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2.1.1 Bernardino Ramazzini: resgate de sua importância e a

2.1.2.5 O Estado da Arte das Denominações Atuais

A partir da 2ª metade do século XX, percebe-se o processo de construção de uma terminologia, que passasse a albergar as patologias que acometiam os trabalhadores e que eram relacionadas ao comprometimento do sistema osteomuscular.

Em1958, foi proposta a denominação Occupational Cervicobrachial Disorder (OCD), termo utilizado no Japão para descrever a fadiga neuromuscular nos músculos dos braços e das mãos em perfuradores de cartão, operadores de caixa registradora e datilógrafos, percebendo-se que o termo em questão apresenta uma conotação causal. (Maeda et al., 1982; Oliveira, 1999a; Verthein, Minayo-Gomez, 2000)

Entre 1970 e 1980, a terminologia empregada na Inglaterra e Austrália para a indicação de doenças musculotendíneas dos membros superiores, ombros e pescoço, nas atividades de digitação, linhas de montagem e embalagens foi Repetitive Strain Injuries (RSI) . Este termo foi originalmente descrito na Austrália após uma epidemia de sintomas dolorosos na região

cervicobraquial que, em alguns locais, chegou a comprometer cerca de 80% dos trabalhadores. Esses sintomas passaram a ser denominados "repetitive strain injury" ("RSI"), que era uma designação até então utilizada na literatura ortopédica para descrever lesões apresentadas por corredores de longa distância. (Verthein, Minayo-Gomez, 2000; Brasil, 2001; Brasil, 2003)

Em 1986, nos Estados Unidos da América, passou-se a utilizar o termo Cumulative Trauma Disorders (CTD), correspondendo às lesões dos tecidos moles: nervos, tendões, bainhas tendinosas e músculos do corpo, principalmente dos membros superiores, causadas por atividades repetitivas. (Verthein, Minayo-Gomez, 2000; Brasil, 2001; Brasil, 2003)

No século XX, a década de 90 é marcada pela abordagem ergonômica e epidemiológica dos fatores de risco, apresentando como fatores etiopatogênicos das lesões músculo-esqueléticas relacionadas ao trabalho, as tarefas repetitivas, o uso excessivo de força, as posturas inadequadas e a organização ininterrupta e excessiva de trabalho. Neste período, ressalta-se a utilização da terminologia inglesa, também empregada na Itália, work-related musculo-skeletal disorders of the upper limbs - WMSDs e aquela adotada nos Estados Unidos, work-related upper-extremity disorders – WRUEDs. (Verthein, Minayo-Gomez, 2000; Brasil, 2001; Brasil, 2003)

No Brasil, a primeira descrição de uma patologia osteomuscular relacionada com o trabalho aconteceu no XII Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho (1973), quando foram apresentados casos de tenossinovite ocupacional ocorridos em lavadeiras, limpadoras e engomadeiras, recomendando-se que fossem observadas pausas de trabalho daqueles que operavam intensamente com as mãos. (Brasil, 2003)

No ano de 1978, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, hoje denominada Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho, regulamentou os artigos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em capítulo específico da Segurança e Medicina do Trabalho (Capítulo V, Título II, artigos 154 a 201, com redação da Lei n. 6.514/77); por meio da Portaria n. 3.214/78, criando vinte e oito Normas Regulamentadoras (NRs), dentro da concepção de saúde ocupacional, dentre as quais a Norma Regulamentadora n. 17 (NR 17), referente à Ergonomia. (Brasil, 1978)

No Brasil, em 1984, a tenossinovite entre digitadores foi apresentada pela Associação de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul, no V Congresso Nacional de Profissionais de Processamento de Dados, ocorrido em Belo Horizonte, como uma patologia de alta incidência entre digitadores. No mesmo evento, o termo LER (Lesões por Esforços Repetitivos e que é a versão em língua portuguesa para RSI - Repetitive Strain Injuries/RSI), foi referendado pelo médico Mendes Ribeiro como denominação da doença em todo território nacional e corroborado em 1986, durante o I Encontro Estadual da Saúde de Profissionais de Processamento de Dados, no Rio Grande do Sul. A tenossinovite entre digitadores teve sua alta incidência demonstrada pela Associação de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul, no V Congresso Nacional de Profissionais de Processamento de Dados, ocorrido em Belo Horizonte. O termo LER passou, a partir de então, a caracterizar as lesões associadas às atividades de movimentos repetitivos e à sobrecarga muscular estática que acometiam, dentre outros profissionais, aqueles que trabalhavam na área de processamento de dados, usuários de terminal de vídeo, operadores de linha de montagem e trabalhadores de empresas de telecomunicação; verificando-se que esta nova denominação presumia a presença de uma lesão e o mecanismo pelo qual ela ocorre. (Oliveira, 1999a; Monteiro, 1998; Verthein, Minayo-Gomez, 2000; Brasil, 2003)

Em 07 de novembro de 1986, a Direção Geral do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), a partir da Coordenação de Programas Especiais, publicou a circular de Origem 501.001.55 n. 10, na qual orientava as superintendências para que reconhecessem a tenossinovite como doença do trabalho, quando esta fosse resultado de ‘movimentos articulares intensos e reiterados16, equiparando-se a um acidente do trabalho, nos termos do parágrafo 3º, do artigo 2º, da Lei n. 6.367 de 19/10/76. Ainda nessa Circular, há referência a todas as afecções que, relacionadas ao trabalho, resultem de carga excessiva das bainhas tendinosas, do tecido peritendinoso e das inserções musculares e tendinosas, sobrecarga essa a

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Brasil. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Circular n° 501.001.55 n. 10 de 07 de novembro de 1986. Dispõe que a tenossinovite, quando resulte de movimentos articulares intensos e reiterados, equipara-se nos termos do artigo 2º, 3º da lei n. 6.367, de 19/10/76, a um acidente do trabalho, fazendo jus o segurado, nesta hipótese, às prestações do respectivo seguro. [Texto na Internet]. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1987 Ago 7 [citado 2007 Jun 17]. Disponível em: http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/66/MPAS/1987/ 4062.htm

que, entre outras categorias profissionais, freqüentemente se expõem digitadores de dados, mecanógrafos, datilógrafos, pianistas, caixas, grampeadores, costureiras e lavadeiras. (Brasil, 1987a; Monteiro, 1998)

Em 6 de agosto de 1987, houve a publicação da Portaria n° 4.062, do então Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), assinada pelo ministro Raphael de Almeida Magalhães, a qual dispunha sobre a competente investigação a fim de conferir ou afastar o nexo de causalidade entre a síndrome de tenossinovite e as atividades exercidas pelo digitador (possibilitando o reconhecimento da tenossinovite como doença do trabalho)17. Embora utilizasse a expressão ‘tenossinovite do digitador’, estendeu a possibilidade do acometimento para outras categorias profissionais que ‘exercitassem os movimentos repetidos dos punhos’, sendo o primeiro passo para que uma das patologias que a sigla LER englobava fosse reconhecida como uma doença do trabalho. (Brasil, 1987b)

Na data de 23 de novembro de 1990, houve a publicação da Portaria n° 3.751, pelo então Ministro do Trabalho e Emprego, a qual alterava a Norma Regulamentadora (NR) n. 17, atualizando a Portaria 3.214/78, com os avanços técnicos no campo da ergonomia. (Brasil,1990)

Em 1991, o então Ministério unificado do Trabalho e da Previdência Social, dentro da série ‘Normas Técnicas para Avaliação de Incapacidade’, publicou aquela referente à ‘Lesão por Esforços Repetitivos’ (Oliveira, 1991). No ano de 1992, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo publicou a Resolução SS 197 de 08 de junho de 1992, a qual aprovava ‘A norma técnica que dispõe sobre o estabelecimento dos critérios de diagnóstico, dos estágios evolutivos, dos procedimentos técnico-administrativos e da prevenção das lesões por esforços repetitivos – LER’. (São Paulo, 1992)

No ano de 1993, ocorreu a publicação de uma nova série de ‘Normas Técnicas para Avaliação de Incapacidade LER – Lesões por Esforços Repetitivos’, a qual promoveu uma revisão global daquela publicada em 1991. Esta nova série adotou, quase na íntegra, a norma técnica publicada pela

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Brasil. Ministério da Previdência Social. Portaria MPS n. 4062 de 6 de agosto de 1987. Dispõe sobre a competente investigação a fim de conferir ou afastar o nexo de causalidade entre a síndrome de tenossinovite e as atividades exercidas pelo digitador [Texto na Internet]. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1987 Ago 7 [citado 2007 Jun 17]. Disponível em: http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/66/MPAS/1987/ 4062.htm

Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, na Resolução SS 197/1992, promovendo uma revisão generalizada da série de Normas Técnicas publicada em 1991, tendo sido proposta pela Divisão de Perícias Médicas da Coordenação Geral de Serviços Previdenciários do Ministério da Previdência Social e realizada tendo por base as resoluções sobre LER das Secretarias de Saúde dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, as quais foram, à época, amplamente discutidas pela sociedade civil, representada por sindicatos; pelos Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde; pelos empregadores e por órgãos de classe. O grupo revisor foi composto por técnicos no Ministério da Previdência Social, Ministério do Trabalho, do Sindicato dos Bancários e do Núcleo de Referências em Doenças Ocupacionais da Previdência Social-NUSAT/MG. (Brasil, 1998; Brasil, 2001)

No Brasil, as siglas WMSDs (work-related musculo-skeletal disorders of the upper limbs) e WRUEDs (work-related upper-extremity disorders) foram traduzidas para a sigla DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho). Verifica-se a abrangência do termo DORT, visto que o mesmo dispensa a relação causal e não exige qualquer explicação quanto ao mecanismo de acometimento, sendo suficiente a relação com o trabalho (Oliveira, 1999a; Verthein, Minayo-Gomez, 2000). A denominação DORT passou a ser adotada recentemente, quando o Ministério da Previdência e Assistência Social editou a OS n. 606, em 5 de agosto de 1998, a qual veio a aprovar a ‘Norma técnica sobre distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho’18. (Brasil, 1998; Brasil, 2001)

Em 1999, ocorreu a publicação da Portaria Federal n. 1.339/GM - MS, através da qual, o então Ministro de Estado da Saúde, José Serra, no uso de suas atribuições, resolveu instituir a ‘Lista de doenças relacionadas ao trabalho’ a ser adotada como referência aos agravos originados no processo de trabalho no Sistema Único de Saúde, para uso clínico e epidemiológico, constante no Anexo I dessa Portaria, contendo no item 13 as doenças do sistema

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Brasil. Ministério da Previdência e Assistência Social. Ordem de Serviço (OS) INSS/DSS n. 606 de 5 de agosto de 1998. Aprova norma técnica sobre distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho - DORT [Texto na Internet]. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1998 Ago 19 [citado 2007 Jun 17]. Disponível em URL: http://e-legis.bvs.br/leisref/

osteomuscular e do tecido conjuntivo relacionadas com o trabalho -Grupo XIII da CID-10. (Brasil, 1999)

Em 23 de dezembro de 1999, houve a publicação da Resolução n. 10, pela Diretoria Colegiada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS/DC), a qual aprovou ‘Os Protocolos Médicos, com alterações realizadas pela Coordenação-Geral de Benefícios por Incapacidade da Diretoria de Benefícios e dá outras providências’; dentre os quais, no Anexo 13, aqueles relativos às doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo que poderiam estar relacionadas com o trabalho. (Brasil, 2000)

No ano de 2003, veio a ser publicado pela INSS/DC, o mais recente instrumento legal brasileiro acerca da questão LER-DORT. Através da Instrução Normativa n. 98, de 05 de dezembro de 2003, foi aprovada a ‘Norma Técnica sobre Lesões por Esforços Repetitivos - LER ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho – DORT’, que revisou completamente a Norma Técnica anterior relativa à Ordem de Serviço n. 606/1998 publicada pela Diretoria do Seguro Social do Instituto Nacional do Seguro Sócia (INSS/DSS)19. (Brasil, 2003)

A nomenclatura DORT veio substituir a bastante difundida LER, pois como utiliza o termo ‘distúrbios’ em vez de ‘lesões’, passa a admitir que os sintomas podem aparecer sem que a pessoa esteja lesionada, ou seja, amplia o conceito de lesão por esforço repetitivo, quando reconhece o fato de que a dor sentida pelo indivíduo também pode ser provocada por fatores como estresse, fadiga e depressão. A adoção do termo DORT passou a significar, portanto, que a dor crônica poderia existir sem que para isso houvesse obrigatoriamente uma lesão, tornando mais compreensíveis os mecanismos que produzem o sofrimento, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de ações terapêuticas e preventivas mais eficazes. (Brasil, 2001)

Contudo, muitas vezes, será evidenciado o emprego conjunto das duas siglas (LER-DORT), inclusive na terminologia adotada por documentos oficiais,

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Brasil. Ministério da Previdência e Assistência Social. Instrução Normativa INSS/DC n. 98 de 05 de dezembro de 2003. Aprova Norma Técnica sobre Lesões por Esforços Repetitivos - LER ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho - DORT [Texto na Internet]. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 2003 Dez 10 [citado 2007 Jun 17]. Disponível em URL: http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/INSS-DC/2003/98.htm

conforme observado na Instrução Normativa n.98/2003 − INSS/DC. (Brasil, 2003; Regis Filho et al., 2006)

Existem vários conceitos do que as siglas LER-DORT realmente venham a representar. Foram selecionados intencionalmente para análise, os significados adotados em dois momentos distintos da normalização previdenciária brasileira sobre o assunto. O primeiro, refere-se à OS n. 606/1998 − INSS/DSS (Brasil, 1998), da qual se extrai que a LER-DORT seria “uma síndrome clínica, caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por alterações objetivas e que se manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros superiores em decorrência do trabalho, instalando-se insidiosamente em determinados segmentos do corpo, em conseqüência de trabalho realizado de forma inadequada, sendo o estabelecimento do nexo causal, parte indissociável do diagnóstico que se fundamenta numa boa anamnese ocupacional e em relatórios de profissionais que conheçam a situação de trabalho, permitindo a correlação do quadro clínico com a atividade ocupacional efetivamente desempenhada pelo trabalhador”’.

Num segundo momento, observa-se o conceito presente na Instrução Normativa n.98/2003 − INSS/DC (Brasil, 2003), na qual a LER-DORT seria “uma síndrome relacionada ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, tais como: dor, parestesia, sensação de peso, fadiga, de aparecimento insidioso, ocorrendo geralmente nos membros superiores. É, freqüentemente, causa de incapacidade laboral temporária ou permanente e resultado da combinação da sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com a falta de tempo para sua recuperação. A sobrecarga pode ocorrer seja pela utilização excessiva de determinados grupos musculares em movimentos repetitivos, com ou sem exigência de esforço localizado, seja pela permanência de segmentos do corpo em determinadas posições por tempo prolongado, particularmente quando essas posições exigem esforço ou resistência das estruturas músculo- esqueléticas contra a gravidade. A necessidade de concentração e atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a tensão imposta pela organização do trabalho, são fatores que interferem de forma significativa para a ocorrência das LER-DORT”.

Percebe-se a evolução do pensamento doutrinário da Instrução Normativa n.98/2003 − INSS/DC, quando destaca como fatores determinantes da condição não só a ‘realização do trabalho de forma inadequada’, conforme dispunha a OS n. 606/1998 − INSS/DSS, mas também a ‘combinação da sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com a falta de tempo para sua recuperação’, assim como introduz o conceito de que “a necessidade de concentração e atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a tensão imposta pela organização do trabalho, são fatores que interferem de forma significativa para a ocorrência das LER-DORT”. Depreende-se, assim, a partir da análise da Instrução Normativa n.98/2003 − INSS/DC, que a sintomatologia sentida pelo indivíduo também poderia ser provocada por fatores como estresse e fadiga.