• Nenhum resultado encontrado

Evolução da repartição formal de competência nas Constituições brasileiras

As Constituições brasileiras seguiram o modelo clássico de repartição de competências: enumeração das competências da União, cabendo aos Estados as competências remanescentes, característica do federalismo dual. As competências concorrentes passaram a fazer parte do ordenamento jurídico nacional a partir da Constituição brasileira de 1934.

A que melhor reproduziu o federalismo clássico, entretanto, foi a Constituição de 1891, a qual estabeleceu as competências privativas da União (art. 34), bem como sua competência implícita (art. 34, n. 33), e conferiu aos Estados as competências remanescentes (art. 65, n 2º). Aos Municípios, de forma genérica, mas sem efetividade, assegurava autonomia em relação aos assuntos de seu interesse peculiar (art. 68).

Guardando compatibilidade com a regra de distribuição das competências em geral, em relação à competência tributária restaram estabelecidos, no art. 7º, os tributos de competência da União, e, no art. 9º, os que estavam no campo impositivo dos Estados. No art. 12, fez-se a previsão de criação de novos tributos.

Muitas foram as influências recebidas pela Constituição de 1934. As que mais se destacam são as relativas aos modelos federativos implantados na Alemanha e na Áustria. A inspiração oriunda da Constituição de Weimar refletiu no esquema de repartição de competência adotada pela Carta brasileira de 1934. Nesta, inseriram-se as competências concorrentes não cumulativas, que consistiam no estabelecimento, pela União, de normas gerais sobre determinados assuntos, e aos Estados a legislação complementar na mesma seara. Restou estabelecido, ainda, um campo de competências concorrentes não legislativas conferidas à União e aos Estados. Manteve-se assegurada a autonomia municipal nas matérias de seu interesse peculiar, mormente ao auto governo, instituição de tributos, aplicação de suas rendas e a auto administração de seus serviços (art. 13).

Na Carta de 1934, a repartição de competências tributárias guardou harmonia com o sistema geral, tendo sido especificados os tributos que competiam, privativamente, à União (art. 6º), aos Estados (art. 8º) e aos Municípios (art. 13, § 2º). No art. 10, VII, c/c o art. 11, inseriram-se

as competências concorrentes, cabendo à União e aos Estados a instituição de outros impostos, além dos especificados, proibidas a bitributação e a supremacia do que fosse instituído pela União. Verificou-se, ainda, a partilha de receitas, cabendo aos Estados, na esfera de competência concorrente, entregar percentuais de arrecadação à União e aos Municípios (art. 10, parágrafo único). Consoante o teor do art. 8º, § 2º, coube ao Estado partilhar, também com os Municípios, o imposto de sua competência de “indústria e profissões”.

A Constituição de 1937 manteve as competências enumeradas, remanescentes e concorrentes. No entanto, verificou-se um aumento na tendência centralizadora, especialmente no que diz respeito à incidência de maior restrição na participação dos Estados na competência concorrente. Ainda assim, manteve-se a competência remanescente dos Estados, bem como a autonomia municipal. A inovação trazida ficou por conta da possibilidade de delegação aos Estados, via lei federal, da faculdade de legislarem sobre assuntos de competência privativa da União, a fim de regulação ou suprimento de lacunas, em existindo matérias de interesse predominante de um ou de alguns Estados. Abriu-se, também, a possibilidade de legislação dos Estados sobre matérias determinadas, ainda que existisse lei federal, no sentido de suprir lacunas ou deficiências, sendo vedada a dispensa ou redução das exigências da lei federal. Da mesma forma, poderiam os Estados legislar na falta de lei federal, até a entrada em vigor desta. Nessa última hipótese, considerar-se-iam derrogados os dispositivos que contrariassem a lei ou ato normativo federal superveniente.

No tocante à repartição de competências tributárias, manteve-se a técnica adotada pela Constituição de 1934, de estabelecer, privativamente, os tributos à União, Estados e Municípios, bem como a previsão de uma esfera concorrente, proibida a bitributação, com prevalência dos impostos instituídos pela União. Nos mesmos moldes manteve-se o esquema da partilha de renda com o Município, do imposto estadual de indústria e profissões.

O texto constitucional de 1946, a exemplo da carta de 1934, resguardou os poderes enumerados da União, competências remanescentes dos Estados, competências legislativas concorrentes, cabendo aos Estados atuação supletiva e complementar. Resguardou-se,

também, a autonomia municipal, consistente no auto governo e auto administração no que tange ao seu particular interesse.

As regras de competência tributária, inicialmente, mantiveram-se nos termos do ordenamento anterior, com a indicação de impostos privativos para cada esfera política (arts. 15, 19 e 29). No art. 21, abriu-se a possibilidade, também, para a criação de novos tributos por parte da União e dos Estados, excluindo-se o imposto estadual na medida da instituição de idêntico imposto pela União. A arrecadação de tais impostos foi cometida aos Estados, que deveriam entregar uma parte à União e aos Municípios. Avançava, dessa maneira, o sistema de partilha de receitas, com a entrega de recursos arrecadados de um ente federativo ao outro. Os Municípios recebiam parte da arrecadação de impostos estaduais e federais (art. 29), enquanto a União entregava aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios uma parcela da arrecadação de seus impostos (art. 15, § 2º).

Com a entrada em vigor da EC 18/65, restou revogado o art. 21 da Carta de 1946, que previa a instituição de novos impostos, além dos já existentes, pelos entes federados (art. 5º). No que pertine à distribuição de receitas tributárias, coube à União a incumbência de entregar parte da arrecadação de alguns impostos de sua competência aos Estados e aos Municípios (arts. 20, 22 e 23). Os fundos de participação dos Estados e do Distrito Federal e o fundo de participação dos Municípios foram aquinhoados com o recebimento de parte da arrecadação de alguns impostos federais (art. 21).

Formalmente não houve grandes alterações nas regras de competência na vigência da Constituição de 1967, nem na sua Emenda 1/69. Como regra, foram enumerados os poderes de execução e legislativos da União, deixando-se para os Estados os poderes remanescentes e competência supletiva legislativa sobre matérias originalmente de competência de União. A autonomia dos Municípios sofreu restrições no tocante à elegibilidade dos prefeitos, sendo suavizada com o decorrer do tempo.

A inovação que diz respeito às competências tributárias se deu ao estabelecer-se a competência residual da União para a instituição de outros impostos (art. 18, § 5º, da CF de

1967, e art. 21, § 1º, com a redação da EC 1/69). Manteve, por outro lado, a instituição de tributos privativos da União (art. 22 da CF/67 e art. 21, com a alteração de 1969), dos Estados e do Distrito Federal (art. 24 da CF/67 e, posteriormente, art. 23) e dos Municípios (inicialmente, art. 25 e depois, art. 24). O esquema de partilha das rendas beneficiou os Municípios com maior participação no produto da arrecadação dos impostos dos Estados e da União, esta concedendo uma maior parcela da arrecadação de seus impostos aos Estados (CF/67: art. 24, §§ 1º e 7º; art. 25, §1º e art. 28; c/ EC 01/69: art. 23, §§ 1º, 8º, 10 e 13; art. 24, § 2º e art. 26). Pelo art. 26 da CF/67 e art. 25 da modificação de 1969, a União incumbiu-se da entrega de percentuais da arrecadação de alguns impostos aos fundos de participação dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.

A repartição de competências tributárias no decorrer do tempo, de certa forma, corroborou a tendência centralizadora da federação brasileira em prejuízo do equilíbrio federativo. Não havia, por parte dos detentores do poder de 1967, nenhuma vontade política em desviar o rumo centralizador do Estado federal brasileiro. O querer/ser democrático inspirou o constituinte de 1988 na busca para a correção das distorções do ideal federativo. A repartição de competências, como um dos instrumentos dessa busca, havia de ser revista. De certa forma, tem atualmente a federação brasileira um moderno sistema de competências tributárias, mas ainda carrega distorções que merecem ser corrigidas, a fim de que a federação atinja o seu ideal de democracia e de atendimento aos pluralismos, consequentemente, de seu equilíbrio.