• Nenhum resultado encontrado

Por outro lado, os discursos sobre a profissão “passam a ser analisados como

No documento JFIDALGO 2006 Tese Doutoramento (páginas 43-56)

I – Profissão, profissionalismo e profissionalização

2) Por outro lado, os discursos sobre a profissão “passam a ser analisados como

argumentação passível de se tornar em crenças socialmente partilhadas” e

“essencial ao movimento de organização material e simbólica do estatuto profissional” (ibidem).

8 Cf. Gyarmati, G. K. (1975), “The doctrine of the professions: basis of a power structure”, International Social

Ou seja, “as características das profissões, encaradas na abordagem funcionalista como consequências necessárias das suas funções macro-sociais, passam a ser perspectivadas simultaneamente como produto e como condição do processo de construção e desenvolvimento da profissão” (ibid.: 44-45).

São três os autores habitualmente apontados como os mais representativos destas novas abordagens decorrentes do “paradigma do poder”, e que analisam o profissionalismo sobretudo como um “sistema de justificações” (Dubar & Tripier, 1998: 114), ligado a uma “estratégia política” e não a uma “exigência funcional” (como pretende o funcionalismo) ou a uma “resultante de configurações relacionais” (como sublinha o interaccionismo): Terence Johnson, Eliot Freidson e Magali Larson. Embora com diferenças, todos procuram, no essencial, “trazer à luz os mecanismos históricos de produção e de legitimação desta forma ‘moderna’ de monopólio económico e de fechamento social” (ibidem) que são, em seu entender, as profissões. Na esteira de Larson, entretanto, a francesa Catherine Paredeise desenvolve abundante reflexão sobre o processo de profissionalização como um processo de construção de um “mercado de trabalho fechado”, como tentaremos ver adiante.

1.3.1. - Johnson e a relação com o poder do Estado

As profissões como “formas de poder do Estado” (Dubar & Tripier, 1998: 128) são um elemento central da abordagem de Johnson, desenvolvida sobretudo na sua obra de 1972, “Professions and Power”. Em sua opinião, o poder das profissões auto-controladas e auto-reguladas foi declinando em favor do que ele considera formas de “protecção corporativa”, as quais constituiriam um dos mecanismos centrais de controlo, por parte do Estado, das actividades de serviços. Haveria, aqui, uma espécie de partilha de poder entre o Estado e as profissões, com vantagens para ambas as partes:

O conceito-chave da teoria neo-marxista de Johnson é o da autonomia relativa concedida pelo Estado a certos grupos profissionais (professores, médicos, trabalhadores sociais), para realizar esta função de reprodução alargada, na qual se inclui a ‘partilha do controlo do processo de reprodução’ (Dubar & Tripier, 1998: 128).

Insistindo na interpenetração do Estado e das profissões nesta lógica de partilha de poder, Johnson sugere que não se trata apenas de ideologia ou de uma forma de atingir vantagens simbólicas, mas de uma efectiva associação das profissões ao poder de Estado, o que implica uma criteriosa selecção dos seus membros, eles próprios muito empenhados, por este caminho, em obterem melhorias do seu estatuto social. Nesta perspectiva,

naturalmente há uma distinção profunda entre as profissões estabelecidas e as outras ‘ocupações’, cujos trabalhadores estão, obviamente, excluídos do exercício do poder – mas que, por isso mesmo, desenvolvem frequentemente estratégias colectivas para poderem ascender também ao estatuto de ‘profissões’.

Para Johnson, o profissionalismo é igualmente redefinido como um modo particular de controlo: “não como um tipo de ocupação ou uma expressão da natureza de particulares ocupações, mas como um meio de controlo de uma ocupação” (Rodrigues, 2002: 49). E o principal recurso ou fundamento do poder profissional resulta, pelo que se disse, “da contribuição do grupo profissional para as funções globais do capital” (ibidem). Vemos, assim, como a sua análise vai para além das visões meramente internas das profissões, alargando-se ao estudo das interacções estabelecidas com o exterior, e muito em particular com o Estado.

1.3.2. - Freidson e o controlo sobre o trabalho

Com Eliot Freidson, cuja obra se foi desenvolvendo ao longo das décadas de 1970 a 20009, consolida-se o “paradigma do poder” das profissões. Ele olha a profissionalização como “um processo pelo qual uma ocupação (…) obtém o direito exclusivo de realizar um determinado tipo de trabalho, o controlo sobre a formação e o acesso, bem como o direito de determinar e avaliar a forma como o trabalho é realizado” (Rodrigues, 2002: 51). E é daqui – de uma espécie de trilogia “autonomia / expertise / credencialismo” – que decorre o poder profissional:

A análise de Freidson sobre o poder profissional centra-se nas vantagens (autonomia e poder sobre o próprio trabalho) conferidas por monopólio do conhecimento (expertise) e por ‘gatekeeping’10 (credenciais), que são os principais recursos ou fontes de poder profissional, isto é,

criam a base de grande parte dos poderes profissionais, incluindo o mais fundamental deles, que é a capacidade de definir a forma como o trabalho deve ser realizado (ibidem, realces da autora).

No processo de obtenção e manutenção deste poder, encontram-se dois elementos considerados importantes, como sublinham Dubar & Tripier (1998): a conquista da

confiança do público (onde uma profissão vai buscar a legitimidade que lhe permite ser

9 Os seus trabalhos mais significativos neste domínio serão “Professional Powers. A Study of the Institutionalization of

Formal Knowledge (1986),“Professionalism Reborn. Theory, Prophecy and Policy” (1994) e, já mais recentemente, “Professionalism – The third logic” (2001), uma obra onde de algum modo revê as suas ideias anteriores, com

particular destaque para o modo como encara as vantagens e desvantagens relativas do profissionalismo nas sociedades contemporâneas, por comparação com as lógicas do mercado livre e da organização burocrática.

10 O termo original é usado e mantido por Rodrigues (2002: 51), por não haver correspondente exacto em português, e

olhada como a única competente na prestação de um determinado serviço, além de capaz de (auto) regular, junto dos seus membros, a boa prestação desses serviços) e a garantia de

credenciação, por instituições adequadas, de um corpo de conhecimentos que lhe permita

exercer com eficácia e valor social essa actividade. Não se trata, para os profissionais, apenas de deter conhecimentos científicos e técnicos adequados, mas também de os afirmar como socialmente relevantes e de garantir que, no contexto de uma autonomia profissional tida por essencial, se encarregará de os controlar e auto-regular.

Nos seus trabalhos mais recentes, Freidson interessa-se por esboçar um modelo teórico do profissionalismo, definindo três tipos-ideais de controlo do trabalho (Dubar & Tripier, 1998: 126): o controlo pelos gestores (característico da burocracia), o controlo pelos consumidores (característico do modelo liberal de mercado) e o controlo pelos próprios trabalhadores (característico do profissionalismo). Especificamente quanto a este último, ele considera que a sua legitimidade assenta em quatro elementos:

1) num corpo de conhecimentos especializados e reconhecidos oficialmente;

2) na existência de um espaço profissional e de uma divisão de trabalho controlados pelos trabalhadores;

3) na existência de um mercado fechado de trabalho, cujo acesso é reservado aos profissionais daquela área;

4) numa formação longa, controlada directamente pela elite profissional.

Naturalmente, este tipo de poder, para ser estabelecido e conservado, pressupõe também o seu reconhecimento e validação por parte do Estado, que delega no grupo profissional uma série de prerrogativas ligadas à regulação e controlo da actividade. Justifica-o a partir da garantia de que a profissão assegura um serviço social importante, e que o assegura no respeito por um conjunto de valores que consubstanciam uma ética profissional. Como dizem Dubar e Tripier (ibid.: 127), são precisamente esses valores profissionais “que justificam a delegação de poderes por parte do Estado e que fundamentam a crença do público na legitimidade profissional”.

Como pano de fundo, regista-se a importância concedida por Freidson ao estudo das ocupações e das profissões como “uma categoria maior de análise teórica, igual em importância aos conceitos de classe, de mercado e de organização (ou burocracia)” (Freidson, 1998: 54). Especificamente no que toca àqueles que têm a prerrogativa de controlo do seu próprio trabalho (modelo do profissionalismo), releva que essa

circunstância lhes permite desenvolver, além de uma identidade profissional, eventualmente também uma “forte identidade pessoal e social” (ibidem).

1.3.3. - Larson e o “projecto profissional”

Mais longe, no aprofundamento deste “paradigma do poder” das profissões, vai ainda Magali Larson11, que tenta fazer “uma síntese das teses marxistas e weberianas” (Rodrigues, 2002: 54), estudando as profissões como “grupos de interesses ligados ao sistema de classes da sociedade capitalista” e analisando a profissionalização como “um projecto de mobilidade colectiva no qual as ocupações tentam conseguir não apenas posições económicas, mas também estatuto social e prestígio” (ibidem). À luz desta perspectiva, as comunidades profissionais não são apenas lugares de aprendizagem e de construção / partilha de uma subcultura própria; são também, e sobretudo, um elemento essencial de delimitação do mercado de trabalho, cujo traço característico fundamental é o

monopólio – “monopólio e fechamento sobre um mercado de serviços profissionais”

(ibidem). Isto consegue-se não só controlando o acesso à profissão, como também assegurando a protecção do mercado, com a justificação de que se está perante um “interesse colectivo de serviço à comunidade” (ibidem). Aliás, a invocação deste “ideal de serviço”, acrescentada à invocação de uma “competência” particular – “competência” que, na esteira de Weber, se poderá considerar uma “moderna” forma de propriedade –, desempenha, segundo Larson (1977: xi), “um papel central no ideal-tipo sociológico [de profissão] mas também na auto-justificação dos privilégios profissionais”. O certo é que com estes argumentos se consegue a legitimidade jurídica para um estatuto especial, decorrente também de um apoio político que se reclamou, mais uma vez, ao Estado12.

O conceito-base de Larson é o de “projecto profissional”13:

Trata-se de nomear o processo histórico pelo qual certos grupos profissionais conseguem objectivamente estabelecer um monopólio sobre um segmento específico do mercado de trabalho e

11 A sua obra emblemática é “The Rise of Professionalism. A Sociological Analysis” (1977).

12 Esta explicitação sugere bem que o monopólio, até pela imprescindível protecção que lhe vem do Estado, “é um

fenómeno político”, como a própria Magali Larson sublinha, invocando também os estudos de Matthew Ramsey neste domínio (Larson, 1988: 26, realce da autora).

13 No original, “professional project”, um conceito cuja origem MacDonald (1999: xii) situa na Escola de Chicago, e

especificamente na tradição do interaccionismo simbólico, mas também em Max Weber e no seu ênfase na “acção” e na “construção social da realidade”. De notar que autores franceses, como Dubar & Tripier (1998), preferem traduzir o conceito de professional project por “stratégie professionelle” (“estratégia profissional”), possivelmente para enfatizar o carácter dinâmico deste “projecto” e a sua ligação com “acção”, tanto individual como colectiva.

de fazer reconhecer a sua expertise pelo público, com a ajuda do Estado. Mais que de ‘projectos individuais’, trata-se de estratégias colectivas. (…) É uma estratégia histórica de constituição de um mercado profissional, e não de exercício individual de uma actividade profissional (Dubar e Tripier, 1998: 130).

Esta estratégia conduz a um fechamento social (“social closure” – um conceito desenvolvido por Max Weber), que tem duas componentes importantes, aliás bem unidas entre si: um fechamento económico (traduzido na realização de um mercado fechado de trabalho, acessível em exclusivo aos membros ‘certificados’ da profissão) e um fechamento cultural (corporizado num grupo que se apropria de um determinado saber legítimo e garante que só a ele lhe é reconhecido).

Larson chama “mercado profissional” a esta forma particular de mercado (ou segmento de mercado) do trabalho no qual um serviço só pode ser comprado ou vendido a um profissional que pertence, também ele, a um mercado fechado e específico de trabalho. É, como comentam Dubar & Tripier (ibid.), uma “dupla posição de monopólio”: o do próprio profissional no mercado de trabalho, e o do serviço que presta no mercado de serviços.

Este fechamento social, na análise de Larson, conduz igualmente a um estatuto social mais elevado, pelo que as estratégias profissionais (no sentido do professional project) são inseparáveis de estratégias de mobilidade social ascendente, individual e colectiva. E não se trata apenas de encontrar vantagens materiais e ganhos monetários nesse estatuto social superior; ele implica também, por exemplo, uma série de disposições culturais decorrentes de um processo de formação longo, em estabelecimentos de ensino prestigiados e selectivos:

O que alia a ordem económica do monopólio de uma actividade de serviço à ordem sócio- simbólica que legitima o acesso a estas posições sociais elevadas é o domínio de marcas de distinção específicas de uma elite. É o que a universidade moderna, enquanto instituição legítima e prestigiada, produz naqueles que se tornarão profissionais. As instituições de formação estão, pois, no cerne do processo que alia a produção de saberes à sua aplicação num mercado fechado de serviços. É a certificação concedida por estas instituições e validada pelo Estado que faz a ponte entre o saber legítimo e o mercado profissional (Dubar & Tripier, 1998: 131).

O edifício conceptual de Larson implica, como se percebe, uma clara autonomia

profissional por parte do grupo. Nem de outro modo poderia ser: o duplo processo de

fechamento torna impossível qualquer forma de controlo exterior. Os profissionais têm todas as cartas na mão: monopólio legal, saber legítimo e certificado, estatuto social. Logo, acabam por ser eles também a definir e a controlar os critérios da sua própria expertise, bem como a sua aplicação prática junto dos pares – função de que, frequentemente, se ocupa o segmento mais prestigiado do grupo profissional (a sua elite). Tudo, sempre, com

a colaboração do Estado, que legitima este “monopólio da competência” – encarada como a forma mais elaborada do profissionalismo – por parte de certos grupos profissionais, com base numa espécie de “ideologia meritocrática” (ibid.: 133). A componente ideológica é, aliás, sublinhada por Larson, por exemplo quando sugere que esta autonomia também conduz a algum tipo de isolamento: “Em parte, os profissionais vivem dentro de ideologias criadas por eles próprios, e que eles apresentam para o exterior como as mais válidas definições de áreas específicas da realidade social” (Larson, 1977: xiii).

Mercado protegido e base de competência são, pois, os dois elementos que esta

autora identificou e destacou nos diferentes projectos profissionais observados, como ela própria dizia num texto escrito dez anos depois de “The Rise of Professionalism”:

A análise de diversos projectos profissionais sugeria claramente que eles visavam todos criar um mercado institucional protegido de trabalho ou de serviços para indivíduos cuja competência devia ser também institucionalmente demonstrável (Larson, 1988: 23).

Acrescente-se, enfim, que Larson se foi mostrando cada vez mais interessada em trabalhar não numa espécie de “teoria geral das profissões”, mas em reflectir nas questões que dizem respeito, “para lá das profissões, ao grande tema da construção e das consequências do saber ‘especializado’ [savoir ‘expert’]” (Larson, 1988: 24). E associa esta questão ao pressuposto de que um “saber sancionado” sempre foi um argumento primordial – mesmo que não o único – invocado pelos grupos profissionais perante o público para justificar o seu estatuto especial e o seu mercado protegido, no desenvolvimento da estratégia de profissionalização:

Estou pronta a sustentar que todo o fenómeno de ordem profissional deve ser associado teoricamente à produção e ao sancionamento sociais do saber. Mesmo que a níveis diferentes e localizados, deveremos encontrar sempre práticas e códigos de conduta que se justificam por discursos ilustrados [savants]. A capacidade diferente que têm diversos indivíduos ou grupos profissionais de se apropriar destes discursos ‘autorizados’ e ‘autorizantes’ parece-me constituir uma dimensão característica da desigualdade social (Larson, 1988: 24).

A “organização da aquisição e da certificação de uma competência”, feita sempre “com base em títulos e diplomas oficiais” – onde a instituição universidade acaba por desempenhar um papel fundamental – é, portanto, considerada um ingrediente central nas profissões tal como as conhecemos nas sociedades capitalistas. Sob essa designação encontrar-se-iam, assim, “as formas históricas específicas que estabelecem laços estruturais entre um nível de instrução formal relativamente elevado e postos de trabalho ou recompensas relativamente desejáveis no âmbito da divisão social do trabalho” (Larson, 1988: 28). Ou seja, a profissão olhada como “um meio quase omnipresente de construir a competência” (ibid.: 33, realce da autora) – e que aponta para as relações entre saber e

poder, que Larson estudou igualmente, a partir das teses de Foucault, e designadamente

das suas reflexões sobre a produção e controlo de um discurso legitimador (no pressuposto, que aqui não desenvolveremos, de que as profissões podem ser consideradas “campos de discurso”, empenhadamente defendido e controlado pelos seus detentores)14.

1.3.4. - Os “mercados de trabalho fechados”

Abordagens na esteira das propostas de Magali Larson, centradas essencialmente nas estratégias de fechamento do mercado de trabalho por parte dos grupos profissionais, foram desenvolvidas por vários outros estudiosos deste domínio da sociologia, com relevo para Catherine Paredeise. Esta autora considera que as profissões são, no essencial, “mercados fechados de trabalho”15 – cujo traço comum é o de definirem, construírem e realizarem a qualificação de uma mão-de-obra para tarefas determinadas – e o seu objectivo mais notório consiste na “monopolização de um segmento do mercado de trabalho, visando o controlo da incerteza das relações de troca”:

A tendência para a monopolização de segmentos de mercados de trabalho, seja ela legal, contratual ou simplesmente factual, é um dado permanente e central das sociedades ocidentais contemporâneas, sublinhado já por Max Weber quando evocava a fragilidade das formas de organização das sociedades democráticas (Paredeise, 1988:10).

A autora sublinha que esta tendência vai, aparentemente, contra o modelo liberal de funcionamento da economia de mercado (desenvolvido a partir da viragem do século XIX), o que levou a que estes mercados de trabalho fechados fossem durante muito tempo encarados como “excepções”, que era necessário justificar “pelas suas funções macro- económicas ou macro-sociais” (Paredeise, 1988: 10). Com esta perspectiva abria-se, então, caminho à justificação das profissões como algo de necessário – apesar do seu estatuto

14 Na sequência dos trabalhos que desenvolveu a partir da sua obra mais marcante de 1977, Larson defendeu

progressivamente que se encarasse a ‘profissão’ não tanto como um mero conceito pronto a ser utilizado pelos investigadores, mas como um “programa de investigação complexo”, para o que propõe três enfoques: estrutural (profissão como laço entre um saber codificado e a prática num mundo de sujeitos não-conhecedores ou de profanos menos conhecedores e, em consequência, “laço material entre o Estado e a disponibilização de conhecimentos especializados na sociedade civil”), histórico (com a profissão podendo personificar a ligação histórica entre o saber da aristocracia, que valoriza a teoria, e o saber prático da burguesia, que valoriza as aplicações desse saber), e do

interaccionismo simbólico (a profissão “contém verdadeiramente todos os traços do que os seus membros pretendem

ser em teoria” e desafia-nos a analisar as relações entre saber, crença e poder) (Larson, 1988: 38-39).

15 Freidson, ao contrário de Larson e de Paredeise, prefere falar de “mercado protegido” e não de “mercado fechado”

(Rodrigues, 2002: 56-57), visualizando o mercado de trabalho como um conjunto de ocupações protegidas. Para ele, é a autonomia o principal recurso do poder profissional, sendo que “um mercado de trabalho protegido representa controlo ocupacional sobre a oferta, bem como sobre o conteúdo da procura” (ibidem). Temos, assim, que Larson “destaca os mecanismos de exclusão e diferenciação social decorrentes do estabelecimento de protecções ou monopólios de mercado”, enquanto Freidson realça “os mecanismos de aquisição de autonomia e poder alternativo” (ibidem).

jurídico “derrogatório do direito comum” (ibid.: 11) – em virtude da função social que alegadamente preencheriam. Ou seja, a tese cara à abordagem estruturo-funcionalista. A perspectiva interaccionista proposta por Hughes trouxe, entretanto, como já atrás vimos, um novo modo de olhar as coisas:

Ao sugerir que se considerem as profissões como ocupações que tiveram sucesso, Hughes sublinhava a necessidade de aplicar um novo paradigma, que distinguisse claramente os fundamentos da organização profissional dos seus modos de legitimação (Paredeise, 1988: 11).

Passando a preocupar-se menos com os atributos que procuravam justificar um estatuto profissional privilegiado e mais com os “fundamentos sociais da existência do feito [fait] profissional” – ou seja, olhando esses atributos característicos de um ideal-tipo de profissão já não como ‘dados’ indiscutíveis mas como ‘objectos de análise’ merecedores de estudo e reflexão –, a sociologia das profissões passou a uma sociologia

da profissionalização, mais atenta aos objectivos e estratégias dos grupos profissionais do

que a uma sua suposta “necessidade intrínseca à ordem macro-social” (ibidem). Só neste contexto de análise dinâmica, como sugere Paredeise, se pode compreender o conjunto de processos pelos quais “uma ocupação consegue escapar aos princípios que definem a ordem legítima numa sociedade liberal: a relação de mercado, no terreno económico; a relação eleitoral, no terreno político” (ibidem).

Em consequência, também o próprio discurso dos profissionais deve passar a ser olhado não como uma “narrativa natural” [“récit de nature”], mas como “uma argumentação transformada em crença partilhada”. Como ela própria diz, “a centralidade deste discurso já não se liga ao seu carácter enunciativo, mas ao seu carácter performativo

No documento JFIDALGO 2006 Tese Doutoramento (páginas 43-56)