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2 A ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL: DA VISÃO CLÁSSICA À

2.2 A estratégia como um processo

As principais influências sobre os críticos da abordagem clássica predominante são oriundas da visão processual da estratégia (WILSON; JARZABKOWSKI, 2004). Essa visão surgiu de contribuições de autores de outras áreas dos estudos organizacionais que se voltaram para a estratégia (WHIPP, 2004). Pettigrew (1977, 1987, 1992) e Mintzberg (1967, 1973, 1978, 2004) são dois destaques dessa abordagem (KNIGHTS; MORGAN, 1991).

Desde a década de 1960, Mintzberg (1967, p.71) tem trabalhado o conceito de estratégia como padrão, inicialmente de maneira mais superficial, ao conceituar que

[...] a formação estratégica é definida simplesmente como um processo de tomar importantes decisões organizacionais (por exemplo, para reorganizar, desenvolver uma nova linha de produtos, embarcar em um programa de expansão). Estratégia é o conjunto dessas decisões, podendo evoluir na medida em que decisões

independentes são tomadas ao longo do tempo, ou ser resultado de processos de

formação de planos integrados.

Dessa maneira, evidenciou-se o esboço da abordagem que mais tarde Mintzberg (1978, p. 935) demarcou por meio do conceito de que estratégia é “[...] um padrão em um fluxo de decisões” (MINTZBERG, 1978, p. 935). O padrão é concebido como “[...] consistência em

comportamento ao longo do tempo” Para demarcá-lo, o autor enfatiza a discussão da concepção de estratégia como plano – “[...] uma direção, um guia ou curso de ação para o futuro [...]” – e a coexistência dos dois conceitos (MINTZBERG, 2004, p. 34). Conforme Mintzberg (2004, p. 34)

[...] ambas as definições parecem válidas – as organizações desenvolvem planos para seu futuro e também extraem padrões de seu passado. Pode-se chamar uma de estratégia pretendida ou intencional e a outra de estratégia realizada. Assim, a pergunta importante passa a ser: as estratégias realizadas devem ter sido sempre pretendidas?

De acordo com o autor, a resposta para essa pergunta pode ser obtida ao se questionar os atores organizacionais sobre as estratégias realizadas e as pretendidas nos últimos cinco anos, o que deve revelar uma tendência intermediária. Ou seja, uma parte das realizadas era, também, pretendida, mas outra parte não, pois surgiu de adaptações não intencionais. Observa-se que, ao chamar a estratégia como padrão de estratégia realizada, Mintzberg (2004) deixa claro que ela inclui a estratégia como plano, chamada de “estratégia pretendida”. Mas apenas uma parte das estratégias pretendidas se transforma em estratégias deliberadas e realizadas. O restante compõe as estratégias não realizadas. Entre as estratégias realizadas (como padrão) também estão algumas que não foram deliberadas. Estas seriam as estratégias emergentes, completando os tipos básicos de estratégia no processo defendido pelo autor. Para Mintzberg (1978) e Mintzberg e Walters (1985), as estratégias emergentes seriam complementares às deliberadas, presentes nas concepções clássicas. A proposta dos autores consistia em suprir a ausência dos processos subjetivos nos estudos sobre estratégia, com ênfase nas trocas referentes ao processo de formação das estratégias.

Mintzberg (1978) defende o reconhecimento do que ocorre além do controle racional, espaço no qual surgem estratégias emergentes (formadas) passíveis de serem moldadas pelos gestores e, então, transformadas em deliberadas (formuladas). O papel dos gestores é atuar nessa passagem, da estratégia emergente para a deliberada, compondo estratégias adequadas a cada organização e contexto de atuação. Em síntese, a proposta do autor consiste em uma oposição à tentativa de definir planos claros e racionais para o futuro, incapazes de considerar o processo de adaptação promovido pelos próprios planos. No lugar dessa tentativa, o gestor deve focar o processo de adaptação organizacional em si, do qual emerge a formação das estratégias, e, a partir dele, formular as suas estratégias para a organização (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). De acordo com Mintzberg (2004, p. 35), “[...] poucas estratégias podem ser puramente deliberadas (se é que alguma pode) e poucas, puramente emergentes. [...] Todas as estratégias do mundo real precisam misturar as duas de alguma forma – tentar controlar sem interromper o processo de aprendizagem”.

Um exemplo dessa coexistência entre estratégias deliberadas e estratégias emergentes é apresentado pelo autor quanto descreve uma política comum adotada para se mudar de estratégia a despeito da resistência da alta administração. Nesse caso, o ator organizacional interessado na mudança acaba atuando de maneira clandestina em relação à alta administração, pelo menos até que sua proposta se transforme em um padrão reconhecido por essa alta administração. “Para ele, ela [a estratégia] é deliberada, mas (ainda) não para a organização como um todo” (MINTZBERG, 2004, p. 115). Ou seja, uma estratégia deliberada em um nível pode ser emergente em outro. Caso a estratégia seja realizada antes de a alta administração assumi-la, em relação a esse grupo os resultados devem ser atribuídos a um processo de emergência de estratégia. Já em relação ao ator organizacional

que a planejou, tal estratégia é deliberada. Portanto, a demarcação entre emergência e deliberação é relativa aos atores e grupos relacionados com o processo da estratégia em questão.

É essa visão mais processual e política de estratégia que uniu as contribuições de Mintzberg (1978) com as de Pettigrew (1977). Ao focar as influências políticas nos processos decisórios, Pettigrew (1977, p. 79) defende que a “[…] estratégia pode ser entendida como um fluxo de eventos, valores, e ações inserido em um contexto”. Conforme o autor, esse contexto inclui a posição da estratégia no tempo;1 a cultura da organização;2 o ambiente de atuação e seus níveis de mudança e estabilidade; a atividade, a estrutura e a tecnologia da organização; o sistema de liderança; e a política interna da organização. Por meio desses fatores, os níveis micro (das ações cotidianas), meso (da cultura da organização, do sistema de liderança...) e macro (do ambiente de atuação) se encontram e se inter-relacionam, (re)compondo continuamente os contextos. Inseridos nesses níveis, os fatores influenciariam as soluções para os dilemas ambientais e intra-organizacionais que constituem o foco das escolhas estratégicas. Além disso, eles também atuariam no processo político de tomada de decisão que definiria quais dilemas deveriam ser tratados (PETTIGREW, 1977).

Ao analisar tais escolhas, o autor supera a excessiva ênfase na importância do nível macro das instituições econômicas, predominante na abordagem clássica. Mintzberg (1978) e

1

A questão da posição no tempo se refere ao fato de as estratégias anteriores terem conseqüências sobre as atuais, que, por sua vez, definirão parte do contexto que permeará as futuras estratégias (Pettigrew, 1977).

2

Para Pettigrew (1979, p. 574, tradução nossa) a “[...] cultura é um sistema de significados aceitos publicamente e coletivamente por um grupo específico num tempo específico”.

Mintzberg e Walters (1985) foram ao encontro dessa idéia quando diferenciaram estratégias emergentes de estratégias deliberadas. As primeiras são convergentes com o que Pettigrew (1977) identificou como “estratégias que evoluem além da resolução parcial de determinados dilemas ou questões”. As segundas aproximam-se do que o autor chamou de “formulação estratégica como um processo intencional”, uma percepção parcial dos membros organizacionais a partir de dilemas que aguçam sua consciência para a estratégia.

Para Mintzberg (1978) e Mintzberg e Walters (1985), as duas estratégias (emergentes e deliberadas) são complementares em um continuum, no qual cada uma comporia um extremo. Mas, ao identificar o que chamou de “processo intencional”, Pettigrew (1977) refere-se apenas à percepção dos membros organizacionais. O autor explica que essa percepção parcial ocorre em virtude de alguns dilemas organizacionais específicos, capazes de aguçar a consciência dos membros organizacionais sobre a estratégia, o que permitiria pensá-la como um processo intencional. A despeito da percepção parcial, não existiriam dois tipos de estratégia, um deliberado e outro emergente, mas apenas um, que é a própria estratégia. Ela é complexa, está em contínua transformação e, dependendo dos dilemas abordados, apresenta-se de maneira mais evidente – quando os eventos decisórios são identificáveis e ela é vista como intencional – ou de maneira mais implícita – quando os eventos decisórios são discretos. Esse entendimento levou o autor a propor que o estudo do processo de formulação estratégica envolve a análise dos eventos decisórios identificáveis e discretos, com foco nos dilemas a eles associados. Os caminhos tomados por esses eventos e seus resultados seriam analisados com base em seu contexto de inserção, em parte oriundo das ligações entre eventos decisórios sucessivos, e nos processos políticos a eles relacionados.

Outro ponto a se destacar é que Pettigrew (1977) não diferencia claramente formação e formulação estratégica. Em uma posição distinta, Mintzberg (1978) associa o termo

formação (segundo a idéia de construção) à sua concepção de estratégia emergente e o

termo formulação (segundo a idéia de instrumentalização deliberada) à sua concepção de estratégia deliberada. Nessa proposta, a formação e a formulação seriam processos complementares, mas para Pettigrew (1977) a formulação estratégica deve ser tratada como um processo político de tomada de decisão, inserido em determinado contexto, em permanente construção, não cabendo desmembrá-la em um outro processo. Dessa maneira, o autor consolidou seu conceito de estratégia como sendo um processo político de tomada de decisão, sem precisar desmembrá-lo em tipos extremos para dar conta das complexas construções cotidianas dos membros organizacionais.

Em síntese, o autor acima mencionado revelou a formulação estratégica como um processo político, inserido em um contexto, com inter-relações nos níveis micro, meso e macro, que se transforma cotidianamente, em virtude de uma variedade de fatores, que compreendem, também, as próprias transformações oriundas das sucessivas formulações estratégicas. Esta tese baseia-se em parte em suas idéias, mas não de maneira isolada. Aqui se busca articulá- las com contribuições de outros campos do conhecimento e da própria estratégia. Nesta última, destaca-se a corrente da estratégia como prática (ou microprática3), diretamente relacionada com o objetivo desta tese e fortemente influenciada pelas contribuições de

3 Neste projeto os termos micropráticas e práticas são considerados como sinônimos, pois as práticas são tratadas aqui, segundo o entendimento de Certeau (1994), no nível das interações sociais dos sujeitos; portanto, um nível micro.

Pettigrew (1977) e Mintzberg (1978) (JARZABKOWSKI, 2004, 2005; HENDRY; SEIDL, 2003; JOHNSON; MELIN; WHITTINGTON, 2003).