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CAPÍTULO II: Direitos humanos: tradição e modernidade

2. Das primitivas declarações de direitos até à contemporaneidade

2.3. A Petition of Rights e a Bill of Rights

Carlos I, rei de Inglaterra, foi forçado a reconhecer, pela subscrição da Petition of Rights (Petição de Direitos), em 1628, diversas proteções tributárias que garantiam a liberdade do indivíduo no caso de inadimplência.

A Bill of Rights (Petição de direito) de 1689, oficialmente An Act Declaring the Rights and Liberties of the Subject and Settling the Succession of the Crown, comumente chamado

Bill of Rights, pôs fim ao regime absolutista, pela primeira vez desde que surgiu na Europa.

Depois, Carlos II recebeu idêntica pressão e, pela assinatura do Habeas Corpus

Amendment Act, que regulamentava esse instrumento jurídico de garantia pessoal anteriormente

previsto na Common Law, que garantia a “liberdade e a segurança” individual contra as prisões e as penas arbitrárias, tornou obrigatória a apresentação rápida perante um juiz cuja independência deve ser assegurada em relação ao poder executivo.

A Petition of rights e a Bill of Rights são exemplos de pactos escritos que foram moldando o constitucionalismo inglês e lei inglesa, com a progressiva limitação do poder dos governantes e da burguesia. Foram-se aprimorando as ideias de liberdade dos cidadãos, do tribunal de júri, do Habeas Corpus, da liberdade religiosa, do acesso à justiça, e do processo legal devido.

A declaração de direitos BilI of Rights, de 1689, como podemos (ver Anexo I), surgiu dotada de 13 (treze) artigos que cristalizavam e consolidavam os ideais políticos do povo inglês, exprimindo significativas restrições ao poder do Estado, impondo o princípio da legalidade, criando o direito de petição e imunidades parlamentares.

Entretanto, a BilI of Rights restringia vigorosamente a liberdade religiosa. No entanto, as liberdades pessoais que se procuraram garantir pelo Habeas Corpus e pela Bill of Rights não beneficiavam todos os súbditos de Sua Majestade, mas preferencialmente o clero e a nobreza. A novidade era que, pela sua formulação mais geral e abstrata relativamente à Magna Carta, a garantia dessas liberdades individuais acabou por beneficiar muito a burguesia rica. Pode-se mesmo afirmar que, sem esse novo estatuto das liberdades civis e políticas o capitalismo industrial dos séculos seguintes dificilmente teria prosperado.

O Habeas Corpus consagrava a proibição de quaisquer detenções que não fossem acompanhadas de ordem expressa e escrita, impondo ainda que os detidos fossem presentes a um Tribunal, no prazo máximo de três dias. Em 1689, Guilherme e Maria de Orange foram confrontados com a necessidade de aceitarem a declaração de direitos elaborada pelo parlamento inglês, a Bill of Rights (Lei de direitos do cidadão), como condição tácita do seu acesso ao trono deixado vago por Jaime II.

Em consequência da Revolução Gloriosa de 1688, que marca o fim definitivo da prerrogativa da coroa britânica sobre o parlamento, surgiu o segundo documento basilar sobre a proteção de direitos dos indivíduos face ao Estado, a Bill of Rights, declaração inglesa de direitos, de valor nacional, que baseia a realeza na soberania nacional e não no direito divino, apresenta a supremacia da lei em relação ao rei, a soberania do parlamento, o direito de petição e de voto, a liberdade individual e as garantias judiciárias.

Foi apenas sob a égide de Guilherme de Orange que as liberdades e garantias foram efetivamente respeitadas, com o fim do absolutismo monárquico na Inglaterra. Os direitos consagrados na “Magna Carta” foram restabelecidos com a declaração de direitos de 1689, Bill

of Rights e demais atos posteriores. Guilherme de Orange tornou-se rei da Inglaterra com o

nome de Guilherme III, depois de assinar a Bill of Rights, em 16 de Dezembro de 1689, tendo instituído um governo parlamentar.

Na Declaração de direitos estão os limites de atuação do monarca. Ele foi obrigado a submeter ao parlamento a aprovação de qualquer aumento de impostos e devia garantir a liberdade de imprensa, a liberdade individual e a liberdade de propriedade privada.

O anglicanismo foi confirmado como religião oficial e toleraram-se todos os credos, menos o católico. Observou-se uma alternância entre a nobreza latifundiária e a burguesia urbana. Desta forma a monarquia absoluta inglesa foi substituída pela monarquia constitucional, que limitou a autoridade real com a Declaração de direitos (Constituição), assinalando a ascensão da burguesia ao controle do Estado. Qualquer das declarações

enunciadas não tinha geral, universal ou nacionalista, limitando-se a atualizar os antigos direitos e liberdades dos ingleses.

A Bill of Rights era já uma Declaração de direitos, próxima do modelo que foi estabelecido depois pela Declaração francesa, apesar de o seu sentido não ser a proclamação (com alcance filosófico-universal) de direitos individuais, quanto à regulação das relações mantidas entre a coroa, os nobres e os representantes da sociedade presentes no parlamento, com vista a subtrair o seu funcionamento ao capricho dos monarcas. A Bill of Rights proibia a imposição de tributos sem o prévio assentimento dos representantes dos nobres e do povo e negava ao rei certas faculdades, como a de suspender as leis ou dispensar o seu cumprimento, de manter um exército permanente, de estabelecer tribunais de exceção e de coartar a liberdade dos eleitores e eleitos do parlamento. Este documento teve implicações na institucionalização permanente da separação dos poderes do Estado, à qual, meio século depois, se referiu elogiosamente Fábio Konder Comparato:

A partir de 1689, na Inglaterra, os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativa do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento. Por isso mesmo, as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão político diante do chefe de Estado (Comparato 2008: 93).

A Bill of Rights influenciou fortemente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em França e a Constituição Americana, na América do Norte. Embora não tenha sido uma declaração de direitos dos cidadãos propriamente dita, o documento representou a definitiva divisão de poderes no Estado inglês, criando, nas palavras de Fábio Konder Comparato,

aquilo que a doutrina constitucionalista alemã do século XX viria a denominar, sugestivamente, uma garantia institucional, isto é, uma forma de organização do Estado cuja função, em última análise, é proteger os direitos fundamentais da pessoa humana (Comparato 2008: 93-94).

A Bill of Rights é considerada ainda hoje como um dos mais importantes textos constitucionais da Grã-Bretanha e integra a Constituição (material) do Reino Unido.