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O Estado e a difusão vertical do modelo Parque Nacional: o caso do Jaú

CAPÍTULO II – A VIAGEM DAS PRÁTICAS POLÍTICAS: A DIFUSÃO DA

2.3 A Difusão dos modelos de Área Protegida

2.3.1 O Estado e a difusão vertical do modelo Parque Nacional: o caso do Jaú

O Parque Nacional do Jaú (PARNA Jaú), criado em 24 de setembro de 1980, pelo Decreto 85.200, situa-se no estado do Amazonas, a 200km da capital, Manaus, e possuindo uma área de 2.272.000 hectares, entre os municípios de Novo

Airão e Barcelos, abarcou praticamente toda a bacia hidrográfica do rio Jaú (rio de água preta). De acordo com o decreto de sua criação, os limites do parque foram assim definidos: o rio Negro, a leste, a margem direita de parte do rio Unini, a norte, estendendo-se até o rio Paunini, e o rio Carabinani, ao sul.(Vide Figura 2)

A criação do PARNA Jaú fez parte de um processo que ocorria desde meados de 1970,objetivandoa realização de estudos em áreas amazônicas para a criação de reservas biológicas. O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestais (IBDF), por sua vez, alterou a categoria de manejo de Reserva Biológica para Parque Nacional. A atual gestora do PARNA-Jaú,Mariana Leitão, relatou-me, um pouco, desta história:

Os pesquisadores do INPA ofereceram-se para ajudar o governo a encontrar áreas aqui na Amazônia de importância ecológica, biológica, rica para fazer uma unidade de conservação. Os pesquisadores encontraram o Jaú e fizeram um relatório, em 1976. Eles sugeriram que a reserva abrangesse toda a bacia hidrográfica do rio Jaú, que os limites fossem o rio Carabinani e o rio Unini, pois o rio Jaú ficaria bem preservados no meio da UC. Esse relatório também mencionava que existiam pessoas morando nestas áreas, mas para o governo, isto não era um obstáculo, porque estas pessoas poderiam ser indenizadas e deixariam a área do parque fazendo a regularização fundiária. O relatório sugeria que fosse criado uma Reserva Biológica, modelo mais restritivo, mas, devido a beleza cênica apontado no relatório, o governo decide criar uma Parque Nacional, pois isto permite a realização de atividades turísticas. Então, em 1980, o governo faz o Decreto criando o Parque Nacional (Mariana Leitão, pesquisa de campo, novembro de 2013).

Abaixo, mostro a localização do Parque Nacional do Jaú, com seus limites( Figura 3).

Figura 3 - Noroeste da Amazônia com a localização do Parque Nacional do Jaú

A pergunta que orienta nossa discussão é: por que a Nacional e não outro modelo

ocorre muito antes de 1980, ano de criação do PARNA Jaú. Existe um consenso de que o primeiro modelo de Parque Nacional criado no mundo foi o Parque de Y

nos Estados Unidos, em 1872

partir de 1876, por sugestão do engenheiro e conselheiro de D. Pedro I

Rebouças, e já inspirado no Parque de Yellowstone, que houve a primeira iniciativa de criação de um Parque Nacional

notoriedade na então capital do Império, Rio de Janeiro, ao solucionar o problema do abastecimento de água, trazendo

2001).

As florestas próximas à

sofrerem devastação, ainda antes de 1800, por dois motivos. Primeiro, apropriadas por lucrativas fazendas de caf

membros da família real, a partir de 1808 a crises no abastecimento de á

nos anos seguintes. A situação demonstra que a preocupação com a preservação da floresta já era uma questão deste os tempos doI

Fonte: Borges (2007).

Noroeste da Amazônia com a localização do Parque Nacional do Jaú

A pergunta que orienta nossa discussão é: por que a escolha de um Parque e não outro modelo? O processo de criação de Parques Nacionais no Brasil ocorre muito antes de 1980, ano de criação do PARNA Jaú. Existe um consenso de que o primeiro modelo de Parque Nacional criado no mundo foi o Parque de Yellowstone

em 1872 (MEDEIROS, 2006; DIEGUES, 2004). No Brasil, é a partir de 1876, por sugestão do engenheiro e conselheiro de D. Pedro I

Rebouças, e já inspirado no Parque de Yellowstone, que houve a primeira iniciativa de criação de um Parque Nacional (MEDEIROS, 2006). André Rebouças

notoriedade na então capital do Império, Rio de Janeiro, ao solucionar o problema do abastecimento de água, trazendo-a de mananciais de fora da cidade (TRINDADE,

As florestas próximas à cidade do Rio de Janeiro teriam sido as primeiras a antes de 1800, por dois motivos. Primeiro, por terem sido s por lucrativas fazendas de café e, segundo, por terem sido ocupadas por a partir de 1808 (BARRETO FILHO, 2004). A situação levou a crises no abastecimento de água e a uma série de programas de recuperação

nos anos seguintes. A situação demonstra que a preocupação com a preservação da a uma questão deste os tempos doImpério.

Noroeste da Amazônia com a localização do Parque Nacional do Jaú

escolha de um Parque ? O processo de criação de Parques Nacionais no Brasil ocorre muito antes de 1980, ano de criação do PARNA Jaú. Existe um consenso de que ellowstone, . No Brasil, é a partir de 1876, por sugestão do engenheiro e conselheiro de D. Pedro I, André Rebouças, e já inspirado no Parque de Yellowstone, que houve a primeira iniciativa de . André Rebouças ganhou notoriedade na então capital do Império, Rio de Janeiro, ao solucionar o problema do ora da cidade (TRINDADE,

cidade do Rio de Janeiro teriam sido as primeiras a por terem sido por terem sido ocupadas por . A situação levou da floresta nos anos seguintes. A situação demonstra que a preocupação com a preservação da

Quando surge a ideia de criação de parques nacionais no Brasil, através das sugestões de André Rebouças, inicialmente foram criados dois Parques Nacionais: um em Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal (MEDEIROS, 2006), em 1876 (dois anos depois do Parque de Yellowstone). O expediente causado pela criação destes parques gerou uma ampla discussão nos anos seguintes, todavia, a efetiva criação de parques nacionais só realizou-se, concretamente, no Brasil, após a Proclamação da República (MEDEIROS et al, 2004).

O primeiro estímulo nesta direção foi a publicação da obra “Mapa Florestal do Brasil”, em 1911. Fruto da tendência internacional de criação de áreas protegidas, a publicação teve como objetivo dar subsídios ao governo brasileiro para a criação de áreas protegidas no modelo dos parques nacionais (MEDEIROS, 2006). A publicação da obra seguia o modelo norte-americano de preservação da natureza para a criação de áreas protegidas, no qual buscava-se a manutenção da beleza cênica da natureza e a preservação de exemplos florestais ainda intactos pelo homem (COSTA, 2003), ou seja, a natureza intocada (DIEGUES, 2004).

O resultado deste movimento atingiu, diretamente, a Amazônia com a criação de dois Parques Nacionais no território do Acre, via Decreto presidencial (MEDEIROS, 2006), tido por muitos como a primeira Área Protegida do Brasil, mesmo antes da criação do Serviço Florestal, em 1921 (BARRETO FILHO, 2004). Note-se que a Reserva Florestal do Acre, seguia, em detalhes, o modelo norte-americano, no sentido de criação de parques ou reservas afastados dos centros urbanizados, localizadas em áreas consideradas fronteiras do país27.

Aliás, no início do século XX, o Brasil possuía a mesma diversidade de áreas protegidas geridas por diversas instâncias do poder público, alémde reservas particulares, tais como florestas nativas, florestas protetoras, reservas florestais, hortos florestais, jardins botânicos, estações biológicas, estações experimentais, postos zootécnicos e fazendas modelos, entre outras (BARRETO FILHO, 2004). Não obstante, os dois Parque Nacionais criados via Decreto presidencial, no Acre, não chegaram a ser

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Barreto Filho (2004) não considera as Reservas Florestas criadas no território acreano como correspondentes ao modelo norte-americano de Parques Nacionais. Talvez pelo fato de estas reservas terem sido meros decretos, não fazendo parte de uma política mais contundente como a que se deu a partir da década de 1930. Contrariamente, consideramos este evento como um claro mecanismo de difusão deste tipo de prática política, através da imitação de um modelo que já vinha sendo uma tendência internacional.

efetivados. Na década de 1990, período que foi descoberto estes instrumentos legais, constatou-se que os parques outrora criados já estavam quase completamente destruídos (MEDEIROS, 2004),atualmente, apenas parte de um deles está inserida no que é hoje a Estação Ecológica do Rio Acre (COSTA, 2003).

Seguindo o roteiro apresentado por Medeiros (2004), a iniciativa de criação dos Parques Nacionais no Acre, como analiso aqui, corresponde ao mecanismo de difusão da política por imitação. O “Modelo Yellowstone”, criado nos Estados Unidos, já vinha sendo uma tendência mundial, desta forma, o Brasil, imitando o modelo,segue a tendência. Embora os parques criados no Acre não saíram do decreto, este episódio nos mostra como o modelo de Parques Nacionais chegou no país e na Amazônia. Efetivamente, a implementação de áreas protegidas, de acordocom o modelo norte- americano, só ocorreu no Brasil na década de 1930 e com algumas adaptações ao “Modelo Yellowstone”.

Em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder,o cenário político é marcado por inúmeras mudanças legislativas e a intenção de industrializar o país. Inúmeros atores vão encarar este cenário como frutífero para o “ambientalismo” brasileiro e a consequente criação de parques nacionais no país (BECKER, 1999; MEDEIROS, 2005, 2006). A nova Constituição Brasileira de 1934, menciona, pela primeira vez, que a proteção da natureza passava a ser um princípio fundamental tanto da União quanto dos estados federativos (BARRETO FILHO, 2004; MEDEIROS, 2006), assim, como regulamentação a este princípio, foi criado o Código Florestal (Decreto 23793/1934). O resultado deste cenário político-jurídico foi a criação efetiva do “primeiro” Parque Nacional brasileiro, o Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro (DIEGUES, 2004; CABRAL, SOUZA, 2002; BARRETO FILHO, 2004). De acordo com Medeiros (2006, p. 50):

Fruto da “emancipação” de uma estação de pesquisas sob a responsabilidade do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, conhecida como “Estação Biológica de Itatiaia”, o primogênito dos Parques Nacionais, já nas primeiras linhas do seu Decreto de criação n°1713, datado de 14 de junho de 1937, indicava suas pretensões: manter a região onde se localiza “perpetuamente conservada no seu aspecto primitivo e atender às necessidades de ordem científica”, além de “atender também às [finalidades] de ordem turística, que se apresentem em condições de fazer do Parque um centro de atração para viajantes, tanto nacionais como estrangeiros”.

Embora a ideia de Parque Nacional tenha surgido nos Estados Unidos e foi difundindo-se, internacionalmente, até chegar ao Brasil, o Parque Nacional de Itatiaia segue um modelo diferente. Enquanto nos Estados Unidos os Parques Nacionais eram criados afastados dos centros urbanos, principalmente no oeste, região pouco industrializada do país, no Brasil, ao contrário, os primeiros parques nacionais foram criados no sudeste industrializado, e apenas depois foram criados nas demais regiões do país, sempre acompanhando o processo de urbanização e “o deslocamento programado da sociedade nacional para o interior do país” (BARRETO FILHO, 2004, p. 57).

Em 1939, após a criação do Parque Nacional de Itatiaia, foram criados mais dois, o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Depois disso, o governo brasileiro só voltaria a criar novos Parques Nacionais, 20 anos depois, já nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte (MEDEIROS, 2006).

Até 1974,o território da Amazônia brasileira figurava como a maior lacuna na cobertura de áreas protegidas (parques e reservas) do continente Sul Americano, suscitando preocupações de cientistas ambientais da época (WETTERBERG, 1974; WETTERBERG et al., 1976). Assim que, neste mesmo ano, foi criado o Parque Nacional da Amazônia, na cidade de Itaituba, no estado do Pará, antes, apenas o Parque Nacional do Araguaia, criado em 1959.

O déficit de áreas protegidas na Amazônia muda, radicalmente, a partir de 1979, com um movimento intenso de criação de áreas de proteção integral. Como aponta Barreto Filho (2004), no período de 1979 a 1985 foram criados dez Parques Nacionais no território nacional, sendo quatro na Amazônia, além de treze Reservas Biológicas, sendo cinco na Amazônia. É deste período também, de acordo com o mesmo autor, que é instituído o Regulamento dos Parques Nacionais do Brasil, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e a regulamentação das Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental.

O Parque Nacional do Jaú, como mencionado anteriormente, foi criado em 1980 e é fruto deste processo de aquecimento da política nacional para o meio ambiente e do impulso no sentido de criação de áreas protegidas no país, especialmente na Amazônia. O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) foi o órgão gestor do PARNA Jaú, na época de sua criação, instalando uma base flutuante na foz do

rio Jaú e iniciando suas atividades meses depois do decreto de criação do PARNA, embora o Plano de Manejo elaborado pela organização não-governamental, Fundação Vitória Amazônica (FVA), relate que as “medidas institucionais de consolidação” do parque apenas tivessem iniciado em 1985 (CREADO, 2006). O Sr. Edmilson, morador do rio Jaú,desde antes da época de instalação da base do IBDF, relata a situação dos moradores e a atuação do órgão gestor na condução de suas atividades:

A gente morava no rio Jaú naquela época, em um lugar conhecido como Sororó, um sítio grande, eu ainda era criança, tinha 8 anos. Naquele período, acho que 84, por aí, quando botaram a base do Jaú, muitas famílias saíram por pressão do IBAMA, na época era IBDF, os caras não tinham preparo nenhum para conversar com as pessoas. Queriam proibir os regatões, o regatão era quem levava a maior parte das coisas lá dentro para as pessoas comprarem. Nesse mesmo período, teve a decadência da seringa, da solva, naquele período as pessoas viviam mais da caça e da pesca, os regatões compravam isso. Muitas famílias saíram para Novo Airão, inclusive hoje tem a luta do ex-morador, a nossa família saiu nesse período também, e ficou difícil para as pessoas ficarem lá. Na realidade ficaram mais aqueles que tinham transporte, que hoje estão no Jaú, e eles traziam as coisas básicas para aqueles que queriam ficar no Jaú, eu sei que era difícil a vida daqueles que ficaram e dos que saíram ficou pior ainda, porque não tinham um estudo e iam viver como na cidade? (Pesquisa de campo, novembro de 2013).

Conquanto não exista consenso sobre a data precisa de instalação da base flutuante na foz do rio Jaú e a consequente fiscalização realizada pelos funcionários do IBDF, o fato demonstra que as ações deste órgão inviabilizaram a vida dos moradores do rio Jaú. A proibição da entrada dos regatões no rio e a troca de produtos da floresta pelos produtos industrializados que faltavam na mesa desta população obrigou muitos a saírem e tentarem uma nova vida na sede do município de Novo Airão.

Em entrevista a Creado (2006), uma das ex-moradoras, representante das primeiras famílias de negros que habitavam o rio Jaú, descreve a atuação do IBDF. Segundo ela os moradores deveriam pagar impostos sobre sua produção, os funcionários, quando apreendiam produtos ilegais (principalmente carne de caça), jogavam tudo na água; o IBDF não permitia o plantio de roçado novo (na mata primária), da pesca do pirarucu e nem do comércio. Relatou também sobre a proibição da operação dos barcos recreios (pequenos barcos que fazem o transporte de passageiros nas áreas rurais da região), no interior do parque e como isto dificultava a vida dos moradores do rio, maiormente nos casos de doença, pois não conseguiam transporte até a sede do município de Novo Airão ou Barcelos.

Creado (2006) elaborou, a partir de entrevistas com ex-moradores em Novo Airão, um conjunto de motivos alegados pelos mesmos para saírem dos rios Jaú e Carabinani (parte central do PARNA-Jaú). Dos 22 grupos domésticos entrevistados, 13 afirmaram que a saída se deu por pressão do IBDF e, a partir de 1989, do IBAMA que o substitui, 6 devido à diminuição dos regatões, 4 por falta de acesso à saúde/problemas de saúde e 1 para buscar acesso à educação formal. Note-se que a atuação/pressão do IBDF/IBAMA e o impedimento da entrada de regatões no rio aparecem como as principais causas citadas. Assim, se o órgão gestor não conseguiu expulsar, diretamente, a população do rio, criou condições desfavoráveis para a permanências destas pessoas naquele local.

Abaixo, consta a descrição das pressões, diretas e indiretas, sofridas pelos moradores no interior do PARNA-Jaú. (Vide Quadro 3)

QUADRO 3 – Pressões sofridas pelos moradores para que saíssem dos rios Jaú e Carabinani

Pressões Diretas Pressões Indiretas

Ação de apreensão de carne de caça e ameaças de expulsões do PARNA

1 – Impedimentos a roçados novos;

2 – Proibição da entrada de comerciantes não moradores;

3 – Controle de entrada de moradores e seus familiares; e

4 – Proibição de transporte de mantimentos durante viagens.

Fonte: Creado (2006).

Note-se que a política ambiental baseada na criação de unidades de conservação de proteção integral atuou de maneira autoritária com as populações que residem dentro dos seus limites, como demonstra os depoimentos apresentados. No entanto, várias pessoas conseguiram resistir aos dilemas impostos pela unidade de conservação. O Sr. Edimilson nos diz, um pouco, como estas pessoas conseguiram manter-se na parte central do PARNA Jaú:

Na época, o povo mais organizado que tinha no Jaú era lá no Tambor, lá era uma família grande, que hoje são reconhecidos como quilombolas, eles tiveram uma resistência mais forte dentro do Jaú, mas os que moravam mais na beirada [margem dos rios] praticamente acabou. Na época tinha o seu Jasso, que era regatão, tinha muitas pessoas que moravam dentro do Jaú e que eram regatões, esses ficaram, apesar da pressão, por isso que o povo do Jaú não saiu todo (Pesquisa de campo, novembro de 2013).

As pessoas que possuíam suas próprias embarcações (como os regatões locais) conseguiam superar os obstáculos impostos pela fiscalização do órgão gestor, assim, podiam sair do rio para buscar alimentos e remédios nos centros urbanos. Importante mencionar que, nesse período, os moradores ainda não estavam organizados em núcleos comunitários, viviam espalhados pelos rios, sendo assim, a ajuda mútua também era rara. Exceção feita às famílias extensas, como no caso das famílias remanescente de quilombos da comunidade do Tambor, que, como relata o Sr. Edmilson, estavam mais organizados e conseguiram resistir aos empecilhos causados pela constituição do PARNA Jaú.

Um aspecto interessante que circunda a criação do PARNA Jaú é o contexto político da ditadura civil-militar e o seu projeto econômico de desenvolvimento extensivo do capitalismo para a Amazônia (IANNI, 1979). O período é marcado por um paradoxo: por um lado os grandes projetos de infraestrutura capitaneados pelo Estado com a abertura de rodovias por toda a região, o incentivo à agricultura intensiva e a ocupação da Amazônia via projeto de colonização, o incentivo à industrialização, entre outros, iniciativas acusadas de serem ambientalmentedegradantes, além de socialmente excludentes. Por outro lado, este é o período no qual houve mais medidas conservacionistas no sentido de criação de áreas de proteção integral. A despeito dea criação destas áreas também representasse prejuízos sociais para os moradores nativos, como no caso do PARNA Jaú, do ponto de vista ambiental a criação de áreas protegidas não correspondia ao projeto inicial dos governos militares para a região.

É neste contexto que o IBDF foi criado, em 1967, como uma autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura, instituída pelo Decreto-Lei n°289, de 28/02/1967, com o objetivo de “formular a política florestal, bem como orientar, coordenar e executar ou fazer executar as medidas necessárias à utilização racional, à proteção e à conservação dos recursos naturais renováveis” (BRASIL, 1967). Todavia, é a partir dos anos de 1970 que o movimento ambientalista ganhará força no âmbito

internacional e os seus efeitos serão sentidos na política ambiental brasileira. Em 1968 e 1972, duas conferências internacionais serão fundamentais para a direção que o ambientalismo internacional tomaria, a Conferência da Biosfera e a Conferência de Estocolmo, respectivamente. Estas duas conferências serão responsáveis pela articulação e implementação de uma nova agenda global para as questões ambientais (MEDEIROS, 2006).

Embora o Brasil tenha assumido posições polêmicas na Conferência de Estocolmo, como a justificativa para seguir poluindo caso fosse necessário ao crescimento econômico, por outro lado o país adotou uma postura mais moderada, internamente, criando instituições que fossem capazes de lidar com proximidade das questões ambientais. As duas conferências internacionais foram desafiantes não apenas para o Brasil, mas para todos os países envolvidos nos debates ambientais, o que demonstra, no primeiro momento, que a convergência entre a política ambiental e as iniciativas locais de proteção ambiental tem muito mais relação com as negociações transnacionais do que com especificidades e demandas locais. No caso do Brasil, as conferências internacionais foram coincidentes com as discussões dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND`s) (RIBEIRO, 2001). Logo em seguida,houve a criação da Secretaria Especial do Meio Ambienta (SEMA), em 1973, cujo nascimento veio do impacto causado pela Conferência de Estocolmo e o relatório “Limites do Crescimento”, publicado pelo Clube de Roma, também em 1972 (MEDEIROS, 2006).