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III. AS TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS.

3.8. Dados de sistemas de repartição de receitas e de transferências intergovernamentais em outros países

3.8.2. Estados Unidos da América

A experiência dos Estados Unidos da América apresenta um exemplo de acordo fiscal alternativo que conduz a severas restrições orçamentárias: confiança na eficiência das forças do mercado para disciplinar os governos regionais. As condições necessárias para que as forças do mercado sejam eficazes são que os eleitores responsabilizem os governos estaduais e municipais pelas suas escolhas políticas e possam punir os governos irresponsáveis nos processos eleitorais. Além disso, mercados de capital com bom funcionamento nos Estados Unidos servem para punir governos irresponsáveis com elevados custos de empréstimos. Em muitos estados e para muitos governos municipais, o papel disciplinador do mercado de capitais privado é auxiliado por padrões de falência exequíveis, normas orçamentárias equilibradas e normas constitucionais que proíbem ajudas financeiras irresponsáveis.

Muitas das funções institucionais em vigor nos Estados Unidos são o produto de um longo histórico de reação aos inadimplementos dos governos estaduais e municipais. A vasta maioria dos governos inadimplentes não foi socorrida pelo governo central ou estadual. Cada crise fiscal apresentou uma oportunidade para o governo inadimplente ou o governo de nível mais alto providenciar melhorias às suas instituições, a fim de impedir comportamento irresponsável de futuros governos.

Embora os Estados Unidos tenham sido bem sucedidos ao minimizar episódios de salvamento em épocas de severa crise fiscal, as funções do seu sistema fiscal intergovernamental conduzem a restrições a orçamentos maleáveis. Uma função é a presença de desequilíbrios fiscais verticais em níveis de governo estadual ou municipal, a despeito do fato que níveis inferiores de governo têm acesso a uma grande variedade de fontes de tributos. Outra função que compõe os problemas de restrições ao orçamento maleável é a confiança dos níveis inferiores de governo nas transferências condicionais para tratar dos desequilíbrios fiscais verticais. Transferências condicionais ajudam a assegurar aos governos estaduais e locais o

suprimento de muitos bens e serviços atendendo os padrões nacionais mínimos, porém comprometem a responsabilização e criam expectativas de que o governo central virá em auxílio dos governos regionais se este for incapaz de alcançar os padrões nacionais. Os interesses regionais são fortemente representados na legislatura nacional. Estas funções dão origem ao problema do fundo comum e tem alimentado o aumento da demanda por financiamento nacional dos serviços estaduais e locais.

As principais participações na arrecadação alheia ocorrem por intermédio dos grants, transferências, em geral, condicionadas e não automáticas. Como exemplo, podemos citar os

project grants (com destinação específica do recurso para um objetivo definido), os categorical grants (também destinadas a projetos específicos voltados ao desenvolvimento,

dentre outras transferências) e o chamado grant-in-aid (tipo de transferência do governo federal para Estados, a fim de que estes mantenham determinados serviços segundo padrões de qualidade fixados pelo ente central)196.

3.8.3. Canadá

Existem muitos paralelos entre a experiência com restrições ao orçamento maleável no Canadá e nos Estados Unidos da América. Assim como nos Estados Unidos, o Canadá é bem sucedido no controle das expectativas de socorro aos governos provinciais e Municipais. As províncias enfrentam restrições muito pequenas de tributação, despesas ou tomada de empréstimos e eles exercem seus direitos nestas áreas na medida em que o setor do governo provincial rivaliza com o governo central. Como nos Estados Unidos, o Canadá tem um sistema bancário maduro e mercados competitivos de títulos que disciplinam os excessos fiscais com custos mais altos para empréstimos. As instituições fiscais e orçamentárias do Canadá também evoluíram em resposta a reformas iniciadas em crises financeiras. Instituições democráticas fornecem aos eleitores meios de punir governos irresponsáveis. Assim, em nível provincial, as forças do mercado trabalham bem para executar restrições severas ao orçamento.

O sistema intergovernamental provincial-local é um contraste com o sistema federal- provincial. Enquanto o sistema federal-provincial reflete um sistema extremamente descentralizado que confia nos mecanismos do mercado para executar as restrições severas ao orçamento, o sistema provincial-local é caracterizado por controles hierárquicos severos. Os governos provinciais controlam rigidamente o levantamento de receitas local, os gastos e os empréstimos. Grandes desequilíbrios fiscais verticais também existem entre os níveis provincial e local, que resultam em extrema dependência das transferências intergovernamentais para financiar a maioria dos bens e serviços públicos. Estas restrições formais são o resultado de experiências dos governos provinciais com crises locais. As mudanças implantadas como resultado dessas crises têm produzido uma mudança de cultura, propiciando uma administração hierárquica eficaz dos negócios fiscais municipais.

3.8.4. Argentina

O relacionamento fiscal intergovernamental na Argentina exibe um alto nível de desequilíbrio fiscal vertical. Os governos provinciais são responsáveis por fornecer muitos bens e serviços públicos, porém são impedidos de acessar as principais bases tributárias. Por esse motivo, transferências intergovernamentais financiam uma grande proporção de gastos provinciais. Os governos provinciais também gozam de considerável liberdade para acessar mercados de capital domésticos ou estrangeiros. Grandes desequilíbrios fiscais verticais em nível provincial combinados com autonomia para tomar empréstimos deram origem a problemas de indisciplina fiscal que contribuíram para crises financeiras severas no passado recente. Durante essas crises, o risco de colapso do setor bancário provincial obrigou o governo central a fornecer assistência financeira às províncias mais irresponsáveis em bases discricionárias. O resultado foi um declínio da disciplina fiscal.

A severa crise dos anos 90 forneceu o ímpeto para reformas necessárias na macroeconomia e instituições financeiras provinciais. Foi iniciado um programa de privatização dos bancos provinciais e o governo central começou a alocar repasses às províncias mais endividadas, com base em condições que incluíram objetivos de redução de déficit, o congelamento dos níveis de emprego público e restrições à tomada de empréstimos. Uma reforma interessante

que teve efeitos perversos sobre a indisciplina fiscal é a disposição que permite aos bancos deduzir pagamentos do serviço da dívida das receitas compartilhadas. Enquanto esta disposição aumenta os custos de tomada de empréstimo da província e assim ajuda a endurecer as restrições orçamentárias, ela teve o efeito de aumentar o tão desejado empréstimo bancário aos governos provinciais. Assim, a dívida provincial aumentou. As reformas ajudaram a endurecer as restrições orçamentárias provinciais, mas a Argentina ainda está vulnerável ao problema de restrição do orçamento maleável e às crises financeiras, conforme se viu em 2002.