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2.1.1 Bernardino Ramazzini: resgate de sua importância e a

2.1.2.1 Idade Antiga: entre egípcios, a Bíblia, gregos e

Na Idade Antiga (de 4.000 a.C. até 476 d.C.), destacam-se os relatos contidos no Papiro Sallier (II), na Bíblia Sagrada, além dos fundamentos descritos pelos gregos e romanos no campo da medicina.

Os primórdios de referências escritas, relacionadas aos riscos do ambiente de trabalho, datam de 2360 a.C., e foram descritos num papiro egípcio, o Papiro Sallier II (ou Papyrus Sallier II), que contém a seguinte informação:

"Eu jamais vi ferreiros em embaixadas e fundidores em missões. O que vejo sempre é o operário em seu trabalho; ele se consome nas goelas de seus fornos. O pedreiro, exposto a todos os ventos, enquanto a doença o espreita, constrói sem agasalho; seus dois braços se gastam no trabalho; seus alimentos vivem misturados com os detritos; ele se come a si mesmo, porque só tem como pão os seus dedos. O barbeiro cansa os seus braços para encher o ventre. O tecelão vive encolhido – joelho ao estômago – ele não respira. As lavadeiras sobre as bordas do rio, são vizinhas do crocodilo. O tintureiro fede a morrinha de peixe, seus olhos são abatidos de fadiga, suas mãos não param e

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Uma das fontes germinativas da concepção de periodização clássica da história geral da humanidade, foi proveniente da proposição de Cristoph Cellarius (1634-1707), filósofo e historiador alemão 9com estudos nos campos de teologia e matemática), que propôs a divisão dos períodos históricos em: antiguidade, Idade Média e Idade Moderna. Embora qualquer articulação no processo histórico seja passível de críticas, essa prática torna-se indispensável para que o conhecimento histórico se torne inteligível. Sobre este assunto, consultar o trabalho do Prof. Dr. Wolf Schäfer (State University of New York at Stony Brook, Department of History, Stony Brook, New York), intitulado The New Global History Toward a Narrative for Pangaea Two e publicado no periódico alemão Erwägen Wissen Ethik, EWE (previously EuS) 14(2003)1, (http://iug.uni-paderborn.de/ewe/), apresentando-se o artigo completo disponível no endereço eletrônico http://www.sunysb.edu/globalhistory/PDF/Hauptartikel.pdf.

suas vestes vivem em desalinho" (Molina, 1977; Soto, 1978; Alvarado et al., 1999).

Os papiros de Sallier4 (assim como os de Anastasi e de D'Orbiney) foram denominados dessa maneira de acordo com aqueles que os possuíram, antes de serem encaminhados aos diversos museus da Europa (Leyde, Londres, Paris e Berlin); referindo-se respectivamente a François Sallier (colecionador francês), Giovanni Anastasi (colecionador de origem armênia) e à Madame D'Orbiney.

A Bíblia Sagrada (Livro II de Samuel 10:23), durante a descrição do reinado de Davi (1010 a 970 a.C.)5, faz a seguinte citação sobre ‘Os valentes de Davi’:

“Eleazar se manteve firme e combateu os filisteus até que sua mão, cansada, ficou colada à espada” (CNBB, 2002).

No âmbito da medicina grega, ressaltam-se dois trabalhos. Um deles, o de Hipócrates (460 a.C. – 377 a.C.), nascido na ilha de Cós, o qual foi considerado como o primeiro médico a rejeitar superstições e crendices de que forças sobrenaturais ou divinas causassem doenças, separando a medicina da religião e argumentando que a doença não seria uma punição dos deuses, mas, sim, resultado de fatores ambientais, dietéticos e hábitos de vida. Pela relevância dos seus estudos, recebeu o epíteto de ‘O pai da Medicina’. A escola hipocrática defendia que todas as doenças eram resultado do desequilíbrio no balanço de quatro humores (sangue, bile negra, bile amarela e fleuma). Em sua obra intitulada – Das Epidemias6 – Hipócrates afirma que um

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Sobre os papiros de Sallier há de se destacar a forma equivocada como os mesmos são descritos em algumas obras, utilizando-se termos errôneos como Seller e Sellier. Ressalta-se sua origem a partir do nome do colecionador francês François Sallier (1760-18310). Entre os anos de 1828 e 1830, Sallier recebeu a visita do oficial do exército napoleônico Jean Francois Champollion que estudou e traduziu os papiros de sua coleção, os quais se encontram sob a égide do Museu Britânico desde 1939. Sobre este assunto, consultar the 'Satire of Trades' - Digital Egypt for Universities, no sítio da University College London disponível em http://www.digitalegypt.ucl.ac.uk/Welcome.html

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Época aproximada do reinado de Davi. De acordo com Edward Reese (professor de Bíblia e História na Hyles-Anderson College) e Frank Klassen (engenheiro e arquiteto), autores da Obra intitulada − A Bíblia em Ordem Cronológica. São Paulo: Editora Vida; 2003 − “A opinião de homens de bem pode variar em diversos assuntos, e o mesmo vale para o campo da cronologia bíblica. Não há dois estudiosos que concordem em todas as datas. No entanto, como a variação entre os diversos padrões de datação é sempre de poucos anos, pode-se estabelecer uma cronologia básica aceitável das Escrituras”.

6 Uma versão completa da obra − Das Epidemias − de Hipócrates, traduzida por Francis Adams para a

língua inglesa “Of the Epidemics” encontra-se disponível no endereço eletrônico da Universidade de Adelaide (Austrália) http://etext.library.adelaide.edu.au/h/hippocrates/epidemics/index.html

trabalhador desenvolveu paralisia após realizar constantes e prolongados movimentos serpentiformes e giratórios nas mãos. O outro foi realizado por Claudius Galenus, Galenus de Pergamum ou Galeno (129 d.C. – 199 d.C.), nascido em Pérgamo, uma antiga cidade grega que se localizava na Mísia, no noroeste da Anatólia (atual Bergama, na Turquia), o qual descreveu a neurite cérvico-braquial e estabeleceu sua relação com a patologia vertebral. (Haas, 1991; Toledo-Pereyra, 2002; Todman, 2007)7

No que concerne a Roma, há o destaque de Aulus Cornelius Celsus ou Celso (25 a.C. – 50 d.C.), cuja principal obra intitulada ‘De Medicina’, explica a noção dos quatro sinais cardinais da inflamação - dor, calor, rubor e tumefação e permitiu que lhe fosse conferido o epíteto de ‘Cícero da Medicina’. (Spivack, 1991; Pinkster, 1995; Bauer, 1996;Tracy, 2006)

2.1.2.2 Idade Média: buscando-se a luz em poucos relatos...

Na Idade Média (476 d.C. até 1453 d.C.), merecem atenção os trabalhos de Aviccena no tratamento da dor articular e de Armand de Villeneuve no estudo da ergonomia.

Abu Ali al-Husayn ibn Abd-Allah ibn Sina, dito Avicenna, (980-1037) foi médico e filósofo e nasceu na vila de Belkh, próximo a Bukhara na Pérsia. Foi intitulado ‘O Príncipe da Medicina’. Em sua obra ‘Cânon da Medicina’ (Al- Qanun fi al-Tibb) tece o seguinte comentário acerca dos tratamentos termais ‘… les eaux sulfureuses calment lês nerfs, apaisent les douleurs, dispersent les matières morbides contenues dans les articulations’. (Urdaneta Carruyo, 1989; Masic, Ridanovic, 1993; El-Gammal, 1994; Namazi, 2001; Burns, Fulder, 2002; Naderi et al., 2003)

Quanto a Armand de Villeneuve (1253-1313)8, foi um médico francês, que dentre outros aspectos, estudou riscos ergonômicos decorrentes da adoção de posturas inadequadas. (Mellick, 1999; Vidal, 2005)

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Informações históricas relacionadas com a reumatologia podem ser acessadas no sítio do Instituto Português de Reumatologia, disponível no endereço eletrônico http://www.ipr.pt/menu/?file=texto& codigo_menu =1761&sel_men=1761

8 Neste sentido, consultar o artigo intitulado − Textos selecionados em ergonomia contemporânea − do

Prof. Dr. Mário César Vidal (Coordenador do Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias da COPPE/UFRJ), disponível no endereço eletrônico http://www.gente.ufrj.br/

2.1.2.3 Idade Moderna: fundamentos da evolução médico-científica

No período da Idade Moderna (1453 d.C. até 1789 d.C.), observa-se um grande desenvolvimento da produção médico-científica, no campo da anatomia, fisiologia, semiologia, saúde ocupacional e na descrição e caracterização de quadros patológicos relacionados aos nervos, articulações e sistema músculo-esquelético. Nesta época, foram de grande relevância os trabalhos de Paracelsus, Ambroise Paré, Vesalius, Ballonius, Cullen, Domenico Cotugno e de Ramazzini.

Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim (1493- 1541) foi um médico suíço e alquimista, que recebeu o epíteto de ‘Paracelsus’ (acima de Celsus). Introduziu o inovador conceito bioquímico de que as doenças das articulações seriam tartáricas pois, de forma idêntica ao depósito de tártaro nos tonéis de fermentação do mosto, também nelas, por insuficiência digestiva, precipitar-se-iam produtos de degradação. Para drenar os produtos de degradação, preconizou a cura termal, os purgantes, o tártaro sob forma de sais, o ouro coloidal e o enxofre. Deve-se-lhe, ainda, o termo sinóvia (semelhante à clara do ovo), para designar o fluido viscoso da cavidade articular, o qual foi o primeiro a descrever. (Haas,1991b; Cockayne, 2002)

A profissão médica no século XVI compreendia três classes: em primeiro lugar situavam-se os médicos, que possuíam maiores conhecimentos teóricos, usavam o latim em seus escritos e se consideravam a elite da profissão. Vinham a seguir os cirurgiões, que tratavam feridas e traumatismos externos, faziam amputações, praticavam a talha para tratamento da litíase vesical, lancetavam abscessos e usavam o cautério. Por último, estavam os cirurgiões- barbeiros, que faziam sangrias, aplicavam sanguessugas e ventosas, barbeavam seus fregueses e, por vezes, concorriam com os cirurgiões abrindo abscessos e fazendo curativos. (Rezende, 2002)

Ambroise Paré (1510-1590) nasceu em Bourg-Hersent, próximo a Laval, França. Não era médico e iniciou sua carreira como aprendiz de cirurgião- barbeiro na cidade de Laval, no interior da França. Foi indicado como cirurgião militar do exército francês, participando das campanhas da Itália de 1536 a 1545. Em 1564 publicou ‘Dix livres de la Chirurgie’ e, em 1575, aos 65 anos de

idade, reuniu todos os seus trabalhos sob o título ‘Les Oeuvres de M. Ambroise Paré, avec les figures et les portraits de l'Anatomie que des instruments de chirurgie et de plusieurs monstres’. Denominado ‘O pai da moderna Cirurgia’, foi o primeiro a descrever as lesões dos cistos sinoviais. (Lindskog, 1971; Bloch, 1991; Shah, 1992; Sherzoi, 1999; Dumaître, 2001)

Contemporâneo de Paré, Andreas Vesalius (1514-1564), médico e anatomista belga, freqüentou as Universidades de Louvain, Paris e Pádua, tendo sido denominado ‘O pai da anatomia moderna’. Publicou em 1538, a ‘Tabulae Anatomicae Sex’, obra que, pela primeira vez, em séculos, veio a corrigir diversos equívocos de Galeno, com desenhos artísticos de ossos e músculos humanos. No ano de 1543, lançou ‘De Humani Corporis Fabrica, Libri Septem’, descrevendo originalmente a anatomia e as alterações do disco intervertebral. Esta obra dedicava-se ao estudo dos ossos, músculos, artérias e veias, sistema nervoso, órgãos abdominais, coração, pulmões e cérebro, tendo sido condensada em outra obra denominada ‘O Epítome’, que foi editada para que os estudantes a utilizassem na mesa de dissecação. (Norwich,1967; Benini, Bonar, 1996; Tierney, 1996; Biesbrouck, 2006;Vons, 2006)

O primeiro médico a ter uma noção moderna dos reumatismos foi o francês Guillaume de Baillou ou Ballonius (1538-1616)9. Em sua obra póstuma, intitulada ‘Liber de Rheumatismo Opera Medica Omnia’, classificou as patologias reumáticas em: crônicas (com contratura e incapacidade permanente); passageiras (com recidivas); intercorrentes (no decurso de doenças crônicas); e com dores não articulares. Descreveu patologias reumáticas e degenerações de mãos e punhos em 1591. (Bloch, 1979; Dembe, 1996; Oliveira, 2006; Instituto Português de Reumatologia, 2005)

As relações entre as alterações da coluna vertebral, o lumbago e a ciática foram bem estudadas por William Cullen (1710-1790), médico e químico escocês, em sua Obra 'Synopsis Nosologiae Methodicae’ datada de 1785 (Balint et al., 2006); enquanto que o quadro clínico da dor ciática foi minuciosamente descrito em 1764, pelo médico Italiano, professor de Anatomia da Universidade de Nápoles e Diretor do Hospitale Ospedale degli

9 Sobre Guillaume de Baillou, consultar os artigos intitulados − Guillaume de Baillou (1538-1616)

clinician and epidemiologist. JAMA. 1966;195(11):957 e Guillaume de Baillou, M.D. (1538-1616): portrait of a sixteenth-century Renaissance pathfinder. N Y State J Med. 1979;79(3):406-7.

Incurabili, Domenico Felice Antonio Cotugno (1736-1822), na obra ‘De Ischiade Nervosa Commentarius’. (Böni et al.,1994)

Ressalta-se que foi na Idade Moderna que viveu o mais expressivo médico no campo da saúde ocupacional, Bernardino Ramazzini (1633-1714), o qual recebeu o epíteto de ‘Pai da Medicina do Trabalho’ ou ‘Pai da Saúde Ocupacional’. Ramazzini foi autor de vários trabalhos no campo da medicina, epidemiologia, higiene, literatura, poesia, meteorologia e hidrologia. Sua obra mais conhecida é o livro ‘De Morbis Artificum Diatriba’, traduzido em português para ‘As Doenças dos Trabalhadores’. Introduziu a preocupação com o tipo de trabalho como um importante quesito da anamnese médica, descrevendo as doenças relacionadas a mais de cinqüenta ocupações e propondo que se acrescentasse a pergunta ‘qual é a sua ocupação?’ (ou ‘que arte exerce?’, de acordo com a tradução mais próxima do texto original) aos modelos hipocráticos fundamentais da anamnese. (Ramazzini, 1999; Franco, Franco, 2001; Pope, 2004)