos privilégios ocupacionais reflecte sempre a distribuição do poder numa sociedade e a sua legitimação faz-se nos termos das ideologias dos grupos dominantes”.

19 A expressão original “pretends to be” assume, na tradução literal (“pretende ser”), uma significação dupla (ou

ambígua) que parece particularmente adequada a esta visão crítica de Larson: “pretends to be” aponta, de facto, para o que a profissão “finge ser”, mas também pode significar, na tradução à letra para português, o que ela “deseja ser”.

interaccionista), estudar “como é que as ocupações a que chamamos profissões se organizaram de modo a obterem um poder no mercado” (ibid.: xvi).

O conceito de profissionalização, tal como definido por Wilensky, foi sendo também objecto de algumas críticas, pois a ideia de um continuum linear e progressivo entre a não-profissionalização e a profissionalização de grupos ocupacionais mereceu as reservas de diversos autores. Estudos empíricos, por exemplo de Abbott, chamaram a atenção para o facto de que as profissões evoluem em muitas direcções, a ritmos e sequências diferentes, aos níveis local e nacional (Rodrigues, 2002: 22), pelo que não faria sentido colocar as coisas em termos de continuum entre dois simples pólos. Além disso, as abordagens ligadas ao “paradigma do poder”, ao colocarem em relevo as estratégias dos grupos ocupacionais para obterem uma situação mais favorável (nos planos legal, laboral, económico e social), interpretaram de modo mais fundo e complexificaram o conceito de profissionalização. Larson, por exemplo, define-o como a “tentativa de transferir uma ordem de recursos escassos – saber especializado e competências [skills] – para outra – recompensas sociais e económicas”, sendo que “manter a escassez implica uma tendência para o monopólio: monopólio de expertise no mercado, monopólio de status num sistema de estratificação ” (Larson, 1977: xvii). O que implica que a profissionalização contém estas duas dimensões sempre inseparáveis: a busca do controlo de um mercado e a mobilidade social ascendente, fonte de um prestígio acrescido. E estas dimensões não são “meros factos da vida social” ou “reflexos automáticos de uma competência, de expertise ou de padrões éticos”; são “a resultante do ‘projecto profissional’” (MacDonald, 1999: 10), ou seja, o objectivo estrategicamente perseguido por um determinado grupo ocupacional.

Em consequência disto, a noção de profissionalismo, em muitos contextos usada apenas no sentido de ‘conjunto de traços definidores de profissão’ (por oposição a ‘ocupação’), ou seja, uma espécie de lista instrumental, imutável e inquestionável, acaba por se complexificar e por ser olhada também (ou sobretudo) no seu carácter ideológico. É, no fundo, para o que aponta a já referida opinião de Gyarmati (apud Rodrigues, 2002: 40-41) de que a sociologia das profissões tradicional “transformou em teoria uma doutrina, a doutrina das profissões” e, ao fazê-lo, “cumpriu uma função ideológica, ajudando a legitimar e perpetuar o status quo” (ibidem). Na “ideologia do profissionalismo”, muitos autores vêem, afinal, um propósito sobretudo auto-justificativo e perpetuador de uma situação favorável aos próprios profissionais (uma espécie de “mandarinato”), que merece críticas fortes de muitos sociólogos. A este propósito, veja-se, por exemplo, o que escreveu Julius Roth (1974, cit. por Rodrigues, ibid.: 43):

O problema com a abordagem centrada nos atributos [de uma profissão] é que esta não foca o processo mas o seu produto, focagem essa contaminada pela ideologia e interesses dos grupos profissionais em vez de ser uma avaliação independente do seu desempenho. (…) Os sociólogos que se centram na definição de listas de atributos não estudam o processo de profissionalização, mas participam nele. Tornam-se nos procuradores das profissões estabelecidas (…) e em árbitros das suas disputas [pelo prestígio] em vez de observar e interpretar os comportamentos envolvidos nesse processo.

As abordagens iniciais da sociologia das profissões mereceram, assim, progressivas críticas, por se entender que os sociólogos a elas ligados teriam “caído numa armadilha ideológica” (Couture, 1988a: 5), ao assumirem como traços definidores (e como resultados de trabalho científico) as ‘imagens de si’ desejadas, e transmitidas, pelos próprios grupos profissionais – imagens essencialmente assentes nos dois pilares de (1) domínio exclusivo de certos saberes esotéricos e de (2) uma ética altruísta de serviço. As explicações ‘científicas’ dos privilégios detidos pelas profissões teriam contribuído, assim, para os legitimar. Daí as perspectivas mais críticas que se foram desenvolvendo neste domínio específico dos estudos sociológicos, insistindo no facto de que “as profissões são constructos sócio-históricos” (ibidem), diferentes de país para país – o que deu lugar ao aparecimento de cada vez mais estudos comparativos –, e também encarando o estudo das profissões “como via de apreensão de fenómenos sociais globais”, como por exemplo o das “relações entre saber e poder” (ibid.: 6).

Johnson – um dos autores normalmente associados, como atrás se viu, ao “paradigma do poder” – questionou igualmente as noções tradicionais de profissionalismo, considerando que ele não define propriamente uma ocupação, ou a natureza de particulares ocupações, mas “um meio de controlo de uma ocupação” (Rodrigues, 2002: 49). E este controlo seria em grande parte conseguido através do conceito de indeterminação, já antes referido20 – um conceito que se associa ao conhecimento profissional ou expert, no sentido em que este implica sempre um certo grau de incerteza, uma capacidade de adaptar à resolução de problemas novos o saber especializado que se adquiriu num processo de formação científica. Ora, na perspectiva de Johnson, “a incerteza não é inteiramente cognitiva, tem uma componente de complexidade do conhecimento, de esoterismo, mas também de mistificação deliberadamente desenvolvida pelas profissões com vista a aumentar a distância, a autonomia e o controlo sobre a prática ou actividade profissional” (ibidem). Assim, o profissionalismo alimentaria esta vontade de controlo da ocupação, de

modo a mantê-la exclusiva, em regime de monopólio, e fechada à intervenção de quaisquer pessoas exteriores ao grupo.

À questão do profissionalismo voltaremos mais tarde (Capítulo III), já no contexto mais específico do grupo profissional dos jornalistas e das estratégias que, ao longo das décadas, foram conduzindo em seu nome.

2.1. – Presente e futuro do estatuto profissional

Ocupada, durante bastante tempo, com a questão da definição e da construção do seu objecto de estudo, a sociologia das profissões quis virar-se também, mais recentemente, para “a questão do futuro do estatuto profissional no mercado de trabalho, no seio das sociedades capitalistas avançadas” (Couture, 1988b: 81), preocupando-se com um conjunto de fenómenos sociais que podem influenciar o desenvolvimento das profissões e a sua articulação com a sociedade. É assim que, como contraponto às teses da

profissionalização, vão surgindo diversos estudos que colocam o problema de saber até

que ponto estamos a assistir a uma diminuição do poder, autonomia e carácter exclusivista, monopolista, das profissões (desprofissionalização) e/ou ao seu enquadramento progressivo em estruturas organizacionais que lhes alteram substancialmente o estatuto e modo de funcionamento (burocratização e proletarização)21 – contendo estas tendências, como pano de fundo, também um alegado processo de desqualificação dos profissionais tais como os vimos caracterizando.

Os autores que têm estudado e debatido esta questão dividem-se entre os que apontam uma tendência clara no sentido da perda de poder e influência por parte das profissões22 e os que, pelo contrário, consideram que o poder das profissões e a sua preponderância social têm conseguido manter-se ou refazer-se, embora integrados em novos contextos de trabalho e novas condições económicas, sociais, políticas e culturais. Para além dos estudos empíricos que desenvolveram a este propósito, parece também

21 Na definição proposta por Lewis et al. (2003: 57), a desprofissionalização “alerta-nos para as mudanças sociais no

controlo do conhecimento”, enquanto a proletarização nos alerta, por outro lado, para a “rotinização do trabalho especializado [expert work]”.

22 Uma das linhas de força desta tendência associa a ascensão do poder das profissões aos tempos do capitalismo

liberal, do laissez-faire, e o seu suposto declínio à época do “capitalismo avançado” (Krause, 1988: 91) subsequente à II Guerra Mundial, convocando para esta análise o papel do Estado e, designadamente, as suas relações com o capital, mas também o seu carácter mais ou menos interventivo na regulação social dos poderes profissionais.

claro, como faz notar Rodrigues (2002: 90-91), que uns e outros autores fazem reflectir nas suas abordagens o posicionamento político-ideológico de que partem, isto é, “a medida em que aceitam as instituições de tipo corporativo, os grupos de interesse e as profissões, como formas legítimas de participação na vida política, como forças de mediação entre os indivíduos e o Estado ou, pelo contrário, as consideram obstáculos a uma mais ampla participação dos indivíduos na vida social”. E isto é, como temos visto, algo que divide fortemente os estudiosos das profissões.

A matéria deve, entretanto, ser tratada com alguma prudência. Independentemente de analisarmos com mais detalhe as duas grandes hipotéticas tendências referidas –

desprofissionalização e proletarização – na sua especificidade, convém desde logo

sublinhar alguma confusão ou sobreposição dos próprios conceitos implicados:

Definindo-se a proletarização, na teoria-matriz das classes sociais, como um processo irreversível que vai da alienação económica à alienação técnica do saber operário, um determinismo capitalista no plano teórico leva-nos a confundir desqualificação e proletarização. Do mesmo modo, a definição da desprofissionalização, vista como a passagem de uma actividade económica autónoma e inscrita no modo de produção de mercado, a uma actividade assalariada e inscrita no modo de produção capitalista, leva-nos a confundir desprofissionalização e proletarização (Legault, 1988: 168).

Ora a realidade parece mostrar-nos que os processos nem sempre são tão lineares ou deterministas, sugerindo de algum modo que “os profissionais assalariados têm uma posição de classe tal que repõe em questão a divisão dicotómica da sociedade de classes, e que as corporações profissionais exercem nos locais de trabalho um poder concorrente ao do capital” (ibidem). Por outro lado, a tentação de generalização destes processos ou tendências relativamente à transformação do trabalho profissional nas sociedades contemporâneas pode fazer-nos esquecer igualmente que as diversas profissões “não são homogéneas entre si” (ibidem), nem cada uma é homogénea no seu próprio seio – recorde- se o que atrás foi dito a propósito da existência de “segmentos profissionais” no interior de cada profissão, uma tese cara à perspectiva interaccionista e que continua a merecer atenção, porventura de modo redobrado.

Consideradas estas duas precauções, vejamos então mais de perto cada uma das tendências atrás enunciadas.

2.1.1. - Desprofissionalização

O debate acerca da desprofissionalização foi suscitado em especial por Marie Haug e pelo seu trabalho “Deprofessionalization: an alternate hypothesis for the future”, datado de 1973. Na sua própria definição, a desprofissionalização consistiria na “perda, pelas

ocupações profissionais, das suas qualidades únicas, particularmente do seu monopólio do conhecimento, da crença pública no ethos de serviço e das expectativas de autonomia no trabalho e de autoridade sobre o cliente” (Haug, 1973, cit. por Rodrigues, 2002: 69). Esta tendência verificar-se-ia pela conjugação de um conjunto de factores:

¾ a evolução tecnológica que torna mais acessível e mais difundido o conhecimento (já não só aos ‘iniciados’ mas também aos ‘leigos’),

¾ a revalorização progressiva dos saberes empíricos (passíveis de serem apreendidos por pessoas sem formação académica e sobre os quais é difícil exercer qualquer monopólio),

¾ a crescente especialização em muitos domínios profissionais (que segmenta progressivamente o grupo profissional, cada vez menos homogéneo a este nível),

¾ a crítica crescente, por parte dos consumidores, ao ‘elitismo’, à ‘impunidade’ e à ‘mercantilização’ de muitos profissionais (com o pôr em causa do seu ethos, dos valores de altruísmo e desinteresse que eles sempre proclamavam numa lógica associada ao “profissionalismo”),

¾ e, enfim, as reivindicações progressivas de clientes no sentido de uma maior participação nas decisões dos próprios profissionais e de questionamento tanto da sua suposta infalibilidade como dos seus tradicionais privilégios.

Estamos perante aquilo a que Haug chama genericamente “mecanismos de desqualificação dos profissionais”, e que atingiriam não só a posição e papel dos profissionais na sociedade – com destaque para a progressiva perda da sempre tão valorizada autonomia profissional (Lewis et. al., 2003: 45) – mas até o seu corpo tradicionalmente preservado de saberes esotéricos, especializados e exclusivos.

De notar que, mesmo aceitando as teses de Haug no apontar de uma tendência de desprofissionalização, isso não significaria necessariamente o desaparecimento de experts. A autora estabelece uma diferença conceptual importante entre expert e profissional, no que respeita às questões de poder e autonomia: pode-se pedir a opinião e o parecer de um expert, decidindo-se depois se se segue ou não esse parecer, o que é bastante diferente no caso dos profissionais, em que “se sente compulsão social para aceitar o seu ponto de vista como última palavra” (Rodrigues, 2002: 71). Daí que Haug admita que os profissionais

possam, no futuro, vir a dar lugar a experts, com os clientes em posição de ouvir e escolher as alternativas propostas, e não como seguidores passivos de um ditame indiscutível.

As opiniões de Haug no sentido da desprofissionalização são contestadas por diversos autores que, além de não verem essa convicção comprovada por estudos empíricos ou pelas práticas verificáveis à sua volta, sugerem que as profissões têm encontrado meios de resistir a essa tendência ou de a contornar. Rodrigues (2002: 72) dá como exemplo a tese de Pierre Bourdieu segundo a qual “a vulgarização dos conhecimentos não produz o efeito de reapropriação social em detrimento do monopólio dos profissionais, nem tem o efeito de deslocar a fronteira entre leigos e profissionais”, uma vez que “estes, impelidos pela lógica da concorrência no seio do campo, tendem a aumentar a cientificidade para conservar o monopólio e escapar à desvalorização social, tendem a reforçar a autonomia e a separação dos profanos, aumentando a tecnicidade das suas intervenções”.

Há também quem, como Lewis et al. (2003), prefira chamar a atenção para o facto de podermos estar a assistir, não a um processo geral de desprofissionalização puro e simples, mas a um esforço de reprofissionalização por parte dos mais directamente interessados (ou visados), colocando em novos moldes a conceptualização e o exercício do poder e da autonomia profissionais, face aos contextos de trabalho (empresariais, económicos, tecnológicos, organizacionais) das sociedades contemporâneas. E um dos elementos de um novo modo de conceber o profissionalismo passaria, por exemplo, por enfatizar mais a necessidade de responsabilizar os profissionais face à sociedade a quem dizem servir (ou seja, reforçar os mecanismos de accountability, de ‘prestação de contas’), com isso contrabalançando o acentuar constante e quase exclusivo da importância da autonomia profissional – frequentemente olhada pelo cidadão leigo como fonte de impunidade e de arrogância, e onde é possível vislumbrar resquícios de pendor corporativista –, numa postura que tem contribuído para a erosão do prestígio dos profissionais, tanto junto dos clientes que a eles recorrem como junto da opinião pública em geral.

2.1.2. - Proletarização

A outra tendência em anos recentes muito referida e estudada, sobretudo a partir do trabalho de Martin Oppenheimer – em particular do seu texto “The proletarization of the professional”, também datado de 1973 –, é a da alegada proletarização dos profissionais, no duplo sentido, referido por Rodrigues (2002: 73), de “proletarização técnica” (perda de

controlo sobre o processo e o produto do seu trabalho) e de “proletarização ideológica” (expropriação de valores a partir da perda de controlo sobre o produto do trabalho e da relação com a comunidade). Neste sentido, poderíamos parafrasear Larson e encarar a proletarização como um contraponto ideológico do profissionalismo (Larson, 1977: 239). E o seu enquadramento económico é assim sintetizado por Marie-Josée Legault:

A passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista, com a concentração de capitais, leva à concentração e à burocratização das empresas. A proporção do emprego profissional no emprego total aumenta com a evolução tecnológica, e este aumento manifesta-se no emprego assalariado das grandes empresas burocráticas, e não na forma empresarial de emprego autónomo (Legault, 1988: 164).

Para Oppenheimer, é bastante claro que os profissionais – mesmo os liberais (médicos, engenheiros, advogados), cada vez mais empregados de organizações, de instituições públicas ou de empresas privadas, quase como qualquer trabalhador por conta de outrem – estão a transformar-se num novo proletariado, pois “o assalariamento, num contexto em que as novas tecnologias e as condições de trabalho não favorecem o labor liberal, implicaria a perda de privilégios e a aproximação dos profissionais, em termos de atitudes, valores e comportamentos, ao mundo dos operários” (Rodrigues, 2002: 73). E se isso é verdade para as ‘profissões estabelecidas’, muito mais o seria para aquelas que uma perspectiva funcionalista classifica de “quase-profissões” ou “semi-profissões” (os enfermeiros, os professores, os jornalistas…), ou seja, ocupações que costumam reclamar- se do profissionalismo mas não preenchem todos os seus critérios ‘tradicionais’ e, desde logo, sempre funcionaram quase só num contexto burocrático (de trabalho assalariado) e não de exercício liberal da actividade.

Uma das diferenças fundamentais entre estes dois pólos é que no trabalho profissional há “discricionariedade e julgamento” da responsabilidade do trabalhador –

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