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2.1.1 Bernardino Ramazzini: resgate de sua importância e a

2.1.2.4 Idade Contemporânea: consolidação e aplicação

Na Idade Contemporânea (de 1789 d.C. até aos dias atuais), com os avanços técnico-científicos da propedêutica diagnóstica e uma maior estruturação e consolidação dos estudos referentes à saúde do trabalhador, houve uma melhor definição clínica e conceitual dos quadros clínicos das patologias músculo-esqueléticas relacionadas ao trabalho, verificando-se mudanças progressivas na terminologia deste grupo de doenças, até chegarmos aos termos atualmente empregados. Destacam-se, neste período, os estudos na França (Bichat, Dupuytren, Velpeau, Duchenne, Notta e Tinel); na Inglaterra (Gurney, Charles Thackrah, Poore, Gowers, Paget e Hunt); na Escócia (Bell); na Áustria (Benedikt); na Itália (Leonardo Bianchi); nos Estados Unidos da América (Beard, Wood e Phalen) e na Suíça (De Quervain e Finkelstein).

Na França, o médico, fisiologista e anatomista Marie-François-Xavier Bichat (1771-1802), nascido em Thoirette-en-Bresse, foi considerado o ‘Pai da histologia moderna e da patologia dos tecidos’, descrevendo, na sua publicação ‘Anatomie Générale Appliquée à la Physiologie et la Médicine’

(1799), vinte e uma espécies de tecidos formadores de órgãos do corpo humano, dentre os quais o ósseo, o sinovial e o cartilaginoso. (Haas,1994; Lohff, 2001; Marson, 2003)

Seu conterrâneo, o médico, anatomista, cirurgião e professor de Anatomia da Universidade de Paris, Guillaume Dupuytren, que também possuía o título nobiliárquico de Barão (1777-1835), descreveu as manifestações clínicas e o tratamento cirúrgico da Contratura de Dupuytren em 1832, também denominada de cãibra dos cordoeiros ou rendeiros, a qual correspondia a uma fibromatose da fáscia plantar caracterizada pelo espessamento e contratura das bandas fibróticas nas superfícies palmares das mãos e dos dedos. Dembe (1996) descreve que em 1910 a Associação dos Cordoeiros de Nottingham denunciou ao Chefe da Inspeção das Fábricas a ocorrência da cãibra entre os cordoeiros. Após a devida investigação médica, constatou-se que “A prevalência da Contratura de Dupuytren entre os rendeiros é maior do que a habitual e tem uma relação direta com a freqüência e a força com que as alavancas e as rodas da máquina são manipuladas, além de seus tamanhos, formas e posições”. (Pascarella, 1968; Goldwyn, 1969; Dembe, 1996; Brasil, 2001; Gudmundsson et al., 2003; Rayan, 2007; Shaw et al., 2007)

Contemporâneo de Dupuytren, Alfred-Armand-Louis-Marie Velpeau (1795-1867), médico francês, anatomista, cirurgião e professor da Clínica Cirúrgica da Universidade de Paris, conceituou a tenossinovite como uma lesão da bainha do tendão. Em sua obra ‘Traité D'anatomie Chirurgicale’ (Paris,1825) descreveu três formas de tenossinovite: a infecciosa, a crepitante e a estenosante. Também criou um método de imobilização ósteo-articular, até hoje mundialmente reconhecido por seu nome. (Gilchrist, 1967; Aron, 1994; Dembe, 1996; Dunn, 2005)

Deve-se a Guillaume Benjamin Amand Duchenne de Boulogne (1806- 1875), médico francês e neurologista, alguns avanços significativos no estudo da fisiologia do sistema nervoso. Duchenne de Boulogne apresentava grande interesse pela eletrofisiologia, vindo a construir sua própria máquina de estimulação neuromuscular e a desenvolver a técnica de uso dos eletrodos de superfície. Publicou estudos de eletroneurofisiologia, dentre os quais, aqueles envolvendo a análise da contratilidade e sensibilidade eletromuscular em casos

de paralisias dos membros superiores10. Para Duchenne, a cãibra dos escrivãos seria essencialmente devido a um problema relacionado ao sistema nervoso, localizado nos nervos periféricos ou no sistema nervoso central. (Cuthbertson,1979; Ostini, 1993; Dembe, 1996; Rondot, 2005)

Coube a Alphonse Henri Notta (1824-1914)11, médico francês, cirurgião do Hospital de Lisieux e antigo interno do Hospital Civil de Paris, fazer a primeira descrição, no ano de 1850, sobre o fenômeno do gatilho do dedo causado por alterações no tendão flexor e sua bainha tendinosa, num artigo intitulado ‘Achados sobre uma afecção particular de ramos tendinosos da mão, caracterizados pelo desenvolvimento de uma nodosidade sobre o trajeto dos músculos flexores dos dedos e pelo bloqueio de seus movimentos’, publicado no periódico ‘Archives Générales de Médecine’7. (Fenoglio, Lagna-Fietta, 1968; Sato et al., 2004; Flatt, 2007)

No ano de 1915, o médico e neurologista francês Jules Tinel (1879- 1952) descreveu o ‘Sinal de Tinel’, para o diagnóstico da síndrome do túnel do carpo, o qual correspondia a uma sensação de formigamento na extremidade distal de um membro quando é feita percussão sobre o território de um nervo. (Clark, 1983; Davis, Chung, 2004)

Assim como a França, a Inglaterra foi o berço de significativas contribuições neste período. Edwyn Godfrey Scholey Gurney (1788-1854)12, médico inglês nascido em Camborne (Distrito de Kerrier, condado de Cornwall), cidade que já foi um centro de referência para mineração de estanho e cobre nos séculos XVIII e XIX, descreveu algumas alterações músculo-esqueléticas nos mineiros, caracterizadas por bursite aguda e celulite superficial sobretudo em topografia das mãos, cotovelos, joelhos e tornozelos. (Dembe, 1996)

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Os originais dos estudos correlatos em francês - Recherches faites à l’aide du galvanisme sur l’état de la contractilité et de la sensibilité électro-musculaires dans les paralysies des membres supérieures. Comptes rendus de l’Académie des sciences. 1849;29: 667-70 e De l'électrisation localisée et de son application à la physiologie, à la pathologie et à la thérapeutique (Paris, J. B. Baillière et fils, 1855; 2nd edition, 1861; 3rd editon, 1872; German edition (revised) by Johann Julius Friedrich Erdmann (1809- 1858).

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Sobre Alphonse Henri Notta, registra-se sua importante contribuição no entendimento das tenossivites, no seu artigo intitulado − Recherches sur affection particuliere des gaines tendineuses de la main, caracterisee par le developpement d'une nodosite sur le trajet des tendons flechisseurs des doigts et par l'empechement de leurs mouvements. Arch Gen Med. 1850; 24:142-161.

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Disponível em The National Archives. Will of Edwyn Godfrey Scholey Gurney, Surgeon of Camborne, Cornwall [text on the internet]. London: [cited 2008 Jan 19]. Available from:http://www.nationalarchives. gov.uk/documentsonline/details-result.asp?queryType=1&resultcount=1&Edoc_Id=41708

Merece destaque o trabalho de Charles Turner Thackrah (1795-1833), médico inglês, nascido em Leeds (norte da Inglaterra) e bastante conhecido por seu trabalho na área de medicina ocupacional, o que lhe conferiu o epíteto de ‘Pai da medicina ocupacional nos países de língua inglesa’. A primeira edição de seu trabalho sobre doenças profissionais ocorreu em 1831. A edição ampliada e revisada, em 1832, era intitulada ‘Os Efeitos de Artes, Ofícios e Profissões e cívica dos estados e hábitos de vida sobre Saúde e Longevidade, com sugestões para remoção de muitos dos agentes que produzem doenças e reduzir a duração da vida’. Nesta obra, sobre os costureiros, descreveu que “... Sentados o dia todo em atmosferas confinadas, geralmente em salas repletas, com as pernas cruzadas e a coluna arqueada... Às vezes ocorre redução da sensibilidade do dedo médio direito, assim como ocorre perda ou incapacidade funcional do nervo braquial direito...” e acerca dos funcionários de escritórios, registrou que “...São mantidos em uma carteira, exceto por um intervalo de duas horas e meia para a refeição, desde as seis e meia da manhã até as nove horas da noite... Seus músculos ficam estressados pela manutenção do corpo na mesma postura e eles freqüentemente se queixam de dores...”. (McCallum, 1985; Rosner, 1987; Cleeland,Burt; 1995; Dembe, 1996; Hardy, 2003)

Estudos sobre a cãibra do escrivão foram realizados, na Inglaterra, por George Poore e William Gowers. George Vivian Poore (1843-1904), médico inglês e professor Emérito da University College Hospital (Londres), anteriormente denominado The North London Hospital (1834), analisou minuciosamente 75 casos de cãibra do escrivão (writer’s cramp), publicando-os em 187813. O termo ‘neurose ocupacional’ para designar a multiplicidade de patologias de extremidades superiores que acometiam escrivãos, telegrafistas, cordoeiros, rendeiros e outros profissionais foi utilizado pela primeira vez por Sir William Richard Gowers (1845-1915), médico inglês, neurologista e pediatra. Ao contrário dos tempos atuais, onde o termo neurose indica uma condição mental ou psicológica, no final do século XIX ele era empregado para

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Informações sobre o The North London Hospital e University College Hospital, encontram-se disponíveis no endereço eletrônico http://www.ucl.ac.uk/Library/medical-history/clinical-med.shtml. Sobre o trabalho do Prof. George Vivian Poore, intitulado Analysis of Seventy-five Cases of “Writer's Cramp” and Impaired Writing Power e que foi publicado no períódico inglês Medico-Chirurgical Transactions (The Medical and Chirurgical Society of London), ressalta-se que o artigo completo disponível no endereço eletrônico http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid= 2150247 (Poore GV. Analysis of Seventy-five Cases of “Writer's Cramp” and Impaired Writing Power. Med Chir Trans. 1878; 61:111-46).

designar uma patologia que acometesse o nervo, sem que houvesse a identificação de uma lesão específica, ou seja, uma alteração neurológica de etiologia desconhecida. (Dembe, 1996; Tyler et al., 2000; Tyler, 2003)

Credita-se a Sir James Paget (1814-1899), médico inglês, fisiologista, patologista, cirurgião e professor de Anatomia e Cirurgia do Royal College of Surgeons of England, a primeira descrição de um caso de compressão do nervo mediano decorrente de uma fratura complicada do punho na sua obra ‘Lectures on surgical pathology’ (Paroski, Fine, mar. 1985, p.448.; Scully, Levers, set. 1994, p.375; Sternbach, mai. 1999, p.519). Neste sentido, James Ramsay Hunt (1872-1937), médico neurologista americano e professor de Neurologia da Columbia University College of Physicians and Surgeons, relatou casos de atrofia da musculatura tenar resultantes de uma lesão do ramo tenar do nervo mediano. (Sternbach, 1999)

Na Escócia, ressalta-se a contribuição do médico, anatomista, fisiologista e cirurgião, Sir Charles Bell (1774-1842). Graduado em 1799 na Universidade de Edinburgo e admitido no The Royal College of Surgeons, Bell participou do corpo médico inglês na batalha de Waterloo no ano de 1815. Foi professor das Universidades de Edimburgo e de Londres, do Colégio Real de Cirurgiões e fundador do Hospital e Escola Médica de Middlesex em Londres (1828). Na sua vasta produção acadêmica, destacam-se duas obras que têm relevância para o estudo de patologias que acometiam trabalhadores da época. Uma delas intitulada − ‘Uma exposição do sistema natural de nervos do corpo humano’ e a outra − ‘O sistema nervoso do corpo humano, compilando os trabalhos entregues à Royal Society sobre o assunto dos nervos14. Nestes estudos, o autor além de descrever o papel do estímulo elétrico na função neuromuscular, demonstrando que sob estímulos prolongados os músculos tornavam-se fatigados, perdendo sua capacidade de contração; também registrou a sintomatologia do quadro álgico que poderia acometer trabalhadores de escritório: dores, paralisias, espasmos musculares de mãos e punhos que apareciam paulatinamente e que se acentuavam com a execução

14 Títulos originais em língua inglesa − An Exposition of the Natural System of Nerves of the Human

Body e The Nervous System of the Human Body. Embracing the Papers Delivered to the Royal Society on the Subject of the Nerves.

de movimentos repetitivos. (Gejrot, 1986; Pearce, 1993; Dembe, 1996; Gardner-Thorpe, 2002; Grzybowski, Kaufman, 2007; Tomey et al., 2007)

Na Áustria, Moritz Benedikt (1835-1920), médico, neurologista e Professor da Universidade de Viena, classificou as cãibras do escrivão (writer’s cramp) em tremulares, espasmódicas e paralíticas, de acordo com a sintomatologia dominante. (Ellenberger, 1974; Dembe, 1996; Verplaetse, 2004)

Leonardo Bianchi (1848-1927), médico italiano, neuropatologista e professor de Psiquiatria e Neuropatologia das Universidades de Palermo e Nápoles, publicou em 1873, no primeiro número do periódico IL Morgagni, um caso de cãibra do escrivão (writer’s cramp ou scriveners' cramp) e, no ano de 1878, publicou no periódico The British Medical Journal um relato de cinco casos, os quais os classificou como discinesias profissionais15. (Bianchi, 1878)

Nos Estados Unidos da América, George Miller Beard (1839-1883), médico e neurologista, introduziu na literatura médica o termo neurastenia em 1869, para caracterizar o estado de esgotamento físico e mental e variados problemas somáticos relacionados com uma exaustão do sistema nervoso, sendo a mesma imputada à condição de estresse da vida moderna. As alterações ocupacionais de mãos e punhos (como aquelas que acometiam escrivãos e telegrafistas) passaram a ser intimamente relacionadas à neurastenia. (Macmillan, 1976; Pichot, 1994; Gijswijt-Hofstra, 2001; Goetz, 2001; Goetz, 2001; Schäfer, 2002; Brown, 2005)

Nesta época, Horatio Curtis Wood (1841-1920), médico americano e professor das Cadeiras de Neurologia e Terapêutica da Universidade de Pensilvânia, referia que a neurose ocupacional poderia de fato ser considerada uma neurastenia local (McClenahan, 1984; Dembe, 1996; Goetz, Pappert,1996; Southgate, 2005). Coube ao médico ortopedista americano George S. Phalen (1911-1998) a elaboração da manobra que recebeu seu nome ‘Manobra ou Teste de Phalen’, para detecção da síndrome do túnel do carpo, segundo a qual, o tamanho do túnel do carpo poderia ser reduzido,

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Sobre o trabalho do Dr. Leonardo Bianchi, intitulado A Contribution to the Treatment of the

Professional Dyscinesiæ e que foi publicado no períódico inglês the British Medical Journal, ressalta-se que o artigo completo disponível no endereço eletrônico http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender. fcgi?tool=pmcentrez&artid=2220716 (Bianchi L. A Contribution to the Treatment of the Professional Dyscinesiæ. Br Med J. 1878; 1(890):87-9). No mesmo sentido, segundo Dembe (1996), publicaram trabalhos sobre a cãibra dos telégrafos (telegraph cramp), os médicos Onimus (1875), Edward Robinson (1882), Thomas Fulton (1884) e Charles Dana (1894).

vindo a ocasionar dor de duas maneiras: segurando-se a mão afetada com o punho completamente flexionado/estendido durante 30 a 60 segundos; ou colocando-se um manguito de esfigmomanômetro no braço afetado e inflando- se a um ponto entre a pressão diastólica e a sistólica durante 30 a 60 segundos. (Phalen,1966; Phalen,1972; Vargas Busquets,1994; Sternbach,1999)

No ano de 1895, o médico suíço, cirurgião e professor da Cadeira de Cirurgia das Universidades de Basel e Berna, Fritz De Quervain (1868-1940) descreveu pela primeira vez a ‘tenossinovite estenosante do processo estilóide radial’ ou ‘Doença de De Quervain’ (Strickland et al., 1990; Rush, 2000; Ahuja, Chung, 2004; Ilyas et al., 2007); cujo estudo ao exame físico do paciente é realizado através da manobra de Finkelstein, que corresponde à sensação de dor no processo estilóide do rádio e na base do polegar, com o desvio forçado da mão para o lado ulnar, elaborada por Harry Finkelstein (1865-1939), médico e cirurgião suíço. (Murtagh, 1989; Rush, 2000; Brasil, 2001; Ahuja, Chung, 2004)