• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – Os acordos sobre a sentença penal

1.2 Os modelos consensuais nos ordenamentos jurídicos alemão, estado-unidense e italiano

1.2.3 Estados Unidos da América

“The U.S. has the most developed system of plea bargaining”195. De facto, é nos Estados

Unidos da América (EUA) que o “fenómeno da negociação da declaração da culpa”196 assume

um maior relevo. O julgamento por tribunal de júri, direito garantido pela Constituição daquele país, foi substituído pela prática recorrente da chamada plea bargaining, que de exceção passou a regra197. Já em 2007, Pedro Albergaria nos dava conta de que 90% das condenações proferidas

por tribunais norte-americanos resultavam de uma plea guilty, à qual subjaz a plea bargaining198,

sendo que, entre 1 de outubro de 2014 e 30 de setembro de 2015, aquela percentagem é de 97,1%199. Note-se que esta prática não apresenta características uniformes em todo o país,

variando, pelo contrário, de acordo com as especificidades de cada Estado200. O fenómeno de

194 Para mais considerações sobre o futuro dos acordos sobre a sentença na Alemanha - Cf. CARDUCK, Vanessa J., “Quo Vadis, German…”, op.

cit., pp. 31 – 34.

195 CHEESMAN, Samantha Joy, Comparative Perspectives on…, op.cit, p.148. Robert E. Scott e William J. Stuntz descrevem o papel que a prática

de plea bargaining assume no processo criminal norte-americano: “the criminal process that law students study and television shows celebrate is formal, elaborate and expensive. It involves detailed examination of witnesses and physical evidence, tough adversarial argument from attorneys for the government and defense, and fair-minded decisionmaking from an impartial judge and jury. For the vast majority of cases in the real world, the criminal process includes none of these things. Trials occur only occasionally – in some jurisdictions, they amount to only one-fiftieth of total disposition. Most cases are disposed of by means that seem scandalously casual: a quick conversation in a prosecutor’s office or a courthouse hallway between attorneys familiar with only the basics of the case, with no witnesses present, leading to a proposed resolution that is then “sold” to both the defendant and the judge. To a large extent, this kind of horse trading determines who goes to jail and for how long. That is what plea bargaining is. It is not some adjunct to the criminal justice system; it is the criminal system” - Cf. SCOTT, Robert E., STUNTZ, William J., “Plea Bargaining as Contract”, in Yale Law Journal, volume 101, n.º 8, junho, Connecticut, The Yale Law Journal Company, Inc., 1992, apud RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p. 29.

196 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 13.

197 RAPOZA, Phillip, “A experiência americana do plea bargaining: a excepção transformada em regra”, in Julgar, n.º 19, janeiro/abril, Associação

Sindical dos Juízes Portugueses, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 207. O próprio Supreme Court (Supremo Tribunal dos Estados Unidos) reconheceu que “criminal justice today is for the most part a system of pleas, not a system of trials” (caso Lafler v. Cooper, n.º 10-209, 2012). Acrescenta, ainda, aquele tribunal superior que a plea bargaining “is not some adjunct to the criminal justice system; it is the criminal justice system” (caso Missouri v. Frye n.º 10-444, 2012).

198 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., pp.12, 13 e 110. Em 2013, Phillip Rapoza refere que 94% das condenações dos

Estados e 97% das condenações federais resultavam de guilty pleas, na sua maioria envolvendo plea bargains - Cf. RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p. 208.

199 Cf. Federal Sentencing Statistics 2015, publicado pela United States Sentencing Comission. 200 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p. 27.

plea bargaining surgiu e consolidou-se no século XIX201, fruto de um conjunto de fatores. A

industrialização que se seguiu à guerra civil levou ao aumento da população urbana, tornando os conflitos sociais mais complexos, para os quais se exigia uma resolução mais formal, levando ao aumento da pressão processual202. Também o acréscimo da participação de juristas, no processo

penal (a chamada lawyerization), levou à consolidação dos elementos de adversary system do processo penal norte-americano, tornando mais moroso o julgamento por júri203, que despoletou,

por conseguinte, a necessidade de se encontrarem mecanismos que permitissem uma resolução expedita dos casos204. As motivações e poderes dos atores processuais (Ministério Público, juiz,

defensor e arguido)205, a crime wave dos anos sessenta (fruto do aumento demográfico posterior

à II Grande Guerra e da introdução e expansão das drogas na sociedade americana), caracterizada pelo aumento da delinquência urbana, o aumento da criminalização de condutas e endurecimento das penas206, bem como o reconhecimento da plea bargaining pelo Supreme

Court207 foram, também, elementos decisivos para a consolidação desta prática que terminou

com a respetiva regulamentação nas normas estaduais e federal208. De facto, conforme acentuou

aquele tribunal, “if every criminal charge were subjected to a full-scale trial, the States and the Federal Government would need to multiply by many times the number of judges and court facilities”209. Posto isto, podemos concluir que o surgimento da prática da plea bargaining

assentou, como noutros ordenamentos jurídicos, em questões de celeridade, simplificação e eficácia na resolução do crescente número de processos criminais. Assim mesmo o refere Phillip Rapoza: “o crescimento do plea bargaining não foi assim apoiado no facto de ser um mecanismo melhor do que o julgamento para assegurar a realização da justiça. Na verdade, o

201 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 29. Também RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.210. Para

um estudo alargado sobre o surgimento da plea bargaining, Vide ALSCHULER, Albert, "Plea Bargaining and Its History”, in Columbia Law Review, volume 79, n.º1, Nova Iorque, 1979, pp. 1-43. [Em linha], [Consult.18-04-2016]. Disponível em WWW:<URL:http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2005&context=journal_articles>

202 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 30. Aquilo a que Phillip Rapoza designa de “explosão demográfica nos Estados

Unidos” - Cf. RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.210.

203 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., pp. 32. 204 Idem, p. 31.

205 Para uma análise mais aprofundada sobre este ponto Vide ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., pp.32-43. 206 RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.211.

207 Para mais desenvolvimento Vide ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., pp.44 – 48. E assim reconheceu aquele tribunal:

“the plea-bargaining process, as recognized by this Court, is essential to the functioning of the criminal-justice system” - Cf. Bordenkircher v. Hayes, n.º 76-1334 (1978).

208 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 48. 209 Santobello v. New York, n. º 70-98 (1971).

seu crescimento baseou-se no desejo de resolver processos de natureza criminal de forma célere e eficiente”210.

Como sabemos, o modelo processual penal estado-unidense é caracterizado como acusatório puro211, de sistema adversarial de common law212, sendo identificado com aproximação a um

processo de partes, onde lhes caberá a iniciativa processual, a investigação dos factos, bem como a recolha de provas para a audiência de julgamento, de forma a persuadir o júri de acordo com a sua pretensão. Neste sentido, o objeto processual será conformado pelas partes, do qual dispõem livremente. Num modelo processual deste género, o juiz assume um papel passivo, de mero árbitro213. Podemos afirmar que o processo penal estado-unidense é marcado por dois

traços distintos: a posição de poder que detém o Ministério Público (prosecutor) e a grande disponibilidade das partes sobre o objeto do processo214. O Ministério Público detém, pois, uma

larga margem de discricionariedade no exercício da ação penal215, o que poderá traduzir-se, por

exemplo, na possibilidade de pôr termo a uma acusação já deduzida ou reduzir a sua gravidade216. Assim, refere Maia Costa que “o processo penal anglo-americano (incluindo a

versão americana) não procura a verdade material, antes a pacificação e a conformação social.

210 RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.210. Este mesmo Autor refere que esta prática se desenvolveu como uma “resposta

natural ao aumento do volume de casos e aos recursos limitados disponíveis para lidar com eles” - Cf. Idem, p. 210.

211 DIAS, Jorge de Figueiredo, Clássicos Jurídicos: Direito Processual Penal, reimpressão da 1.ª ed. de 1974, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp.

246 -248 e ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p.50. Não obstante, alguns Autores chamam a atenção para a alteração desta característica. Assim, refere Nicolás Rodríguez García: “podemos afirmar que en los Estados Unidos nos encontramos con dos modelos de justicia: un modelo teórico, jurisdiccional y acusatorio, que en la práctica se convierte en un modelo prevalentemente burocrático-administrativo” - Cf. RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p.36. Também Albert Alschuler aponta que “… our supposedly accusatory system has become more dependent on proving guilt from the defendant's own mouth than any European "inquisitorial" system” - Cf. ALSCHULER, Albert, “Plea Bargaining and…”, op. cit., p.42. Sobre o mesmo ponto refere Rachel Van Cleave: “In fact, there is little scholarly agreement as to whether plea bargaining is more accusatorial or more inquisitorial. On the one hand, plea bargaining includes the accusatorial notion of placing more control over the criminal proceedings in the hands of the parties rather than in the judge. On the other hand, plea bargaining also involves the consolidation of several functions (charging, fact-finding, and sentencing) into one party, the prosecutor. Probably the best analysis is that plea bargaining, on a theoretical level, is not characteristics of or endemic to either model, but is simply an aberration which grew out of a practical necessity, or at least a perceived necessity, to streamline the criminal justice system by disposing of a great majority of cases without the time and expense of a trial” - Cf. CLEAVE, Rachel A. Van, “An offer you can’t refuse? Punishment without trial in Italy and the United States: The search for truth and an efficient criminal justice system”, in Emory International Law Review, Volume 11, N. 419, Atlanta, 1997, p.460. [Em linha], [Consult. 16-05-2016]. Disponível em WWW:<URL: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2083784>

212 RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p. 207. 213 DIAS, Jorge de Figueiredo, Clássicos Jurídicos: Direito..., op. cit., p. 51. 214 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 13.

215 Discricionariedade esta que não resulta da lei mas antes do seu reconhecimento pelos tribunais - Cf. ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea

Bargaining..., op. cit., p. 55.

216ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., pp. 54 e 55-58. Sobre os mecanismos de controlo da atuação do Ministério Público,

Daí a importância que assume a negociação com o arguido; daí a inexistência do princípio da obrigatoriedade da acção penal”217.

A acusação formal contra o arguido é, nos EUA, apresentada em tribunal, sendo neste momento, designado de arraignment, que se lhe dá a conhecer as imputações de que vem acusado, através da leitura (e entrega de cópia) do indictment (acusação da competência do Grand Jury) ou da information (acusação da competência do prosecutor), para que aquele se pronuncie218. Face a tais acusações o arguido poderá declarar-se guilty, not guilty, nolo

contendere e, em alguns Estados, not guilty by reason of insanity219. No caso de plea of nolo

contendere, o acusado declara que não pretende contestar os factos contidos na acusação (“I will not contest it” ou “I do not wish to contend”), não sendo, contudo, uma admissão de culpa, que, por sua vez, terá de ser demonstrada pelo tribunal220. Na plea of not guilty o acusado

declara-se expressamente inocente dos factos que lhe são imputados, sendo, então, necessário provar os elementos do delito, para lá da dúvida razoável221. Por último, na plea of guilty o

acusado considera-se culpado, sendo que, muito mais que uma simples admissão dos factos, aquela apresenta-se como uma verdadeira condenação (conviction), restando apenas ao juiz, após aquela declaração, preferir a sentença222. Ao declarar-se culpado, o acusado renuncia a um

conjunto de direitos e garantias que lhe são atribuídos pela Constituição, tais como, o privilégio de não declarar contra si próprio, o direito de contraditar as provas da acusação e o direito de ser julgado por um tribunal de júri223. Mais ainda, admite aquele todos os factos de que vem

acusado, contidos no indictment ou information, não sendo necessária mais provas para a sua condenação224. Ora, conforme refere Phillip Rapoza, a declaração de culpa do acusado “é assim

mais do que simplesmente uma admissão de conduta passada. É a declaração do arguido de que consente que uma condenação seja proferida contra ele sem julgamento”225. Em caso de

217 COSTA, Eduardo Maia, “A crise da...”, op.cit., p. 77. 218 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p. 36. 219 Idem, p.37.

220 Idem, p.37 e 38.

221 No caso do acusado se negar a declarar ou não comparecer, o tribunal entenderá que aquele se considera culpado - Cf. RODRÍGUEZ GARCÍA,

Nicolás, La justicia penal, op. cit., p.38.

222 Idem, p.39.

223 Idem, p.39 e 50. Além dos direitos constitucionais, o acusado renuncia, de igual modo, a um conjunto de objeções, como, por exemplo,

deficiências na acusação, objeções contra a composição do Grand Jury, entre outros - Cf. Idem, p. 51 - Cf. também RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.212.

224 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., 51. 225 RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.214.

existirem vários acusados, a declaração de culpa vincula apenas aquele que a emite226. Com a

aceitação da guilty plea forma-se uma adjudication, ou seja, “uma decisão de mérito, definitiva, com valor de prova no processo civil por danos resultantes do facto criminoso”227. Em todo o

caso, a declaração de culpa do arguido poderá ser revogada livremente antes da sua aceitação pelo juiz (e após, dentro de determinados limites)228. De igual forma, no caso de existirem factos

que demonstram que a declaração de culpa do acusado foi obtida de uma forma ilegal, a mesma poderá ser anulada, assim como a sentença que dela decorre229.

A plea of guilty acordada pelas partes é alcançada no âmbito das negociações estabelecidas entre a acusação e defesa (muitas vezes sem a participação do arguido230), normalmente

realizadas após a formalização da acusação, geralmente, na audiência prévia ao julgamento (arraignment) podendo, contudo, serem encetadas ainda numa fase anterior àquela formalização231. Para esta plea of guilty, consequência da prática da plea bargaining, através da

qual se alcança um plea agreement, contribui, sem dúvida, a expansão do poder discricionário do prosecutor232. A iniciativa para as negociações poderá advir quer do lado acusação, quer do

lado da defesa233.

Podemos, então, com as palavras de Pedro Albergaria, definir plea bargaining como a “negociação entre o arguido e o representante da acusação, com ou sem participação do juiz234,

cujo objecto integra recíprocas concessões e que contemplará, sempre, a declaração de culpa do acusado (guilty plea) ou a declaração dele de que não pretende contestar a acusação (plea of nolo contendere)”235. Aquelas concessões recíprocas poderão assumir-se como uma charge

226 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p.51. 227 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 101.

228Idem, p. 102. Para mais considerações sobre a revogação da declaração de culpa após a aceitação do juiz, bem como antes e após a

aplicação da pena, Vide idem, pp. 102 e 103. Da mesma forma, quanto à possibilidade de impugnação de uma plea of guilty já aceite, Vide, idem, pp. 104 – 107.

229 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p. 51. 230 Idem, p. 61.

231 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., pp.63 – 65 e RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p. 60. 232 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p.41.

233 Idem, p. 60.

234 Phillip Rapoza indica-nos, pelo contrário, que o juiz não se pode envolver no procedimento de plea bargaining, uma vez que tal resultaria num

potencial de coerção, deixando de ser um sujeito processual neutro - Cf. RAPOZA, Phillip, “A experiência americana...”, op. cit., p.211.

235 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 20. O Black’s Law Dictionary define plea bargaining como o “processo através do

qual o acusado e o Ministério Público num processo criminal procedem a uma regulação mutuamente satisfatória do caso sujeita a aprovação do tribunal. Por regra, envolve a admissão da culpa do arguido relativamente a um crime menos grave ou só um ou alguns de vários crimes de que foi acusado em troca de uma pena mais leve do que aquela que seria possível pela acusação mais grave” - Cf. RAPOZA, Phillip, “A experiência

bargaining (ou charge concession), sentence bargaining (ou sentence concession) ou, ainda, uma forma mista236. No caso de charge bargaining negoceia-se a própria imputação, isto é, “em

troca da declaração de culpa, o Ministério Público compromete-se a “desclassificar” a acusação para uma acusação punível com pena inferior”237. Por sua vez, na sentence bargaing negoceia-se

a própria sanção penal, ou seja, “em troca da declaração de culpa em relação à imputação original (on the nose plea), o Ministério Público compromete-se a recomendar ao juiz uma sanção de certa natureza (…), com uma determinada medida (…) ou a não deduzir oposição à atenuante invocada pelo arguido, ou, ainda, quando o juiz possa participar nas negociações, compromete-se a aplicar certa sanção”238. Por último, pode, ainda, existir um cruzamento

daqueles dois elementos da negociação239. Numa fase preliminar, a realização da plea

bargaining, assente na guilty plea do arguido pode visar uma negociação quanto à própria acusação e aos seus termos240. Seja qual for o conteúdo das negociações, todas têm em vista a

finalização do processo antes da fase de julgamento, com uma condenação mais leve do que aquela que seria alcançada com a realização daquele241, podendo esta prática abranger qualquer

tipo de crime242.

americana...”, op. cit., p.211. John Langbein, por sua vez, apresenta a seguinte descrição: “Plea bargaining occurs when the prosecutor induces a criminal accused to confess guilt and to waive his right to trial in exchange for a more lenient criminal sanction that would be imposed if the accused were adjudicated guilty following trial. (…) In exchange for procuring this leniency for the accused, the prosecutor is relieved of the need to prove the accused’s guilt, and the court is spared having to adjudicate it. The court condemns the accused on the basis of his confession, without independent adjudication. Plea bargaining is, therefore, a nontribal procedure for convicting and condemning people accused of serious crime” - Cf. LANGBEIN, John, “Torture and Plea Bargaining”, Yale Law School Faculty Scholarship Series, Paper 543, 1978, pp. 8 e 9. [Em linha], [Consult. 01-10-2016]. Disponível em WWW:<URL: http:// http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=4154&context=uclrev>

236 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 22.

237 Idem, p. 22. Em troca da plea of guilty do arguido a acusação compromete-se a reduzir, desistir ou a abster-se de determinadas imputações.

Neste caso, Nicolás Rodríguez García chama a atenção para a “desvirtualização da imputação” que sucede, uma vez que se substitui o facto pelo qual se formulou inicialmente a acusação por outro menos grave ou, no caso de existirem várias imputações ao acusado, o Ministério Público desista de prosseguir alguma delas. A função de decisão do juiz converte-se, assim, em mero ratificador das negociações das partes, pois que, no fundo, quem dita a sentença é o Ministério Público. Além disso, o delito pelo qual o acusado se declara culpado é inferior e, muitas vezes, distinto daquele que se imputa - Cf. RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás, La justicia penal, op. cit., p.42.

238 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 22. 239 Idem, p. 23.

240 DIAS, Jorge de Figueiredo, Acordos sobre a..., op. cit., p.17. 241 ALBERGARIA, Pedro Soares de, Plea Bargaining..., op. cit., p. 26.

242 STRANGE, Robert, “Plea Bargaining, Cooperation Agreements, and Immunity Orders”, 155th International Training Course, Resource Materials

Series n. º 92, pp. 31 e 32. [Em linha], [Consult. 01-10-2016]. Disponível em WWW:<URL: http://www.unafei.or.jp/english/pages/RMS/No92_05VE_Strang1.pdf>

A declaração de culpa do arguido (bem como a declaração de nolo contendere243) será

submetida à apreciação do juiz, que pode ou não aceitá-la244, sendo que os requisitos de

admissibilidade a avaliar poderão ser ligeiramente distintos de Estado para Estado. Em todo o caso, pode, de uma forma global, indicar-se alguns desses requisitos, quais sejam245: a

capacidade do acusado (aferida nomeadamente em razão da idade, inteligência, estado mental, entre outros); declaração de culpa (ou de nolo contendere) realizada de forma informada (quanto à natureza das imputações, às consequências penais e aos direitos a que renuncia o arguido) e voluntária246; conformidade entre a declaração e os factos247; registo (em record) das negociações,

da declaração de culpa e do plea agreement alcançado, através do qual seja possível identificar que o processo foi levado a cabo de uma forma voluntária e assente numa base fática que permita o acordo alcançado248; informação ao acusado dos direitos constitucionais de que dispõe,