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O estatuto sintáctico da elipse do nome

De acordo com a intuição dos clássicos, a elipse é uma falta, uma ausência. Sendo assim, deve-se pôr a questão da própria existência do fenómeno de elipse do nome em termos de representação formal. Esta questão faz sentido na medida em que uma representação formal da língua baseada na estrutura de constituintes pressupõe que, se a estrutura do DP é projectada integralmente em Sintaxe, também a categoria N deve ser projectada no interior de NP.

Se por elipse nominal se entendesse ausência da categoria nominal na estrutura interna do DP, deveríamos então concluir que não existe elipse. De facto, a categoria NP é obrigatoriamente projectada, como complemento das projecções funcionais que a dominam. Razões de ordem estrutural obrigam pois a considerar em alternativa a elipse do nome como uma categoria nominal basicamente engendrada, que, por razões a definir, é gerada sem matriz fonética.

Por outro lado, a recuperação do conteúdo da elipse do nome pressupõe uma identidade categorial com o seu antecedente. Repare-se que a elipse ocorre frequentemente em construções de coordenação, em que se considera em geral que há uma simetria de configuração. Veremos que essa simetria pode ser considerada essencial em muitas construções elípticas envolvendo nomes.

Pelos motivos expostos, uma reflexão sobre a elipse do nome leva-nos a propor um modelo de projecção alargada para a categoria nominal em Português e em Francês, uma vez que o mecanismo da elipse do nome parece ser desencadeado a nível da estrutura interna do DP, pela presença de algum constituinte capaz de a legitimar. Neste quadro, a elipse pode ser reanalisada como complemento de uma categoria funcional que a domina estruturalmente. Devemos também reflectir sobre mecanismos de identificação de conteúdo da elipse que, como veremos, podem não ser circunscritos à estrutura da categoria DP em que o N vazio é projectado.

A outra questão preliminar levantada pela noção de elipse do nome tem a ver com a identidade categorial ou o estatuto sintáctico do nome suprimido. Deve ser em particular posta a questão da identidade e da representatividade do constituinte elíptico. A ideia de

considerar a elipse como um constituinte pronominal, proposta por Lobeck (1995), parece-me corresponder aos dados apurados. Vejamos os seguintes exemplos, onde o paralelismo entre pronomes referenciais e pronomes elípticos é desenvolvido —nos exemplos seguintes, [v] assinala uma posição vazia:

(34) a. O Pedro leu o livro

b. O PedrO| sentou-se e [v], leu o livro

c. O rapaz alto lia um livro, e o outro [v] lia uma revista

Em (34a), o verbo 1er atribui papel temático externo a Pedro. Podemos, por analogia com esta frase, assumir que também assim é para (34b), onde 1er deve ser capaz de marcar tematicamente o seu argumento externo. Com base no Princípio de Projecção, podemos postular que existe uma posição sujeito, que é [SpecJP], nas duas frases. A posição sujeito de 1er projectada em (34b) é no entanto uma posição DP não foneticamente realizada.14 A posição sujeito [SpecJP], ocupada por um pronome vazio, levanta a

questão das propriedades desse elemento zero, capaz de ocupar uma posição argumentai, e que não é obviamente um vestígio, já que não tem antecedente. Note-se que a posição em (34b) corresponde a um elemento vazio com referência definida: é interpretado do mesmo modo que um pronome pleno —fonticamente realizado—, com o qual é co- indexado. Em (34b), o sujeito de 1er é idêntico — co-referencial— ao de sentar-se, podendo ser ambos co-indexados. O elemento zero identificado é um pronome não- fonético, caracterizado pelos traços [-anafórico, +pronominal], e é habitualmente representado por pro. Em (34c), podemos postular que a segunda ocorrência de rapaz, caso de elipse do nome, pode corresponder ao mesmo tipo de constituinte pronominal.

Observe-se no entanto que a falta do nome não se pode confundir com a ocorrência de um sujeito nulo. Se, em Português, língua de sujeito nulo, as duas construções poderiam ser numa primeira análise confundidas —ambas implicam categorias não- fonéticas—, em Francês, no entanto, língua conhecida por não autorizar sujeitos nulos, a elipse do nome é perfeitamente possível, se obedecer a determinadas condições. Compare-se as frases seguintes, nas duas línguas referidas, em que o exemplo (a) ilustra pro sujeito nulo e (b) a elipse do nome:

(35) a. Os estudantes vieram ver a peça. No entanto, [e] saíram desiludidos b. Os estudantes vieram ver a peça. No entanto, [alguns [e] saíram desiludidos (36) a. * Les étudiants sont venus voir la pièce. Très vite, [e] sont partis déçus

c. Les étudiants sont venus voir la pièce. Très vite, [certains [e]] sont partis déçus Estes exemplos sugerem que a possibilidade de ocorrência da elipse do nome deve ser distinguida das condições formuladas para o parâmetro do sujeito nulo. Neste caso, o Francês distingue estas duas categorias vazias, já que autoriza a categoria elíptica,

14 Como o verbo 1er atribui 6-role externo, pro deve ser projectado em Estrutura-D, já que o 9-role externo está previsto na grelha argumentai do verbo.

Nomes nulos em Português e em Francês 81

aparentemente com base na presença do quantificador certains. No caso do Português, o sujeito nulo é legitimado e identificado pela flexão, mas no caso da elipse, este papel caberá ao elemento quantificador alguns, que, de alguma forma, actua como legitimador do nome suprimido, num papel parecido com o da flexão para o sujeito nulo.

Estes casos permitem sugerir que a elipse nominal partilha propriedades com os pronomes nulos. O que se observou mostra que a elipse não é derivada por qualquer tipo de movimento, e sugere que a elipse nominal não é pois, segundo o modelo estabelecido pela Teoria da Ligação—Chomsky (1981, 1982)—, nem uma variável nem uma anáfora. Tem propriedades típicas dos pronomes, como a propriedade de obedecer ao princípio B da TL, no que se assemelha ao pronome não fonético pro. Sendo assim, tal como o pronome nulo sujeito referencial, a elipse pode pois ser considerada tipologicamente um caso de pro [-anáfora, +pronome], com base na tipologia das categorias vazias, em Chomsky (1982). De acordo com esta análise, vou adoptar na sequência deste capítulo a ideia de que aquilo que é tradicionalmente designado elipse do nome é na verdade uma categoria vazia de natureza pronominal pro, e como tal, o que é crucial é perceber que mecanismo identifica e legitima o conteúdo de tal categoria vazia em Português e em Francês.