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6 O MERCADO DA VILA RUBIM

6.1 A história

O bairro da Vila Rubim, situado na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, data do início do século XX, quando era chamado de “Cidade de Palha”. O nome deve-se à condição de pobreza do lugar, habitado pelos imigrantes do interior do Espírito Santo e de outros estados (PREFEITURA DE VITÓRIA, 2006). Aos poucos, o bairro desenvolveu-se, tornando-se reconhecido como um lugar de passagem e comércio dos que se deslocavam do continente para a ilha principal do arquipélago que compõe a cidade, servindo de atracadouro para embarcações que traziam produtos do interior (BOTELHO, 2005).

Como explica Canal (2006), no final da década de 1920, parte do então Mercado Municipal, o Mercado da Capixaba, transferiu-se para esse local, criando-se o Mercado da Vila Rubim, inaugurado em 1928. No pavimento superior, ficavam sua administração e cerca de 20 mercearias; no térreo, o comércio de hortigranjeiros e açougues; e nos fundos, um atracadouro, que, mais tarde, deixou de existir, em virtude de um aterro que possibilitou a expansão do Mercado. A movimentação de mercadoria por meio de embarcações na região do mercado pode ser observada na Figura 4.

Figura 4 – Desembarque de mercadorias na região do Mercado da Vila Rubim no início do século XX Fonte: arquivo público municipal

Na Figura 4, é possível evidenciar ainda a extensão dos aterros que permitiram expansões posteriores do Mercado. Toda a área apresentada foi aterrada, inclusive a que fica abaixo da ponte que aparece no canto esquerdo, conhecida atualmente como Ponte Seca. Vêem-se, ainda, as imediações do entorno do prédio do antigo Mercado, na qual se desenvolveu a comercialização de produtos diversos, em barracas de madeira descritas como precárias por vários respondentes. Alguns afirmaram que era possível ver a maré subindo de dentro das barracas, através das frestas das tábuas, até quase atingir as mercadorias. Uma prática comum era a construção de palafitas elevadas em relação à maré alta, como se vê no canto direito da figura. Ao longo dos anos, essa área nas imediações do Mercado desenvolveu uma atividade comercial com grande movimentação de pessoas. Segundo os sujeitos de pesquisa, em virtude das constantes confusões que ocorriam na área específica das barracas

ela passou a ser chamada de Coréia, uma analogia com a Guerra da Coréia, ocorrida no início da década de 1950.

Em 1969, os comerciantes que trabalhavam com produtos hortifrutigranjeiros foram transferidos para três galpões próximos ao antigo prédio do Mercado. Esses galpões eram de propriedade do governo do Estado, os quais foram transferidos para a Prefeitura, por comodato. Para lá foram aqueles que comercializavam hortifrutigranjeiros no térreo e nas proximidades do prédio. Os comerciantes que trabalhavam no prédio com outros produtos receberam a doação da área em volta dos três galpões para que financiassem a construção de suas lojas, o que foi feito, e eles se transferiram para lá na década de 1970. Isso permitiu a demolição do antigo prédio e a construção de uma praça em seu lugar, a Praça Manoel Rosindo. Deve-se destacar que desde então, formalmente, apenas os três galpões passaram a ser chamados de Mercado da Vila Rubim, como consta nos endereços e documentos da Prefeitura. Mas, para as pessoas que trabalham e circulam entre os outros galpões e a Praça Manoel Rosindo, toda a área faz parte do Mercado da Vila Rubim, construção social assumida nesta tese para delimitar a área do mercado. No mapa apresentado na Figura 3, essa área corresponde à parte sombreada, aproximadamente uma circunferência com cerca de 200 metros de diâmetro.

Em relação à Praça Manoel Rosindo, é preciso explicar sua atual inserção no Mercado. Segundo os respondentes, após a demolição do antigo mercado, a Praça foi tomada por mendigos, os quais foram expulsos por ambulantes, que instalaram lá suas barracas, fazendo com que a Praça Manoel Rosindo seja conhecida como a “Praça da Feirinha”. A Figura 5 revela a ocupação desordenada da praça, com as pessoas aguardando os ônibus em pontos bem próximos das barracas de produtos hortifrutícolas, que, então, predominavam.

Figura 5 – Praça Manoel Rosindo ocupada pelos barraqueiros Fonte – Associação dos Barraqueiros da Vila Rubim

Havia grande distância entre as mudanças que a Prefeitura planejava para o Mercado e o que as pessoas construíam. Essa distância não se restringe à praça, no planejamento inicial dos três galpões, de fins da década de 1960, cada um dos 100 boxes deveria ser ocupado por um pequeno comerciante de produtos hortifrutigranjeiros. Entretanto, vários comerciantes adquiriram mais de um boxe e passaram a comercializar produtos diversos, como roupas, artesanato, produtos medicinais e religiosos, não apenas hortifrutigranjeiros.

Durante esse processo, a Vila Rubim, que até então fazia o papel de abastecer a cidade de alimentos, foi aos poucos dividindo esse papel como outras regiões. O atacado de produtos hortifrutigranjeiros que era realizado lá passou para o município de Cariacica, sob a administração da Centrais de Abastecimento do Espírito Santo (CEASA/ES), em 1974. No

início da década de 1980 a CEASA também buscou administrar o varejo de hortifrutigranjeiros e, nesse sentido, assumiu da prefeitura a administração dos galpões da Vila Rubim. Mas, em meados de 1980, afastou-se, entregando a gestão para a Associação dos Usuários do Mercado da Vila Rubim, criada para esse fim pelos próprios comerciantes e que, mais tarde, se transformaria na Associação dos Comerciantes da Vila Rubim (ACVR), incluindo todos os comerciantes da região.

Naquela época, além de a CEASA ocupar o papel de atuação no atacado de hortifrutícolas, nas vendas a varejo o papel do Mercado da Vila Rubim passou a ser dividido com os “Kilões” e supermercados, criados em diversos bairros e municípios vizinhos, oferecendo os principais produtos encontrados no Mercado da Vila Rubim. Conforme os respondentes, a partir de então, embora mantivesse certa movimentação, o Mercado já evidenciava seu declínio. Em julho de 1994, um incêndio de grandes proporções destruiu parte do Mercado. Além de várias lojas construídas para abrigar os comerciantes do antigo mercado, dois dos três galpões inicialmente voltados para o comércio de hortifrutigranjeiros foram quase totalmente destruídos, como se observa nas Figuras 6 e 7.

Figura 6 – Início do incêndio no Mercado da Vila Rubim Fonte: Comerciante Jair da Vitória

Figura 7 – Mercado da Vila Rubim após a explosão durante o incêndio Fonte: comerciante Jair da Vitória

As duas figuras permitem entender o motivo de alguns respondentes se referirem ao incêndio como “a explosão”. A Figura 6 mostra o início do incêndio, uma coluna de fumaça que sobe das janelas onde ficava um galpão ocupado inicialmente pelos comerciantes do antigo mercado. Logo em frente às janelas estão três longos telhados, um de cada galpão inicialmente ocupado por comerciantes de hortifrutigranjeiros. Na Figura 7, observa-se o que ocorreu após uma grande explosão dos fogos armazenados no local, quando metade das janelas e das lojas desapareceu, em conjunto com boa parte de dois dos galpões.

Os lojistas que perderam seus comércios nos galpões foram transferidos para barracas construídas pelo Poder Público, localizadas na Avenida Nair Azevedo Silva (Figura 3), em uma área próxima do Mercado, cerca de 200 metros. Mas em poucos meses, segundo os respondentes, devido ao isolamento da área e ao baixo movimento de pessoas, eles retornaram para a parte destruída e lá construíram suas barracas, onde permaneceram trabalhando de maneira improvisada, como se observa na Figura 8.

Figura 8 – Barracas improvisadas dos lojistas em torno dos galpões destruídos Fonte: ACVR

Ao centro da Figura 8 está a área antes ocupada pelos galpões 2 e 3. Em torno da área, estão as barracas improvisadas dos lojistas. À direita, ainda dentro do terreno, vê-se uma cobertura. Lá está a única loja de dentro do galpão 3, que permaneceu funcionando, mesmo após o incêndio. Esse é o Supermercado A, que comercializava produtos hortifrutigranjeiros e continua no ramo até hoje, mas agora do outro lado da rua, não mais nos galpões.

Após os lojistas terem ocupado a área em torno de onde ficavam os galpões destruídos, a prefeitura fez um acordo, comprometendo-se a reconstruir os galpões. Enquanto isso, os comerciantes passariam a trabalhar em barracas de madeira construídas pela prefeitura em frente ao Mercado. A Figura 3 mostra a posição dessas barracas no Mercado da Vila Rubim e a Figura 9 mostra como eram essas barracas ocupadas pelos antigos lojistas.

Figura 9 – Barracas construídas pela prefeitura em frente aos galpões destruídos Fonte: ACVR

Os lojistas acabaram por permanecer nessas barracas durante vários anos. Quando retomou os planos para a reconstrução do Mercado, a Prefeitura incluiu a demolição da loja do

Supermercado A. Iniciou-se, então, um embate com o proprietário da loja, só resolvido quando ele adquiriu o espaço das lojas destruídas em frente ao galpão e lá construiu uma nova loja, retirando-se dos galpões. Esse conflito, agravado pelas discussões entre os governos estadual, municipal e a ACVR, resultou em um processo judicial que durou até 2002. Resolvidos os impasses a Prefeitura terminou a reconstrução dos dois galpões, de acordo com um plano no qual constava a redefinição das atividades do Mercado, direcionando-as para o turismo (BOTELHO, 2005), desde então, nos Galpões, o artesanato passou a predominar. As Figuras 10 e 11 mostram as novas instalações, que incluem 38 lojas e um mezanino, onde podem ser realizados shows.

Figura 10 – Interior dos galpões reconstruídos pela prefeitura Fonte: ACVR

Figura 11 – Parte externa dos galpões reconstruídos pela prefeitura Fonte: ACVR

As Figuras 10 e 11 mostram que as novas instalações deram aos galpões o perfil de um pequeno centro comercial urbano, com espaço e poucas lojas, haja vista que as 200 bancas que ocupavam os dois galpões agora são 38 lojas com tamanhos diversos.

Após a transferência dos lojistas das barracas para as lojas nos galpões, das quais são permissionários,20 as antigas barracas foram preparadas pela Prefeitura e ocupadas pelos barraqueiros da Praça Manoel Rosindo (Figura 3). Eles aceitaram a transferência sob a promessa de que a praça seria reformada, com a inclusão de pequenas lojas de alvenaria para eles. Na Figura 11, fica clara a posição das barracas em relação aos galpões novos, pois

20

Segundo a ACVR, o enquadramento legal dos comerciantes que ocupam os galpões ainda não está claro em relação à Prefeitura. A Prefeitura construiu os novos galpões, e reconhece o direito dos comerciantes sobre as lojas, mas não a propriedade. Entretanto, a propriedade anterior à reconstrução não era da Prefeitura, nem dos comerciantes. Esses últimos ocupavam as lojas há muitos anos, sem contratos específicos com o Estado, o que, para eles, do ponto de vista jurídico, contribuiria para a obtenção do reconhecimento da propriedade.

os telhados das barracas podem ser vistos bem em frente aos galpões, na parte inferior direita da figura. Na Figura 12, é possível ver a disposição dos hortifrutícolas em uma barraca com a frente voltada para a Rua Pedro Nolasco.

Figura 12 – Disposição dos hortifrutícolas em uma barraca Fonte – Associação dos Barraqueiros da Vila Rubim

Na Figura 12, observa-se um balcão com hortifrutícolas e abaixo dele várias caixas. Essas caixas, comumente, são utilizadas como uma extensão do balcão, ocupando parte da calçada, mesmo sendo algo proibido pela prefeitura. A figura mostra que as pessoas que passavam de carro ou de ônibus na rua em frente às barracas de madeira, não tinham como ver o resultado das reformas dos galpões do Mercado. Isso rendeu comentários de respondentes que afirmavam que a Vila Rubim, depois de anos, voltou ao passado, ao tempo

das barracas de madeira do início até meados do século XX. Essa posição das barracas em relação à rua principal pode ser observada na Figura 13.

Figura 13 – Disposição das barracas e produtos comercializados Fonte: notas de campo

Na Figura 13, a Rua Jair Andrade fica entre as barracas e os galpões novos, sendo uma via interna do mercado, nas quais circulam pessoas e veículos que, comumente, se dirigem a ele. A Rua Pedro Nolasco é uma das vias de acesso da cidade de Vitória para outras regiões mais ao sul, com trânsito intenso de veículos. A figura também mostra a variedade de produtos comercializados nas barracas, com destaque para o fato de que são poucas as que comercializam hortifrutícolas, ao contrário do passado, quando, segundo os respondentes, predominavam. Mas, ainda segundo eles, houve queda no movimento quando saíram da

Praça, e isso levou ao afastamento de muitos barraqueiros que comercializavam hortifrutícolas.

Depois de anos de espera dos barraqueiros, em 2006, a Prefeitura iniciou a revitalização da praça, que incluiu a construção de 48 pequenas lojas (com cerca de 4 metros quadrados), concluídas no início de 2007, quando os barraqueiros voltaram à praça. As barracas onde estavam foram retiradas. Só então a calçada em frente ao Mercado foi liberada, depois de ocupada por treze anos pelas barracas nas quais trabalharam os lojistas e, depois, os barraqueiros.

Atualmente, os comerciantes nos galpões e em torno deles oferecem uma ampla variedade de produtos, tais como artigos de umbanda, roupas, aviamentos para costura, mel, queijo, sapato, doces, balas, produtos para higiene pessoal, pequenos animais, verduras, carne, peixe, artesanato, hortifrutigranjeiros e temperos.

A despeito da variedade dos produtos e dos esforços da Prefeitura, em conjunto com a ACVR, no sentido da revitalização da Vila Rubim, o Mercado e seu entorno continuam a sofrer conseqüências de um progressivo esvaziamento da região central da cidade, a favor de outras áreas menos associadas à idéia de violência e de dificuldade de acesso (PREFEITURA DE VITÓRIA, 2006).

O conjunto dos argumentos aqui apresentados evidencia parte do contexto histórico no qual os comerciantes, funcionários, clientes e fornecedores que circulam pelo Mercado interagem no dia-a-dia. Como se observou, após as sucessivas reconstruções, não há no Mercado da Vila Rubim interesse arquitetônico. As novas construções substituíram as antigas.

Entretanto, a relação com o passado continua na cultura das pessoas que lá se envolvem há décadas, como seus pais e avós já faziam, nos papéis de comerciantes, vendedores, clientes e fornecedores. Hoje, para muitos, freqüentar o Mercado pode ser apenas lazer ou costume; para outros, trabalho e sobrevivência. Acredita-se que neste último grupo (ou em ambos) estão inseridos os atores organizacionais, em seu “fazer estratégia” no cotidiano do Mercado da Vila Rubim.