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Nomes vazios introduzidos por adjectivos

3.1 Contextos de elipse nominal

3.1.3 Nomes vazios introduzidos por adjectivos

Um tipo frequente de elipse do nome associa um adjectivo a um nome vazio. Neste caso, parece ser possível relacionar a ausência do nome com a presença de um adjectivo. Ao contrário do Inglês, língua na qual os adjectivos não permitem um nome vazio3, a

construção elíptica adjectival parece ser, em Português e em Francês, plenamente gramatical. Nestas línguas os adjectivos intransitivos —sem complemento— parecem ter capacidade para autorizar nomes nulos:

(11) a. Comprei o carro azule tu compraste! o [e] branco] b. J'ai acheté la voiture bleue et tu as acheté [ la [e] blanche]

c. O João gosta da manteiga francesa, mas a Rita prefere [ a [e] dinamarquesa] d. Jean aime le beurre français, mais Marie préfère [ le [e] danois].

Embora este tipo de caso pareça ser muito frequente, devemos observar todavia que, nestas duas línguas, algumas restrições operam: nem todos adjectivos permitem sistematicamente a ausência do nome lexical, como é o caso, por exemplo, dos adjectivos em (12a.b), se comparados com os adjectivos atributivos com (12c):

(12) a. * Dos carros em exposição, prefiro [o [e] económico / moderno / barato /seguro]4

b. *? Comprei o carro pequeno e tu compraste [o [e] económico]5

c. Dos carros em exposição, prefiro [o [e] azul / pequeno]

A mesma ausência de sistematicidade existe em Francês, com o mesmo tipo de construção adjectival:

(13) a. * Des voitures exposées, je préfère [1(a) [e] économique / moderne / sûre] b. *? J'ai acheté la petite voiture et tu as acheté [ la [e] sûre]

c. Des voitures exposées, je préfère [la [e] bleue /petite]

Esta construção levanta assim a questão dos tipos de adjectivos aptos a seleccionar nomes vazios: adjectivos de qualidade, como económico, e de cor, como azul, parecem ter um comportamento oposto relativamente à elipse.

A posição relativamente ao nome é também um factor importante para caracterizar os adjectivos. No caso da elipse do nome, contudo, as observações mostram que tanto adjectivos pré-nominais como adjectivos pós-nominais podem ser associados ao nome vazio:6

3 Sobre este tipo de exemplo, comentando frases como "John bought the red car and the green" Larson (1 997)observa: "In fact these constructions seem fine to my ear", o que dá a entender que para alguns falantes de Inglês, estas frases podem ser aceitáveis, em contradição com o que é geralmente assumido. Ver também a nota 58 p. 67.

4 Note-se que a frase deixa de ser má com um adjectivo superlativo: (i) Destes carros, prefiro o mais económico.

5 Provavelmente, exemplos como (12b) poderão ser considerados marginais num contexto muito favorável. Como veremos adiante, a marginalidade deste exemplo poderia ser melhorada com dois adjectivos claramente opostos:

(i) Compras o carro antigo e eu compro o moderno.

6 Note-se que nestes exemplos a posição do símbolo [e] usado para representar o nome vazio deve ser entendido relativamente a uma ordem em superficie. A ordem adjectivo/nome é, como veremos, básica.

(14) a. Eu prefiro [a outra [e]] b. Eu prefiro [a [e] vermelha] c. Je préfère [l'autre [e]] d. Je préfère [la [e] rouge]

Este facto não deixa de ser surpreendente se se considerar que a posição de precedência do adjectivo —assim como de qualquer elemento relacionado com a elipse do nome— poderia de alguma forma ser crucial para permitir a ausência do elemento que se segue.

Em Português e em Francês os adjectivos associados à ausência do nome realizam os traços [±plural] e [±masc]:

(15) a. Vi os meninos no pátio. [Os [e] grandes] brincavam com [os [e] pequenos] b. Comprei muitas revistas, mas [as [e] novas / recentes não têm interesse. c. J'ai vu les enfants dans la cour. [Les grands [e]] jouaient avec [les petits [e]] d. J'ai acheté beaucoup de livres, mais les [e] nouveaux /récents sont sans intérêt

Este facto mostra que nas Línguas Românicas, os adjectivos relacionados com nomes vazios podem exibir diferentes formas de flexão, de acordo com o modelo de concordância geralmente admitido nestas línguas, do mesmo modo que os adjectivos acompanhados do seu nome lexical. A sistematicidade da flexão adjectival nas Línguas Românicas torna difícil avaliar uma eventual ligação entre a flexão e a elipse. É possível, contudo, encontrar adjectivos não flexionados com um nome lexicalmente vazio, como é o caso dos adjectivos de cor; estes não são flexionados quando são compostos:7

(16) a. De ces robes, je préfère la [e] rose bonbon [-género, -num]

b. Destas camisas, qual gostas mais? Gosto muito da [e] verde azeitona [-género, -num]

c. Les [e] bleu clair sont les yeux qui me séduisent le plus [-género, -num]

d. Des lumières orange et des [e] rouge et or éclairent la nuit parisienne [-género, - num]

Como se vê, estes adjectivos estão em princípio habilitados a legitimar a elipse do nome, apesar de não serem flexionados. É também o caso com exemplos de adjectivos de origem estrangeira, em princípio não flexionados em (17). Podemos estender esta observação a casos de elipse do nome modificado por nomes próprios, em (18):8

(17) a. Tanto aprecio a música clássica como a [e] pop b. O estilo cool e o [e] snob são opostos

(18) a. A [e] persa e a [e] angora são raças de gatos em vias de extinção b. A minha casa de alta costura favorita é a [e] Dior

c. O meu perfume preferido é o [e] Guerlain

d. O relatório sobre sexualidade feminina mais conhecido é o [e] Hite e. J'ai acheté des fauteuils Empire et des [e] Richelieu

7 A razão invocada geralmente para este tipo de excepção consiste em associar a ausência de flexão ao facto de o segundo elemento do adjectivo de cor ser um nome.

8 O caso (18d)é notável na medida em que corresponde a um fenómeno metonímico frequente em grupos linguísticos característicos: em Francês, por Le Larousse, deve entender-se te dictionnaire Larousse. Em Português, o último Saramago refere intuitivamente um romance, etc.

Nomes nulos em Português e em Francês 75

Podemos também referir que existem meios sintácticos alternativos aos casos apontados. O mais frequente consiste em coordenar directamente os dois adjectivos sem flexão e flexionar o nome em consequência:

(19) a. As músicas clássica e pop b. As raças persa e angora

Esta estrutura distingue-se contudo da anterior pelo facto de ser uma coordenação de adjectivos enquanto em (17) a coordenação é de DPs, o que é comprovado pela presença no segundo membro coordenado do artigo.

Seguindo a distinção entre adjectivos transitivos —aqueles que seleccionam um complemento— e intransitivos —aqueles que não seleccionam—, verificamos que os adjectivos transitivos não permitem a elipse do nome com artigo definido, como os exemplos seguintes mostram. Essa elipse é contudo melhorada com um indefinido, como no exemplo (20d), ou com o uso de um adjectivo sem complemento —comportando-se neste caso como um adjectivo intransitivo—, como em (20e):

(20) a. * Que filme vais ver? Vou ver [o [e] capaz de me distrair]

b. * Relativamente aos pais, compreendo [os [e]orgulhosos dos seus filhos]

c. * Não tenho nada contra as pessoas, mas detesto [as [e] cheias de preconceitos] d. Que filme vais ver? Vou ver [um [e] capaz de me distrair]

e. Relativamente aos pais, compreendo [os [e]orgulhosos]

Este conjunto de exemplos com adjectivos permite concluir o seguinte: (i) os adjectivos que em Português e em Francês permitem a elipse do nome podem ser ou não flexionados e podem ser ou não pré-nominais. Os dados mostram que a flexão — excepção notável do [+género]— e a posição do adjectivo atributivo não condicionam a presença de nomes vazios; (ii) existe um contraste entre adjectivos intransitivos e transitivos, já que estes últimos não permitem nomes vazios (ver no entanto o parágrafo 3.1.4); (iii) outro contraste existe entre adjectivos como económico e adjectivos como grande: os primeiros bloqueiam a possibilidade de apagamento do nome (cf (12) e (13)).

Numa primeira aproximação, parece pois que o mecanismo da elipse do nome com adjectivos é de ordem sintáctica —são os adjectivos intransitivos que permitem a elipse do nome—, mas também de ordem semântica, uma vez que certos adjectivos intransitivos como moderno, económico, etc, mostram que o seu significado condiciona a elipse do nome. Voltaremos a esta problemática no capítulo 3.3.3.