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CAPÍTULO I: Problematização teórico-metodológica

2. Estado da Arte

A vida e obra do Pe. António Vieira e de Fernando Pessoa têm sido muito abordadas por inúmeros estudiosos e analistas críticos, sempre de um ponto vista mais teórico e literário, dada a beleza e empolgamento do seu estilo singular, papel reconhecido por muitos estudiosos e investigadores nacionais e estrangeiros.

Partindo do pressuposto de que todo o homem possui um ideal que o anima, e nesse ideal patenteia o sentido fecundo da sua criação, da sua obra e da sua vida, neste sentido apresentaremos o que mais de importante se tem dito sobre Pe. António Vieira e Fernando Pessoa. Para tal recorremos a autores de referência pelos quais se reparte e dilui a divulgação e citação que deles se tem feito em muitos obras e estudos académicos a vários propósitos.

Apesar de o Pe. António Vieira ser um autor muito estudado, constatamos que um melhor conhecimento da obra vieirina muito terá a ganhar se alguns aspetos menos esclarecidos, nos quais incluímos o nosso por ser novidade, puderem ser analisados em profundidade à luz de novos dados entretanto descobertos pelo trabalho de investigação ou pela renovação metodológica que o progresso científico e humano sempre fomenta.

Um olhar mais objetivo e mais atrativo sobre o conteúdo do discurso, especialmente da sermonística e da força humanista e emocional que animou a vida e a obra vieirina, fundamenta

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um trabalho de investigação deste teor e profundidade por nunca ter sido antes realizado. Como tal, este estudo aspira ser um humilde, mas sério contributo para todos os estudiosos vieirinos que querem entender o alcance desta proposta. Será importante, estamos em crer, torná-la fecunda para a Língua e Cultura Portuguesas do presente e do futuro, ainda que num contexto histórico e cultural distinto, mas sempre atualizável e útil para os desafios contemporâneos.

Examinaremos a vida e obra do Pe. António Vieira enquadrando-a sobretudo na redescoberta do que se tem estudado, tentando desvendar uma nova abordagem neste caso monográfica e nada panorâmica sobre uma faceta ainda meio escurecida de uma figura que se exprimiu nos seus sermões em língua portuguesa, para tentar ultrapassar os desafios e os gravíssimos problemas, consequência das mudanças culturais trazidas pela primeira globalização em que todos os povos começaram a estar relacionados uns com os outros. Vieira é um exemplo desse cidadão do mundo, do homem e de Deus.

A visão do homem universal e da globalização evidencia-se claramente nos seus sermões, especialmente no sermão da Rainha Santa Isabel, onde Vieira afirma: “Este mundo, senhores, composto de tanta variedade de estados, ofícios, exercícios públicos e particulares, políticos e económicos, sagrados e profanos, nenhuma outra cousa é senão uma praça ou feira universal, instituída ou franqueada por Deus a todos os homens, para negociarmos nele o Reino do Céu” (Vieira 1959a: 72). É a clara expressão da globalização. Podemos dizer que é o mundo interior da consciência humana de Vieira que o fez transbordar das limitadas fronteiras ibéricas e lhe conferiram já, a nosso ver, uma dimensão universal, global e planetária.

Hoje, o Pe. António Vieira merece uma enorme admiração de diversos críticos e estudiosos pelas causas defendidas, enquanto religioso, pregador, missionário, diplomata, pensador, teólogo, profeta, humanista, escritor, ensaísta, e esteta da linguagem. Vieira tem sido muito estudado pelo seu estilo oratório, pela sua obra missionária, pelas suas ideias filosóficas e humanísticas, pelas suas opções políticas, pelas suas utopias, mas tanto os seus biógrafos como os seus críticos e admiradores nunca abordaram, sistemática e coerentemente, a temática dos Direitos Humanos nos sermões, principalmente a própria criação ideacional e a linguagem simbólica dos mesmos em profundidade.

Abordaremos, tendo em atenção o tema eleito, a linguagem do Pe. António Vieira e, dentro dela, a criação ideacional dos Direitos Humanos, especialmente nos sermões, uma forma primeiramente oral de comunicação e mais tarde impressa – geradora da ideia precursora dos Direitos do Homem, num tempo histórico, denominado por alguns como a primeira globalização, iniciada no séc. XV-XVI e continuada pelo séc. XVII-XVIII.

Tendo em atenção o estado da arte do tema proposto ou o conhecimento deste tema particular é de salientar que o relevo humanista, considerando os direitos dos índios e negros, já foi anunciado pelo seu primeiro biógrafo, André de Barros (1675-1746), mas nunca mais foi desenvolvido por nenhum outro dos seus principais biógrafos posteriores: João Francisco Lisboa (1812-1864), João Lúcio de Azevedo (1855-1997) e Hernâni Cidade (1985).

Conquanto tenham as obras dos grandes cultores nacionais o condão de fomentar nos que as estudam um certo contraste entre as grandes visões que abarcam e o conjunto de problemas que elas oferecem às sucessivas gerações de investigadores, isto explica, em nossa opinião, que para a obra do Pe. António Vieira continuam a escassear ainda estudos que aprofundem, completem ou, por ventura, corrijam aspetos fundamentais que grandes investigadores vieirinos bastante conhecidos deixaram apenas enunciados ou incompletamente analisados e referenciados, ou mesmo nunca abordados, não por falta de interesse ou muito menos de saber, mas porque o seu estudo ou desenvolvimento estava fora dos seus objetivos ou comprometia o equilíbrio retórico, que se impunha com maior ou menor oportunidade na abordagem que faziam da vida e obra do Pe. António Vieira.

Do conjunto desses investigadores, pelo carisma e importância do discurso e do conhecimento científico revelado na retórica das teses que defenderam sobre Vieira, destacaremos, na vertente teórico-literária, Margarida Vieira Mendes (1989), Alcir Pécora (1994), José Eduardo Franco (2007-2008), João Mendes (1982), Padre António Vieira (1959a), Raymond Cantel (1959), António José Saraiva, (1992), Miguel Real (2007), Padre António Vieira (1938), António Sérgio e Hernâni Cidade (1951). Evidenciamos na vertente profética, Adma Muhana (1994), Paulo Borges (1995), João Francisco Marques (2008), Maria Leonor Carvalhão Buescu (1982), Padre António Vieira (1983) e Malheiro Perdigão (1976).

Ainda sobre Vieira foram publicados textos ilustrados com as capas das edições dos seus livros, fotos da sua escrita, de alguns objetos que fizeram parte do seu quotidiano (uma cadeira, uma secretária, um crucifixo e um relicário) e de pinturas que o retrataram. Contudo, nunca se evidenciou com clareza o seu caminho, o terreno da sua ação, desde os púlpitos onde pregou os seus sermões, investido de uma linguagem e cultura humanista, defensora dos direitos humanos como direitos universais e culturais e muito menos a criação ideacional dos direitos humanos, até aos igarapés por onde navegou durante centenas de dias.

O Pe. António Vieira sempre deu um especial relevo à sua itinerância entre Portugal, a Europa e o Mundo, a calcular pelo número de páginas e de referências que lhes dedicou nos seus escritos ao longo da sua vida.

Neste âmbito, será de justa e de prospetiva conveniência neste estudo olhar de novo a figura e obra do Pe. António Vieira, essa estrela, misto de génio, mago e aventureiro, que será revisitada, não por imposição académica, mas mais como dever de homenagem e de serviço cultural a um dos maiores vultos nacionais das Letras. Vieira afigura-se-nos como um desses cidadãos do mundo, em tempos de globalização ou encontro de culturas e de choques de civilizações, levando-nos como tal a revisitar, com uma visão que cremos inovadora, os problemas e dramas do tempo humano de Vieira.

A vida de Vieira, repartiu-se por três continentes do mundo global e planetário, e desde logo, dentro do espírito religioso e missionário ao serviço da Companhia de Jesus, Vieira abriu novos horizontes ainda pouco estudados que marcariam a sua vida e obra para sempre pelos Direitos Humanos.

Na abordagem ao estado da arte relativo ao poeta Fernando Pessoa, nas linhas que têm norteado toda a investigação destes últimos anos em torno deste autor e dos seus textos, bem como a sua repercussão em aspetos tão diversos da Língua e Cultura Portuguesas, como são a linguagem simbólica e a criação ideacional dos Direitos Humanos na poesia de Fernando Pessoa, figura relevante da Literatura Portuguesa que se destacou no panorama literário- histórico-cultural e mesmo político do séc. XX.

Assim, estudaremos a presença dos Direitos Humanos no projeto estético-literário- poético de Fernando Pessoa Ortónimo, Heterónimo e Pseudónimo do próprio Fernando Pessoa, uma figura incontornável das ideias do modernismo / futurismo em Portugal, um poeta que não queria ser apenas escritor, mas toda uma Literatura e uma Cultura Portuguesa, uma tarefa árdua dado o universo da obra poética Pessoana, mas muito dignificante, por tratar os Direitos Humanos na obra Pessoana, uma corrente ainda pouco adivinhada na poesia do poeta. Por isso, encontraremos também na poeticidade místico-cristã de Fernando Pessoa o resgate e a apresentação clara dos valores e dos Direitos Humanos. Pessoa deseja retomar a poesia como o canto de louvor dos valores dos Direitos Humanos que o cristianismo parece ter perdido. É claro que esta conceção tem a ver com as crenças do poeta ligadas a matérias esotéricas como o ocultismo, a maçonaria, a cabala, a astrologia, a alquimia… Não sei se temos o humanismo em prol dos Direitos Humanos no poeta ortónimo ou heterónimo ou simplesmente no homem, Fernando Pessoa.

Este caminho servirá de desafio para mais um trabalho de investigação entre muitos outros estudos já realizados sobre Fernando Pessoa no que concerne aos Direitos Humanos em Fernando Pessoa na Modernidade. Mais do que recordar os bem conhecidos passos da

acidentada “biografia de Pessoa” (Simões 1991), veremos a forma como eles se refletem e se entrelaçam em toda a sua obra. Numa outra abordagem iremos procurar as linhas que têm norteado a investigação destes últimos anos em torno deste autor e dos seus textos, bem como a sua repercussão em aspetos tão diversos da Língua e Cultura Portuguesas.

A vida agitada de Fernando Pessoa, devido ao seu temperamento, levou-o a bater-se sem reservas pelas causas a que se dedicou, o seu humanismo e o seu idealismo utópico, combinado com uma grande atenção às realidades da cidade dos homens, tudo isso se revela na sua obra literária abundante, diversificada e plural, obra que reflete as múltiplas facetas do seu autor, do seu percurso biográfico, das suas atividades, dos seus pensamentos e das suas emoções. Trata-se, pois, de uma obra vária e múltipla, como várias e múltiplas são as máscaras deste homem e diversos os espaços por onde a sua ação se desenvolveu no tempo e no espaço. Figura apaixonante que continua a impor-se na atualidade aos leitores de todo o mundo, mesmo àqueles que apenas procuram na sua obra poética a defesa e o respeito pelos Direitos Humanos. Com este trabalho de investigação procuramos globalizar o sentido indispensável da existência e da dignidade humana no respeito e cumprimento dos direitos humanos através da vida e do pensamento plasmado na obra pessoana numa ética e numa pedagogia difusora de um Humanismo global através da Cultura Cívica (Martins 2005), dos Valores e dos Direitos Humanos.

Esta incursão investigativa traduzirá de forma inovadora a visão humanista, dado o contexto de uma obra global e planetária pessoana, que patenteia a contenda entre o mundo velho intolerante e reducionista do homem e o mundo novo do modernismo resultante do pensamento global e universal de uma nova visão humanista do homem, visão aberta à intemporalidade detetável na ideia dos Direitos Humanos como lema de vida, dentro da obra poética de Fernando Pessoa, a par da divulgação que se faz através da sua vida e obra em Língua Portuguesa.

Assim, contribuiremos para o Estado da Arte com mais esta investigação sobre os Direitos Humanos no projeto estético-literário-humano de Fernando Pessoa, mais um contributo para o conhecimento sobre Fernando Pessoa, mas que, ao mesmo tempo, não nos faça perder no labirinto que é a análise da obra pessoana.

Por opção, escolhemos trilhar um caminho que no início focalizasse o geral para ir ao específico, isto é, inicialmente partir do todo para depois atingir as partes no que concerne mais especificamente com a questão levantada, descendo ao essencial da análise de vários poemas

específicos da extensa e labiríntica obra poética pessoana por corresponderem mais ao tema deste estudo.

Toda a nossa leitura partirá de uma abordagem geral da vida e obra de Fernando Pessoa, da sua correspondência e de estudos abrangentes em torno de seu material literário, seguindo pelo caminho daqueles investigadores que mais pesquisam e referem a influência humanista, passando por leituras de estudiosos que esclarecem ou permitem de alguma forma um entendimento mais ajuizado do papel dos Direitos Humanos na poética pessoana.

Ainda como referência neste estudo, destacamos a biografia de João Gaspar Simões intitulada Vida e obra de Fernando Pessoa, por considerarmos, pesem embora as muitas críticas, ser uma obra de referência no conhecimento da personalidade e da formação do poeta, pela riqueza de informações e detalhes sobre a sua vida e a sua obra literária muito útil para urdir esta dissertação.

A necessidade de compreender como foram os contactos e as primeiras relações de Fernando Pessoa com o tema, e de como essas relações se desenvolveram ao longo do perfil e travejamento humano de Pessoa, foi fundamental para a escolha desta biografia do poeta (Simões 1991). Escolhemos também, por ser relevante a Correspondência entre Fernando

Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, 1916, editada por Teresa Sobral Cunha, a par com a obra da

autoria de Adolfo Casais Monteiro A poesia de Fernando Pessoa, pois achamos a eleição da primeira obra uma valiosa fonte de informação face às relações intelectuais e aos grandes laços de amizade estabelecidos entre os dois poetas do Modernismo / Futurismo em Portugal, e também por mostrar como Pessoa com entusiasmo dá a conhecer a temática exotérica e ocultista a Mário Sá-Carneiro, matéria com influência na vertente humanista do poeta (Cunha 2003).

A segunda obra foi escolhida por nos dar a conhecer a grande importância que o exoterismo e ocultismo têm para Pessoa e que justifica a sua utilização como matéria-prima e rumo da sua criação estético-poética-humanista (Monteiro 1985). Outras leituras indicadas nas referências bibliográficas, contribuíram para a fundamentação mais geral do tema em foco e foram utilizadas para que definíssemos trajetos mais específicos sobre o papel dos Direitos Humanos num entendimento maior sobre o tema, os Direitos Humanos no projeto estético- poético-humano Pessoano.

Consideramos ainda de grande relevância a leitura de outras obras bastante conhecidas, por abordarem com alguma profundidade a relação de Fernando Pessoa com o oculto, com repercussões no entendimento que o poeta tem em matéria de Direitos Humanos, como: A

conceito de Quinto Império, desde António Vieira até à sua manifestação na obra poética Pessoana importante para este estudo (Telmo 1987); O esoterismo de Fernando Pessoa, de Dalila Pereira da Costa, na qual defende que o único conhecimento que realmente interessa ao poeta português é o incomum, vindo do interior da alma Pessoana, aquele que não pode ser compreendido apenas pela razão – daí, estaria a explicação do pensamento pessoano ser o pensamento poético e contemplativo, único da condição humana (Costa 1987); Fernando

Pessoa – Vida, personalidade e génio, de António Quadros, na qual no seu enfoque biográfico,

retrata Fernando Pessoa tendo em conta toda sua trajetória, genealogia e hereditariedade, infância, viagens, juventude, trabalhos literários em vida, revistas, idade adulta até ao falecimento do poeta. António Quadros reproduz o perfil intelectual, psicológico e afetivo do poeta pessoano (Quadros 1984).

Apresentaremos aspetos muito relevantes acerca da vida e da obra de Pessoa, e que nos interessam muito, questões importantes como a mediunidade, o caminho alquímico, a relação do poeta com Deus e o espírito da verdade, e finalmente destacamos a obra A alquimia da

linguagem de autoria de Maria Lúcia Dal Farra, onde esta analisa a poesia de Fernando Pessoa

como processo alquímico, explicando que a transmutação e a alquimia levam o homem de volta à sua própria natureza humana, pela conversão de muitos elementos em um, e um elemento em muitos.

Considerando todos os elementos naturais como aqueles que fazem parte do ser e se confundem com ele, o processo alquímico seria, para a autora, uma espécie de transmutação evolutiva do Ser-Poético na imanência das substâncias à reciprocidade entre as manifestações da natureza e do homem. Como as energias vitais encontram-se no homem de modo desordenado, convém que, por meio de um processo alquímico, a ordem seja estabelecida. Pensamos ter sido assim com Pessoa.

No dizer de Maria Lúcia Dal Farra, “a finalidade é justamente a reintegração consciente dessa força de vida existente na natureza, no homem: a operação concluída indica a obtenção do “ouro”, a superação da condição “humana” (Farra 1986: 45). Este processo alquímico dar- se-á pelo autoconhecimento e pelo conhecimento do outro, pela compreensão simultânea do homem e do mundo, ou, quem sabe, pelo sentir tudo de todas as maneiras, uma das grandes obsessões de Pessoa em todo o seu lema de vida e de criação poética, ideal fundamento dos Direitos Humanos.

Podemos ainda eleger outras obras de autores estrangeiros traduzidas para português, importantes para o nosso estudo por serem consideradas referenciais dentro da teosofia e

ocultismo, como por exemplo Helena Blavatsky e Annie Besant, para além de outros livros com informações sobre a presença e a influência do ocultismo no fim do século XIX e no início do século XX. Além destes, destacamos outros autores como Brunello de Cusatis e Ivette Kace Centeno, por darem à luz estudos sobre o papel do ocultismo na poesia de Pessoa. Ivette Kace Centeno afirma que Fernando Pessoa foi um filósofo hermético consciente e assumido, um

maçon, e que a prática da sua poesia, além de literária, foi mística. Segundo a autora, “para

Fernando Pessoa a vida não existe, o que existe é a via e a transformação” (Centeno 1985: 10). Ainda utilizaremos dentro deste horizonte, a obra conhecida e assinada pelo próprio poeta Fernando Pessoa.