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o dia 21 de abril de 1945, Robert Reid estava de volta a Buchenwald a serviço da BBC. Os americanos já tinham erguido um monumento provisório em memória das 50 mil pessoas que, segundo as estimativas, haviam morrido no campo. Desta vez, Reid visitou os crematórios e viu com os próprios olhos o elevador de proporção industrial que transportava os corpos dos prisioneiros executados para os incineradores. Em sua companhia estavam membros de uma delegação de parlamentares ingleses que responderam a um pedido de Eisenhower e foram até a Alemanha para testemunhar pessoalmente os horrores.

Sendo o primeiro grande campo libertado, Buchenwald foi visitado várias vezes por delegações similares nos dias que se seguiram, mas o grupo inglês foi o primeiro a chegar, desembarcando 24 horas depois do telegrama de Eisenhower. Dele, faziam parte homens e mulheres, membros de todos os partidos políticos. Logo, três integrantes do Congresso dos Estados Unidos uniram-se a eles. Na delegação americana estava também Clare Booth-Luce, mulher do in luente Harry Luce, fundador e editor-chefe das revistas Time e Life.

Nas bucólicas montanhas com vista para Weimar, agora mostrando o verde da primavera, equipes médicas americanas haviam começado um trabalho árduo para salvar os moribundos. Mas a situação era catastró ica e nem todos os corpos tinham sido ainda sepultados. Os civis alemães, chocados com aquela desgraça tão próxima, entravam e saíam dos hospitais improvisados, ouviam os testemunhos dos sobreviventes e observavam, incrédulos, os corpos magérrimos — centenas deles — sendo enterrados nas sepulturas cavadas em série por máquinas de terraplanagem do Exército americano. “Uma das coisas mais horríveis daquele lugar”, disse um parlamentar para Robert Reid, depois de visitar o crematório, “foi ver o sangue-frio, tipicamente alemão, com que tudo foi organizado”.

Eles todos tinham visto fotogra ias de Buchenwald antecipadamente e sabiam o que os esperava, mas nenhuma das fotos era capaz de mostrar o cheiro dos mortos e das doenças que invadiu suas narinas, ou de prepará- los para a experiência de conversar cara a cara com os sobreviventes. “Aos

parlamentares não foram mostradas apenas as tocas de ratos nos cubículos onde milhares de prisioneiros viveram e morreram, os corpos esqueléticos daqueles que um dia foram humanos e que agora esperavam por um enterro cristão [sic] decente, e o crematório com ossos ainda espalhados no forno”, contou um Reid emocionado aos ouvintes da BBC na Grã-Bretanha. “Eles tiveram também a oportunidade de conversar com muitos prisioneiros e tudo o que ouviram con irma cada matéria de jornal e cada transmissão de rádio sobre aquele lugar.”

Em parte, foi a chocante coexistência entre a beleza da paisagem e a brutalidade do campo que inspirou Eisenhower a insistir para que os civis alemães da região de Weimar fossem testemunhar in loco os horrores que haviam acontecido no fundo de seus quintais. Ele não queria desculpas ou protestos sobre a “inocência alemã” nos anos que viriam. Pelo menos mil moradores das imediações teriam de visitar o campo e o hospital. Metade deles, mulheres. “Aqueles requisitados a fazer a visita incluem: homens e mulheres de 18 a 45 anos, sobretudo os que pertenceram ao Partido Nacional-Socialista”, diziam suas ordens.

Dois terços devem pertencer às classes mais abastadas e um terço, às baixas. Devem ter resistência su iciente para aguentar a marcha e a inspeção no campo (que terá duração de cerca de seis horas; a distância é de 25 quilômetros). Todos devem trazer comida e se alimentar antes da visita. Nada acontecerá aos participantes. A marcha será acompanhada por caminhões da Cruz Vermelha alemã e médicos, a im de prover qualquer assistência que se faça necessária.1

Reid estava lá para testemunhar a cena. Cerca de 12 grupos de alemães — homens, mulheres, rapazes e moças — foram guiados pelo campo, escoltados por policiais do Exército americano e por líderes dos grupos de prisioneiros, e forçados a encarar, como Reid contou a seus ouvintes da BBC, “os montes de esqueletos cobertos por peles arroxeadas e enrugadas como pergaminhos”. Era uma tarde quente, ele disse, “e o mau cheiro por causa da decomposição dos cadáveres contaminava o ar empoeirado de Buchenwald. Alguns dos alemães mais imperturbáveis apenas olhavam os corpos e não diziam nada. Era impossível sondar seus semblantes e perscrutar suas mentes para saber o que estavam pensando”.

Sua revolta era um pouco pessoal. Ele e Vera haviam abrigado uma refugiada judia de Viena em sua casa na Grã-Bretanha. Ele sabia, pelo que a hóspede lhes dissera, que muita gente respeitável tinha virado as costas para as vítimas de Hitler e optado por ignorar o que estava acontecendo.2

Buchenwald rendeu manchetes ao redor do mundo. Mas os cidadãos britânicos estavam ainda mais assustados pelo horror que suas próprias tropas haviam descoberto recentemente nas lorestas de pinheiros do norte da Alemanha.

Celle é uma cidadezinha às margens do rio Aller, cerca de 50 quilômetros a nordeste de Hanover, na estrada para Hamburgo. Perto dela, as forças britânicas de Montgomery montaram um quartel-general quando a linha de frente iniciou seu avanço contínuo em direção ao mar Báltico. Adiante, estava a Charneca de Lüneburg. Na terça-feira, 12 de abril, um coronel da Wehrmacht se aproximou de motocicleta com uma bandeira branca tremulando. Ele pediu para falar com um o icial britânico de alta patente. Com os olhos vendados, o alemão foi levado ao quartel-general.

O coronel estava propondo uma trégua local. A razão, ele explicou, era uma epidemia de tifo em um campo de concentração próximo dali. Se os combates chegassem ao campo, ele temia que os prisioneiros pudessem fugir e alastrar a doença. Depois de muita discussão, sua proposta foi aceita. Foi acordado que, quando as tropas britânicas chegassem a determinado ponto da estrada, o cessar-fogo entraria em vigor.

Três dias depois, as tropas britânicas chegaram à linha combinada. Neste grupo estava o major David Finnie da 11a Divisão Blindada, um

o icial com apenas 23 anos de idade. Ele liderava um comboio de meias- lagartas por uma estrada estreita e cheia de veículos em direção à cidade de Bergen. Eles alcançaram uma ponte sobre o Aller e então, subitamente, o comboio se deteve. Em ambos os lados havia pântanos; adiante, uma densa loresta de pinheiros. Estavam emperrados. “Nós icamos ali, esperando, naquele dia gostoso de primavera”, recordou Finnie. De vez em quando uma granada alemã explodia nas proximidades.

Finalmente, ele foi informado pela primeira vez sobre a trégua. O comboio tinha chegado no limite da área combinada. Finnie, então, marcou devidamente o local em seu mapa.3

Enquanto isso, um pequeno destacamento britânico entrou no campo. Um dos primeiros a chegar foi um jovem o icial de inteligência chamado Derrick Sington, que nunca esqueceu o que chegou aos seus olhos, ou ao seu olfato:

Aquilo me lembrava a entrada de um zoológico. Percebemos um odor de excremento — como o fedor de uma jaula de macacos. Uma sinistra fumaça azul lutuava como poeira entre os prédios baixos. Eu já tinha tentado imaginar como seria o interior de um campo de

concentração, mas não daquela maneira. Nem tinha imaginado o estranho amontoado símio que se aglomerava junto à cerca de arame farpado que circundava o lugar, com suas cabeças raspadas e seus vergonhosos trajes listrados de prisioneiros [...] Nós já tínhamos sido recepcionados, mas os cumprimentos um tanto incrédulos daqueles homens destroçados, bufões em roupas terríveis, que um dia haviam sido o iciais poloneses, agricultores na Ucrânia, doutores em Budapeste e estudantes na França, provocaram em mim uma emoção tão forte que tive de lutar contra as lágrimas.4

No portão principal, o o icial britânico encarregado de controlar o campo encontrou um o icial da Wehrmacht, e este o levou até o comandante-geral do campo, o capitão da SS Josef Kramer, um veterano de Auschwitz. A primeira coisa que Kramer fez foi insistir para que seus homens não fossem desarmados. Se isso acontecesse, explicou, seriam esquartejados pelos prisioneiros. Os ingleses concordaram que por enquanto eles poderiam manter suas armas.

Kramer, então, levou os ingleses para conhecer o campo, sempre deixando claro que ele chegara havia pouco tempo e que a maioria das coisas que eles veriam já estava acontecendo antes que ele assumisse a posição. Ainda assim, não parecia envergonhado e a irmou que tentara fazer o melhor que pôde. Mas os soldados britânicos nunca esqueceram o que viram naquele dia. Eles, e todos os que os seguiram, registra um historiador, “sentiram a mesma sequência de emoções: incredulidade, espanto, horror e raiva”.5

Bergen-Belsen, na verdade, era um complexo de dois campos em um. No Campo 1 estavam abarrotados 50 mil internos, metade deles mulheres; destas, em torno de 18 mil eram húngaras, polonesas, romenas, tchecas ou judias alemãs, em sua maioria as únicas sobreviventes de famílias que haviam perecido nas câmaras de gás em Birkenau (Auschwitz) ou Treblinka. As restantes eram russas, iugoslavas, polacas, francesas e belgas que haviam sido presas como ativistas da resistência. O Campo 2 estava situado perto de uma escola de treinamento de blindados no mesmo terreno e só recebia internos masculinos — em torno de 15 mil homens. O grupo maior era de russos, que compunham em torno de 60% do total, seguidos pelos polacos. Havia entre 1.600 e 1.800 alemães e cerca de 2 mil gregos, franceses, belgas e tchecos, igualmente repartidos — os demais eram holandeses e iugoslavos.6

De longe, o pior dos dois era o Campo 1. Ali, amontoados em cem cabanas de madeira minúsculas, ou estendidos em pátios sem muros e expostos às intempéries, jaziam dezenas de milhares de prisioneiros

de inhados e doentes. A maioria estava morrendo de disenteria, tuberculose ou tifo. Os homens estavam vestidos com o uniforme típico dos campos de concentração, que parecia um pijama listrado, ou simplesmente em trapos imundos. As mulheres usavam roupões listrados de lanela. Alguns poucos calçavam sapatos. Por muitos dias, em decorrência da aproximação da frente de batalha, a energia elétrica e a água haviam sido cortadas. O saneamento básico, que já era precário, agora já não existia. Os internos estavam morrendo em uma escala de quinhentos por dia. Em frente a uma das cabanas femininas havia uma pilha de cadáveres por enterrar. Dentro dela, corpos de mulheres mortas ocupavam todo o espaço do corredor, e no dormitório principal havia um aglomerado de cadáveres bloqueando o acesso. O lugar fedia a carne podre, fezes e urina. “Era como um deserto árido, tão vazio de vegetação quanto uma galinha depenada”, descreveu o o icial de uma unidade de socorro do Exército.

Os cadáveres estavam por toda parte, alguns em grandes montes, onde haviam sido descarregados pelos outros internos, às vezes isolados ou em pares, no local onde caíram depois de deixarem uma trilha de rastros imundos [...] vi mulheres debruçadas no próprio vômito porque estavam fracas demais para se mexer, e homens comendo vermes quando agarravam a metade de uma fatia de pão, porque precisavam desesperadamente comer, mas não conseguiam mais distinguir o que era pão e o que era verme. Amontoados de corpos, nus e deploráveis, e uma mulher apoiando-se neles por estar fraca demais para ficar de pé enquanto cozinhava em uma chama aberta a comida que lhe demos. Homens e mulheres se agachando em qualquer lugar possível no descampado, para dar vazão à diarreia que dilacerava seus corpos. Uma mulher completamente despida lavando-se com sabão molhado na água de um tanque onde boiavam os restos de uma criança.

Esta era apenas a miséria à primeira vista. No interior das cabanas de madeira lotadas, as tropas de libertação britânicas encontraram cenas do Inferno de Dante. Esforços frenéticos foram feitos para salvar o maior número de vidas possível, mas a tentativa se mostrava quase infrutífera.

A primeira e desesperada necessidade era por comida e água, e em 24 horas comboios de caminhões-pipa, alimentos e utensílios de cozinha chegaram ao local. Entretanto, a maior parte da comida era rica demais para os doentes: muitos deles a devoraram e morreram pouco depois. Mas foi o número alarmante de emergências médicas o que mais impactou os libertadores. Após uma rápida inspeção, descobriu-se que 17 mil mulheres no Campo 1 necessitavam de internação hospitalar imediata, só que não

havia hospital. Uma emergência podia ser montada na escola de blindados, mas isso levaria tempo. E embora uma evacuação escalonada tivesse sido cogitada, haveria atrasos fatais. Enquanto isso, a contagem de mortos continuava a crescer.

Duas semanas depois de entrar no campo, o serviço médico do Exército britânico ainda estava tão sobrecarregado que pediu ajuda desesperada a Londres, que enviou 96 estudantes de medicina. Cada um foi lotado em uma cabana com a ordem de tornar as condições as mais salubres possíveis enquanto os internos esperavam para ser transferidos para um leito de hospital. Eles também deviam controlar a dieta diária de cada paciente, para que os mais fortes não se apoderassem da porção dos mais fracos.

Um dos estudantes deixou um relato vívido sobre sua cabana:

Ali estavam as pessoas mais cadavéricas que já vi na vida. Deveria haver uma luz no im do túnel, mas elas não conseguiam se levantar e ir até lá. [Na cabana] os excrementos iam quase até a altura do tornozelo. As pessoas estavam muito fracas para usar [o banheiro] e descarregavam suas fezes e urina ali mesmo, e elas escorriam de um cômodo para outro. Outro estudante registrou um momento singular de horror: Eu estava em pé no meio de toda aquela imundície, tentando me acostumar ao cheiro, que era uma mistura de necrotério com fedor de esgoto, suor e pus, quando ouvi um barulho vindo do chão. Eu olhei e avistei a meia-luz uma mulher agachada a meus pés. Ela tinha um cabelo preto emaranhado, cheio de piolhos, e suas costelas saltavam como se não houvesse nada entre elas, seus braços eram tão magros que me aterrorizaram. Ela estava defecando, mas estava tão fraca que não conseguia erguer suas nádegas do chão e, como sofria de diarreia, o líquido amarelo borbulhava sobre suas coxas.

Quando os estudantes caminhavam pelas cabanas, as mulheres agarravam suas mangas em desespero, gritando, “Herr Doktor! Herr Doktor! ”, e lhes contavam suas tristes histórias: “Minha mãe e meu pai foram queimados em Auschwitz”; “Meu marido foi chicoteado até a morte pela SS”; ou perguntavam suplicantes: “Voltarei a ser bonita algum dia, Herr Doktor?”.7

As ichas de identi icação das vítimas foram abandonadas, ou nunca chegaram a existir. Para tornar as coisas piores, os parentes consanguíneos eram muitas vezes separados no processo de evacuação dos campos, fato que causou enorme a lição. Entretanto, gradualmente, as enfermeiras começaram a catalogar a história pessoal dos sobreviventes,

junto com detalhes sobre seus parentes perdidos. Este processo revelou, mais uma vez, a desumanidade chocante dos nazistas, como relatou uma enfermeira da Cruz Vermelha suíça que pediu a uma paciente para informar seu nome, nacionalidade e lugar de origem: “A mulher não sabia o que dizer. Por im, ela levantou a manga de sua camisola e murmurou: ‘Eu... não tenho nome — só número — nem país, sou só uma judia, me entende? Sou apenas um cachorro’.”8

O problema mais alarmante era o tifo. Devido às condições insalubres, ele tinha se alastrado rapidamente pelo campo. O piolho é o principal propagador do tifo, que primeiro se revela como uma erupção de pele, seguida de febre, dores fortes na cabeça e no corpo, e então, insu iciência renal e gangrena. Algumas vezes, o tifo penetra no sistema nervoso central, provocando uma morte agonizante e convulsiva. Uma de suas vítimas foi Anne Frank, que morrera de tifo em Belsen naquele mês de fevereiro.

Para estancar a epidemia da doença, o piolho tinha que ser exterminado. Então, todos no campo, e não só os prisioneiros, tiveram que se submeter à aplicação do inseticida DDT. “Uma borrifada em cada manga. Uma dentro das calças. Outras duas nas costas e na frente das camisas ou blusas, e uma última no cabelo”, recordou um visitante. Foram impostas também restrições severas à velocidade dos veículos no interior do campo, para que não levantassem poeira, que continha e espalhava as fezes mortais dos piolhos. Aos poucos, a taxa de mortalidade no campo foi diminuindo e, no im daquele mês, estava em trezentos óbitos por dia. À medida que as cabanas imundas e contaminadas eram esvaziadas, imediatamente eram incendiadas até virarem cinzas.

Enquanto os médicos e as enfermeiras dedicavam-se incansavelmente aos sobreviventes, o trabalho de enterrar os corpos prosseguia sem cessar. Os números eram grandes demais para permitir covas individuais, ou para que se observasse qualquer dignidade no sepultamento. Em vez disso, como aconteceu em Buchenwald, as escavadeiras militares izeram grandes valas ao ar livre e os corpos eram lançados ali. No início, esta tarefa cruel foi dada aos guardas remanescentes da SS, que estavam sendo deliberadamente alimentados com a comida que davam aos prisioneiros antes da libertação. Dois dias depois, dois deles cometeram suicídio, um enlouqueceu, e outro se disfarçou de prisioneiro e foi baleado quando tentava fugir.

Um correspondente de guerra, Alan Moorehead, que acompanhava as forças britânicas no noroeste da Alemanha, observou uma destas cenas de sepultamento:

Nós vimos um grupo de guardas alemães atirando os corpos em uma vala de cerca de 10 metros quadrados. Eles traziam os corpos em um carrinho de mão, e à medida que estes iam sendo jogados na cova, um soldado inglês fazia a contagem. Quando o total em cada vala atingia quinhentos corpos, uma escavadeira dirigida por outro soldado vinha e começava a jogar terra sobre a sepultura. Os corpos empilhados, pequenos como corpos de crianças, tinham um estranho tom aperolado [...] todos os padrões normais pelos quais se reconhece um corpo humano haviam praticamente desaparecido.9

Finalmente, decidiu-se agilizar os trabalhos simplesmente empurrando os cadáveres nas valas com uma escavadeira. Um padre e um rabino rezavam então sobre a cova.

Belsen nunca chegou a ser um centro o icial de extermínio como Auschwitz e Treblinka. Nem foi um dos campos de concentração utilizados no pré-guerra para os opositores políticos do nazismo, como Buchenwald e Dachau, onde Fey von Hassell ainda permanecia. Ironicamente, o campo de Belsen tinha sido construído em 1943 como um campo relativamente brando para prisioneiros privilegiados, sobretudo judeus com ligações importantes, que os nazistas pretendiam trocar por alemães presos em países aliados. Entretanto, apenas um pequeno grupo chegou a ser permutado, e no inal de 1944, o campo havia se degenerado em apenas mais buraco do inferno no vasto gulag nazista de arames farpados que se alastrara pela nova Europa de Hitler, “o terminal, a última estação”, diziam, “do Holocausto”.10

Em pouco tempo, Belsen estava amontoado de prisioneiros evacuados da Polônia e do leste da Alemanha pela proximidade dos invasores russos, de enfermos dos campos de trabalhos forçados de todo o Reich e de milhares de outras vítimas capturadas pelo império decadente de Hitler sem nenhuma razão evidente. A única certeza que emergiu do caos era que Himmler esperava conseguir um acordo para salvar a própria vida. Em março, um de seus principais auxiliares, o SS Obergruppenführer Oswald Pohl, tinha visitado o campo a pedido de Josef Kramer. Chocado com o que viu, ele providenciou a remoção rápida de 7 mil dos “judeus permutáveis” que lá permaneciam, na esperança de que ainda pudessem ser trocados com os Aliados por alguma coisa que salvasse seu chefe. No entanto, mesmo depois que estes judeus deixaram o campo, mais carga humana continuou a chegar.

No começo de abril, o número de prisioneiros havia atingido 40 mil, contra apenas 15 mil em dezembro do ano anterior — muitos outros milhares desembarcaram nas semanas seguintes. As condições tornaram-

se consideravelmente piores com a chegada dos administradores de Auschwitz, homens e mulheres já calejados quando o assunto era brutalidade e morte. Kramer era um nazista entusiasmado e obediente, cuja indiferença absoluta pela sordidez que o rodeava desa iava a lógica.

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