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O período desde a 2ª Guerra Mundial aos nossos dias, tempo de consolidação e sedimentação dos adquiridos anteriores.

No documento JFIDALGO 2006 Tese Doutoramento (páginas 86-190)

II – Jornalistas: a história de construção de uma profissão

profissional 2 dos jornalistas ou explicar as recorrentes ambiguidades no processo (“tardio”

4) O período desde a 2ª Guerra Mundial aos nossos dias, tempo de consolidação e sedimentação dos adquiridos anteriores.

Entretanto, parece-nos imprescindível acrescentar, hoje, um quinto momento à cronologia, naturalmente datada, de Denis Ruellan: o do advento e expansão da Internet, com a subsequente revolução provocada pelas tecnologias digitais a que assistimos já na passagem do século XX para o século XXI, e que trouxe ao jornalismo novos debates e desafios, além de ter recolocado em novos moldes alguns dos velhos problemas de indefinições ou contradições no seio do grupo profissional.

2.1. - Os primórdios do novo ofício

No primeiro momento, o jornalismo é um ofício mal definido e, mais que isso, marginal. “A nossa profissão tem simultaneamente uma origem canalha e um pedigree régio”, escreveu o jornalista e fundador do jornal espanhol “El País” Juan Luis Cebrián (Cebrián, 2004), evocando os primeiros tempos dos avvisi manuscritos, com informação comercial muito útil para os mercadores, e das gazette vendidas pelos gondoleiros venezianos do século XVII ao preço da mais pequena moeda de então (a “gazeta”), folhas volantes com histórias incríveis misturadas de verdadeiro e de falso, mas cujo potencial propagandístico os poderes políticos não tardaram a descobrir, passando até a outorgar só a alguns escolhidos o privilégio da sua publicação. São origens que levam Cebrián a comentar como “o jornalismo moderno nasceu ligado ao dinheiro, bem ou mal ganho, e ao poder, bem ou mal exercido” (ibid.) e Palmer a falar dos primeiros oficiantes deste ofício (espécie de “jornalistas avant la lettre”6) como “os filhos bastardos do comércio e da política, mediadores de mensagens com finalidades múltiplas, encarregados de difundir propaganda e divertimento” (Palmer, 1994: 120).

Embora pobre na sua técnica, artesanal na sua produção e difusão, tributária de poderes e negócios vários, esta actividade era já, de algum modo, também “a manifestação de uma necessidade e de uma vontade de comunicar e de saber” (Mathien, 1995: 27) que continuou a crescer e a desenvolver-se, cada vez mais fortemente, daí para diante – e a que a progressiva disseminação da impressão com caracteres móveis, inventada por Gutenberg na segunda metade do século XV mas durante mais de século e meio muito pouco divulgada7, deu o impulso fundamental.

6 O termo “jornalista” surge em França nos inícios do séc. XVIII, mais propriamente no Journal de Trévoux (1703),

um semanário que se pretendia “mais explicativo que informativo”, por oposição à gazette, que designava “uma simples recolha de novidades” (Palmer, 1994: 122). Curiosamente, nas suas origens o termo “jornalista” tinha uma conotação positiva, opondo-se a termos como “gazetista”, “novelista” ou “publicista”, mas rapidamente esse enfoque favorável desapareceu, passando os “jornalistas” a ser tratados com desdém, sobretudo pelos literatos que marcaram presença na imprensa pré-industrial.

7 A invenção de Gutenberg data de cerca de 1450: há indicações de que o primeiro documento saído da sua ‘tipografia’

terá sido impresso entre 1440 e 1447, sendo o primeiro livro da história (a sua “Bíblia de 42 linhas”) datado de 1455-1456. Quanto ao primeiro jornal impresso, de acordo com as mais recentes investigações feitas pelo Museu Gutenberg, de Mainz (Alemanha), ele terá data de nascimento no ano de 1605. O seu autor seria Johann Carolus, que vivia e trabalhava em Estrasburgo, copiando à mão e vendendo cartas com notícias de várias partes. Em 1604 terá comprado uma prensa e a partir de 1605 passou a reproduzir por meios mecânicos a sua “Die Relation”, pois assim conseguia fazer mais cópias, e mais rapidamente. Nenhum desses primeiros exemplares chegou até nós (as suas mais antigas “Relationen” conservadas datam só de 1609); chegou, no entanto, a petição de Carolus às autoridades de Estrasburgo – no Outono de 1605 – para que protegessem os seus impressos do plágio que começava a ser praticado por outros recém-chegados ao negócio. Ou seja, já nesse ano ele imprimia obra periódica. Estas

2.1.1. - O “primeiro jornalista” em França

Típico deste enquadramento originário pode ser o primeiro periódico digno desse nome que foi criado em França, em 1631, por Théophraste Renaudot (frequentemente referido, aliás, como o primeiro verdadeiro jornalista8): o semanário La Gazette, inicialmente feito de apenas quatro páginas, e que depressa atingiu uma tiragem de 1.200 exemplares, notável para a época. Também ele nasceu da vontade de fazer circular informações com valor comercial (Renaudot começou por ter, em Paris, uma espécie de “agência de pequenos anúncios”, que depois transpôs para jornal – uma ideia precursora dos “classificados” da futura grande imprensa diária), também ele se escudou numa autorização de publicação que lhe foi outorgada pelo rei (e da qual, aliás, o verdadeiro poder de então, o de Richelieu e depois de Mazarin, tirou grande proveito para fins propagandísticos (Albert, 1970; Palmer, 1994)). São estes, no entanto, os primeiros passos de uma disciplina que há-de tomar forma própria sobretudo na segunda metade do século seguinte, e que o próprio Renaudot já procurava minimamente definir, por relação com outras disciplinas, como a história. É célebre a sua frase: “L’histoire est le récit des choses advenues; la gazette seulement le bruit qui en court…” (cit. em Albert, 1970: 12). De resto, ele próprio também já enunciava algumas conhecidas dificuldades e limitações – para além das que tinham a ver com uma dependência muito estreita do poder político da época – de um ofício definido nos termos em que ele o definia:

Se o receio de desagradar ao século em que se vive impediu os bons autores de tocarem na história da sua época, imagine-se qual não deve ser a dificuldade de escrever a história da semana, ou mesmo a do próprio dia em que ela é publicada (ibidem).

Parece evidente, apesar de todas as limitações, o carácter precursor desta verdadeira “instituição” que acabou por ser La Gazette, em França, um jornal que, com transformações diversas, viveu até 1915 (depois de se ter tornado diário em 1792). Ele, afinal, “introduziu na sociedade uma [nova] prática profissional” e mostrou a “complementaridade entre a informação e os anúncios”, além de ter “sublinhado o lugar e

descobertas recentes fizeram com que a Associação Mundial de Jornais (WAN) estabelecesse, assim, o ano de 1605 (e não já o de 1609) como o do nascimento do primeiro jornal impresso.

8 De Théophraste Renaudot diz Michael Palmer (num texto sobre os jornalistas sintomaticamente intitulado “Os

herdeiros de Théophraste”) que “não só criou o primeiro periódico francês a conhecer um sucesso duradouro

(porque apoiado pelo poder), como soube analisar os mecanismos da imprensa, da publicidade e da propaganda, identificando o caminho que faz os espaços de liberdade do jornalismo” (Palmer, 1994: 124).

a função das fontes e, sobretudo, apontado a importância das relações com os poderes” – ou seja, “o essencial da problemática jornalística”, como destaca Mathien (1995: 31-32).

Especificamente no que toca aos protagonistas directos deste labor, os jornais que vão surgindo ao longo do século XVIII9 permitem-nos ver que os seus artífices se entregam a um ofício ainda muito pouco estruturado, um ofício claramente desconsiderado em termos sociais, desvalorizado em termos culturais, heterogéneo e multiforme em termos grupais – sendo até pouco apropriado falar, por esta altura, sequer em “grupo”:

A coesão entre estes jornalistas é inexistente. A consciência de pertencer a uma categoria laboral específica e de realizar um verdadeiro ofício ainda não existe para a maior parte deles, embora os debates a propósito do papel do jornalismo na sociedade sejam vivos desde o Século das Luzes e a Revolução, período durante o qual ganham raízes muitas consciências colectivas, entre elas as jornalísticas. Este défice de sentimento comunitário explica-se pela fraqueza numérica e pela dispersão, aos quais se soma uma confusão persistente entre as actividades jornalísticas e as literárias (Ruellan, 1997: 16).

De facto, a presença fortíssima das actividades literária e política no processo de nascimento e afirmação do jornalismo europeu (e muito em especial o francês) enquanto actividade autónoma é um traço determinante deste período anterior aos meados do séc. XIX – um período em que, se assim se pode dizer, já há jornais mas ainda não há

jornalismo nem jornalistas. Este é um período em que

para colaborar num jornal, uma pessoa não tinha necessidade de se dizer jornalista ou, se desejava afirmar este rótulo, não fazia dele o seu título principal. Era-se, em primeiro lugar, homem de letras, advogado ou professor. (…) Podia-se perfeitamente escrever artigos e publicá-los sem que isso significasse exercer o ofício de jornalista (Ferenczi, 1993: 21).

Significativo, neste contexto, é o facto nada surpreendente de a maior parte dos “jornalistas” ter uma origem social elevada: estudos citados por Delporte (1999) referem que, por volta de 1850/60, cerca de 44 por cento dos jornalistas franceses provinham da aristocracia e da alta burguesia. Escrever nos jornais é então considerada “mais uma actividade para amadores iluminados do que uma autêntica profissão” (ibid.: 83), algo que

9 Em Inglaterra, o primeiro jornal diário (The Daily Courant) surgiu em 1702, podendo assim considerar-se, como

defende Albert (1970: 16) “o primeiro verdadeiro diário do mundo” – embora um outro diário de existência fugaz, o

Einkommende Zeitung, tenha sido publicado em Leipzig (Alemanha) entre 1650 e 1652. Nos seus primórdios, a

imprensa inglesa também foi muito subsidiária da política e da literatura (embora nela, e especificamente no The

Daily Courant, tivessem surgido já os primeiros apelos a que se não confundissem os “factos” com as “opiniões” –

cf. Guillamet, 2004), tendo até sido responsável pela criação do romance-folhetim: Daniel Defoe publicou originalmente o seu “Robinson Crusoe”, em capítulos diários, nas páginas do jornal The Daily Post, em 1719 (Albert, 1970: 17). Quanto a França, viu nascer o primeiro quotidiano de sucesso (Le Journal de Paris) em 1777, enquanto os EUA ainda tiveram de aguardar quase uma década mais (até 1781), embora também aqui tenham sido marcantes algumas experiências jornalísticas de maior ou menor regularidade (as “folhas”), como por exemplo a

Pennsylvania Gazette, lançada em 1728 por Benjamin Franklin. Algumas destas “folhas”, muito voltadas para as

questões políticas, acabariam de resto por ter um papel importante no deflagrar da revolta, em 1776, que conduziria à independência dos EUA.

se modificará profundamente nas últimas décadas do século XIX, quando a classe média ‘chega’ ao jornalismo e o exerce como um trabalho e uma fonte de rendimentos, não como uma experiência diletante ou um ponto de passagem para outros campos e ambições.

Não é por acaso que, nesta fase do jornalismo pré-industrial, muitos nomes importantes da literatura são presença regular nos jornais, reagindo até violentamente quando alguns “novos ventos” começam a soprar do outro lado do Atlântico – o estilo próprio do “jornalismo de informação” à americana, que há-de marcar a construção do moderno jornalismo tal como o conhecemos hoje – e a retirar à actividade, supostamente, uma marca de nobreza, de elevação, de arte, que em França tanto se cultivava. É exemplo disso a crítica amarga do escritor francês (com uma presença assídua e importante nos jornais) Émile Zola, quando, já em 1888 (no prefácio a La Morasse), lamentava a proliferação, na imprensa, de um outro tipo de textos, ligados mais às pequenas novidades do que aos grandes debates intelectuais:

A vaga descontrolada da informação à outrance transformou o jornalismo, matou os grandes artigos de discussão, matou a crítica literária, deu cada vez mais lugar aos despachos, às notícias grandes e pequenas, aos processos verbais dos repórteres e dos entrevistadores (cit. em Ferenczi, 1996: 32).

Naturalmente, os intérpretes desta nova forma de buscar assuntos na actualidade quotidiana e de os apresentar nos jornais em prosa menos atenta aos modelos literários e mais interessada em captar as atenções e adesões dos leitores comuns recebiam, da parte dos escritores, mais desprezo do que admiração. Não foi, por exemplo, Jean-Jacques Rousseau que se recusou a publicar textos num jornal (apesar da interessante remuneração oferecida), afirmando que não queria “escrever par métier” pois só sabia “escrever par passion” (cit. em Palmer, 1994: 133)? Ou Diderot que, escrevendo na Encyclopédie, definia os jornais como “o pasto dos ignorantes, o recurso dos que querem falar e julgar sem ler, a peste e o desgosto dos que trabalham” (cit. em Albert, 1970: 14)? Ou Voltaire, que se referia ao que as gazetas publicavam como o “relato das bagatelas” (ibidem)? Ou Balzac, presença prolixa nas páginas de periódicos, que classificava o jornalista como “sub-género do homem de letras” (cit. em Delporte, 1995: 15) e que se referia ao jornalismo como “a grande praga do nosso século” (cit. em Ferenczi, 1993: 29)?

De par com a matriz literária, e de um modo particularmente intenso sobretudo na sequência da Revolução Francesa de 178910, a utilização do jornal como espaço privilegiado de intervenção política era outra marca permanente, distintiva, e que a muitos agradava, fosse em termos de publicitação de ideias próprias, fosse enquanto via de acesso aos meandros do poder. Assim, quem escreve nos jornais não vive deles com carácter permanente nem desenvolve qualquer especialidade em termos de abordagem informativa da actualidade; encontra neles, sim, um “meio de sobrevivência”, sobretudo com a expectativa de “fazer carreira noutro lado: na política ou na literatura” (Ferenczi, 1993: 29). “O jornalismo é [nessa época] uma via de passagem, não um lugar de chegada” (ibidem).

Sintomática desta dupla pertença do ‘jornalismo’ francês nos seus primórdios é a avaliação feita por Balzac numa “Monografia da Imprensa Parisiense”, publicada em 1843, e onde define a imprensa como “a palavra adoptada para exprimir tudo o que se publica periodicamente em política e em literatura” e “onde se julga as obras daqueles que governam e daqueles que escrevem, duas maneiras de conduzir os homens” (cit. em Ferenczi, 1996: 28).

2.1.2. - Política e censura em Portugal

Também em Portugal esta filiação inicial da actividade jornalística nos campos da literatura e, muito em especial, da política, foi marcante. O processo de desenvolvimento da imprensa ocorreu mais tardiamente do que noutros países europeus, embora seguindo- lhes as mesmas etapas. O primeiro jornal digno desse nome – ou seja, uma publicação com as necessárias características de periodicidade e continuidade (Tengarrinha, 1989: 35) – data de 1641, curiosamente chama-se também Gazeta11 (como a de Renaudot em França) e tem, tal como aquela, uma óbvia intencionalidade política, ligada ao movimento da Restauração e ao interesse régio em afirmar o orgulho nacional face a inimigos externos.

10 A Revolução, com a liberdade de expressão que trouxe, foi de tal modo importante para o desenvolvimento dos

jornais em França (e muito em especial para o seu uso como instrumentos de propaganda e e de debate político), que só na segunda metade de 1789 – ano da proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo XI defendia a “livre comunicação dos pensamentos e das opiniões” como “um dos direitos mais preciosos do homem” – foram criados, no país, 250 novos jornais (Palmer, 1884: 133; Delporte, 1995).

11 Esta Gazeta em Que Se Relatam as Novas Todas Que Houve nesta Corte e Que Vieram de Várias Partes no Mês de

Novembro de 1641 é a primeira das chamadas “Gazetas da Restauração” – ligadas ao período em que Portugal

recuperou a independência face a Castela, perdida em 1580 –, sendo escrita por Manuel de Galhegos e anunciando- se como mensal. Já antes, nos inícios do séc. XVII, tinham surgido no país algumas publicações impressas (as “relações”), mas de carácter esporádico e relativamente fugaz.

Algo que continuará a verificar-se nas décadas seguintes, seja por ocasião das invasões francesas (1807 a 1810), seja no período muito agitado da revolução liberal de 1820 e suas prolongadas sequelas. Esta marca de nascença é assinalada pelo principal estudioso do nascimento da imprensa portuguesa, José Manuel Tengarrinha, nos seguintes termos:

É nessa efervescência política, acompanhada de intensa agitação de ideias, que se inscreve o aparecimento entre nós do jornalismo. O mais importante significado que apresenta é, pois, o de tornar periódica uma informação que até aí fora irregular, ao sabor da gravidade dos acontecimentos ou da vontade dos impressores (Tengarrinha, 1989: 38).

Na segunda metade do século XVII, surgem também os “Mercúrios”, publicações de estilo “mais directo e conciso” (Tengarrinha, 1989: 41) e que, por isso, se aproximam mais do modelo que o jornalismo há-de vir a adoptar. A tal ponto assim é que há quem considere que o primeiro jornalista português digno desse nome foi António de Sousa Macedo, escritor e diplomata responsável pela redacção do Mercúrio Português (nascido em 1663). Ele próprio dizia querer para o seu jornal um estilo “simples e corrente”, “sem afectar locuções altas que desdissessem a sinceridade de uma pura narração” (cit. em Tengarrinha, 1989: 41).

Fazendo um caminho lento – que passou pela criação de vários outros periódicos, uns dedicados à diversão mais ligeira, outros de carácter enciclopedista ligado aos novos interesses de uma burguesia em ascensão económica e social, outros até em áreas especializadas como a literatura, a ciência ou mesmo as questões femininas12 –, a cena portuguesa precisou de esperar até 1809 para ver nascer o seu primeiro jornal diário: trata- se do Diário Lisbonense, publicado até 1813 ao preço de 20 réis, e todos os dias menos aos domingos e dias santos13. Nesse mesmo ano – e valerá a pena recordar que estamos já à distância de um século sobre o lançamento do primeiro jornal diário em todo o mundo, o inglês Daily Courant, de 1702 – são lançados mais três diários, entre os quais a Gazeta de Lisboa, título relevante à época e que aproveitou este momento para aumentar o seu ritmo de publicação, deixando de ser trissemanário. Estamos numa fase política agitada e

12 Um quinzenário exclusivamente destinado ao público feminino, denominado O Correio das Modas, foi criado em

1807, em Lisboa. Teve uma existência fugaz (cinco números) e deveria ser de circulação muito restrita, atendendo ao elevado preço para a época (240 réis, quando os primeiros jornais diários custariam, dois anos depois, 20 réis), mas é uma inovação merecedora de registo, sobretudo tendo em conta a ulterior expansão da imprensa neste sector específico do mercado (Tengarrinha, 1989).

13 Já houve quem considerasse o Diário do Porto o primeiro jornal diário português, pois saiu para a rua a 5 de Abril

de 1809, quando o Diário Lisbonense só nasceu a 1 de Maio. No entanto, Tengarrinha (1989) sustenta que esse periódico, além de ser a folha oficial do invasor francês (no primeiro número tece grandes louvores a Soult, que comandou a 2ª invasão francesa), não é de facto diário: a primeira edição anunciava que o titulo se publicaria apenas aos sábados, e mesmo assim durou só escassas semanas.

combativa da imprensa, que “contrasta com a longa apatia em que estivera mergulhada” (Tengarrinha, 1989: 60), e em que os jornais se dividem militantemente entre os que dão luta ao invasor napoleónico e os que, aliciados por este, lhe fazem os favores de propaganda.

É também uma altura em que se assiste ao desenvolvimento de alguma imprensa importante nos círculos de políticos e intelectuais portugueses emigrados (sobretudo em Paris e Londres) e que terão influência no disseminar das ideias que conduzirão à revolução liberal de 1820. Aproveitam, além do mais, a liberdade de expressão de que se disfruta nesses países de acolhimento, uma liberdade que tarda a chegar em Portugal e para a qual será preciso esperar até 1834. Por agora, o que se tem em Portugal é um regime de imprensa claramente tutelada pelo poder régio (que concede privilégios de publicação) e continuadamente restringida por mecanismos de censura para os quais concorrem não só o poder temporal como, sobretudo, o espiritual – a igreja. Data logo de 1576 a primeira lei a prescrever que não se podiam imprimir livros “sem licença d’El-Rei e sem primeiro serem vistos e aprovados pela Mesa do Desembargo do Paço, pelo Santo Ofício e pelo Ordinário” (cit. em Tegarrinha, 1989: 100). As malhas ficam ainda mais apertadas com a criação da Real Mesa Censória, em 1768, e que junta numa só entidade as três anteriores: a de censura papal (Santo Ofício), a de censura episcopal (Ordinário da Diocese) e a de censura real (Desembargo do Paço). É uma novidade importante, com incidência na publicação de livros mas também na tutela dos periódicos:

Com a unificação do comando da censura, esta converteu-se num poder ao serviço do Estado, tendo os censores a denominação de régios. As questões do Estado passam a ocupar uma posição relevante nas preocupações da censura, e não, como até aí, quase exclusivamente as de natureza teológica (Tengarrinha, 1989: 102-3).

O regime de censura, tão proficuamente usado e abusado pelo poder político da época pombalina, volta a ser alterado em 1787 e em 1794, primeiro para uma mera mudança de nome (algo que parece recorrente neste domínio particular da história lusa, desde os primórdios até à época contemporânea dos anos 1970, quando o poder marcelista que sucedeu a Salazar também entendeu alterar a denominação da “Censura” para “Exame Prévio”14), depois para tornar ainda mais rígidos os mecanismos de autorização de publicações. Foi algo que marcou, e continuaria a marcar continuadamente, o panorama

14 Franco (1993: 188) refere-se ironicamente a esta mudança artificial operada por Marcelo Caetano no que toca aos

mecanismos de censura: “Os carimbos alteram-se, a instituição permanece; era verdadeiramente a ‘evolução na continuidade’”.

jornalístico português, e que ajuda a compreender algumas das suas limitações e atrasos, sobretudo neste período embrionário que vai de 1641 a 1820:

No documento JFIDALGO 2006 Tese Doutoramento (páginas 86-190)