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SUMÁRIO

1.2 Estratégias de conservação da agrobiodiversidade na região Oeste de Santa Catarina, Brasil

A história do povoamento da região Oeste de Santa Catarina (SC) remonta ao século XIX e, segundo Werlang (2002) e Silva et al. (2003), pode ser subdividida em três fases de ocupação. A primeira delas se refere à ocupação indígena, pois até meados do século XIX, com exceção de algumas excursões exploratórias portuguesas, a região era povoada de forma predominante por índios das etnias Guarani e Kaingang7; a segunda fase corresponde à ocupação cabocla (miscigenação entre indígenas e luso-brasileiros); e a terceira fase se iniciou nas primeiras décadas do

7 Os grupos indígenas da etnia Guaraní estão presentes historicamente na Bolívia, Paraguai e áreas adjacentes do Brasil. Os do grupo Kaingang em vastas regiões do Paraná e Santa Catarina, do sul-sudoeste paulista, do planalto rio-grandense e parte de Misiones, na Argentina. Os indígenas do grupo Tupí na Costa Atlântica, que se estende da Argentina às Guianas (DA SILVA et al., 2009).

século XX com a colonização de imigrantes europeus de origem italiana e alemã e/ou descendentes de alemães e italianos vindos do Rio Grande do Sul. Até a década 20 do século XX, a região Oeste era pouco povoada e os grupos indígenas e caboclos que habitavam o local tinham como produção o cultivo de milho e feijão e a coleta de erva-mate. Os europeus e descendentes de europeus que imigraram, inicialmente, se dedicaram à produção de subsistência e à exploração dos recursos da floresta. A partir da década de 1960, houve intensa modernização da agricultura e nos anos 1980, a instalação de agroindústrias, os dois processos modificaram as dinâmicas anteriormente existentes.

O desenvolvimento econômico regional, atualmente, está associado à agricultura do tipo familiar8, realizada em pequena escala, cujo segmento é responsável por 89,1% da produção de alimentos consumidos no Brasil e cerca de 74,60% acontece em propriedades de até 10 hectares (IBGE, 2010). Portanto, a região é importante na produção de alimentos, mesmo com a pressão por área para monocultivos comerciais. Apesar desse contexto, historicamente os agricultores de origem europeia que colonizaram a região sul, realizaram intercâmbio de germoplasma de diversas espécies com os indígenas, principalmente dos grupos Kaingang e Guarani. A proximidade com o Paraguai, que é densamente povoado com indígenas, tem facilitado esse intercâmbio para além das fronteiras geográficas.

Pesquisas sobre variedades crioulas de milho comum e de variedades crioulas de milho pipoca têm sido realizadas desde o ano de 2002 pelo Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade (NEABio/UFSC) e apontam que na região Oeste de Santa Catarina ainda são conserdas on farm inúmeras variedades crioulas. Estas variedades historicamente selecionadas e manejadas pelos agricultores familiares e conservadas on farm estão adaptadas a seus sistemas de produção e são estratégicas para a socioeconomia e segurança alimentar das famílias agricultoras. A partir de 2005, diversos trabalhos foram publicados pelo NEABio reconhecendo a rica diversidade de variedades crioulas e ressaltando suas multicategorias de uso per se e para melhoramento genético, em razão da presença de características e atributos especiais (CANCI et al., 2004;

8 Do total de 193.663 estabelecimentos agrícolas existentes em SC, 87%

foram classificados como estabelecimentos com predomínio da agricultura do tipo familiar, fazendo com que o estado tenha um dos maiores percentuais de agricultores familiares do país (IBGE, 2010).

OGLIARI et al., 2007; VIDAL et al., 2012; SOUZA, et al., 2012; COSTA, 2013; OGLIARI et al., 2013; SILVA, 2015; SOUZA, 2015; OSÓRIO, 2015; VIDAL, 2016; COSTA et al., 2016; GONÇALVES, 2016), elevado potencial produtivo (OGLIARI & ALVES, 2007; KIST et al., 2010; OGLIARI et al., 2013; HEMP et al.,2009), adaptação e resistência biótica (SASSE, 2008). Outras pesquisas identificaram nas variedades crioulas de milho a presença de carotenoides9, antocianinas e compostos fenólicos (KUHNEN et al., 2010; KUHNEN et al., 2011; KUHNEN et al., 2012; UARROTA et al., 2013). Recentemente, destacaram-se trabalhos de Costa et al. (2016), indicando um microcentro de diversidade do milho para a região Extremo Oeste catarinense, e de Silva et al. (2016), identificando a presença de novas raças de milho pipoca nessa mesma região.

Durante os anos de 2011 a 2012, o NEABio realizou o Censo da Diversidade10 na região Oeste de Santa Catarina. Segundo Costa et al. (2016), nesta pesquisa foram identificadas nos municípios de Anchieta e Guaraciaba, 1.513 variedades crioulas de milho; dentre essas 1.078 de milho pipoca, 337 de milho comum, 61 de milho adocicado e 37 de farináceo. Para a obtenção dos dados nos dois municípios, foram realizadas entrevistas em 876 estabelecimentos agrícolas de Anchieta, distribuídas em 32 comunidades rurais, e em 1.173 estabelecimentos agrícolas de Guaraciaba, distribuídas em 40 comunidades rurais. Em Anchieta, foram identificadas 679 variedades crioulas de Zea mays L., sendo 207 (30,5 %) variedades de milho comum e farináceos, 451 (66,4 %) variedades de milho pipoca e 21 (3,1 %) variedades de milho adocicado. Em Guaraciaba, foram identificadas 834 variedades de crioulas de milho, sendo 167 (20,0%) variedades de milho comum, 627

9 O milho é uma das poucas fontes alimentares de carotenoides como a luteína

e zeaxantina que auxiliam no tratamento da degeneração macular (OLIVEIRA & RODRIGUEZ-AMAYA, 2007).

10 O Censo da Diversidade consistiu em uma abordagem metodológica,

desenvolvida pelo NEABio da UFSC, para a realização de estudos sobre a diversidade, bem como para fornecer um inventário de riqueza e abundância de espécies ou variedades crioulas conservados in situ-on farm por agricultores familiares, em pequenas regiões geográficas (COSTA et al., 2016).

(75,2%) variedades de milho pipoca e 40 (4,8%) variedades classificadas como milho adocicado (COSTA et al., 2016).

A presença da ampla diversidade do Zea mays L. na região Oeste catarinense a coloca num status de região com elevada diversidade genética da cultura conservada on farm, que pode estar sendo ameaçada de erosão por diferentes fatores. A importância das variedades crioulas de milho e do conhecimento associado para a segurança alimentar e nutricional das famílias, a relevância como germoplasma para programas de melhoramento e os potenciais fatores de risco de erosão genética, demandam o estabelecimento de estratégias integradas de conservação do germoplasma. Neste sentido, a presente tese tem como propósito apresentar o primeiro levantamento sobre a diversidade de variedades crioulas de milho conservadas on farm, no município de Novo Horizonte. Partiu-se do pressuposto que existe uma grande diversidade de variedades crioulas de milho ainda conservada on farm e que, por isso, o município possa ser considerado como uma extensão do microcentro de diversidade de Zea mays L., identificado no Extremo Oeste de SC. No entanto, esse germoplasma pode estar ameaçado por aspectos de manejo, fatores ambientais e de reprodução socioeconômica e cultural das famílias, bem como de falhas nos marcos regulatórios relacionados à agrobiodiversidade. Dessa forma, as hipóteses da tese são baseadas em fatores internos relacionados à dinâmica da gestão dos agroecossistemas que poderiam ser dinamizados para diminuir a vulnerabilidade do sistema de conservação on farm. Esses fatores estão relacionados à conservação on farm de variedades crioulas para autoconsumo, realizadas por agricultores familiares, e que estão associadas à segurança alimentar e, desse modo, às suas estratégias de reprodução social; à resistência ao abandono dessas variedades para a adoção de cultivares modernas e; ao papel que as mulheres agricultoras exercem na seleção e conservação. A caracterização da distribuição, riqueza, abundância e manejo das variedades crioulas de milho presentes no município é importante para o fortalecimento das estratégias de conservação on farm e essas devem ser apoiadas pela conservação ex situ. Além disso, esses processos visibilizam e valorizam os guardiões e podem promover o acesso e o estabelecimento de políticas públicas de incentivo à conservação. O município de Novo Horizonte (Fig.1), está localizado na mesorregião Oeste de Santa Catarina, Brasil, com 2.750 habitantes, dos quais 66,5% residem no meio rural (IBGE, 2010). Tem um território de 151,852 km²

e as propriedades rurais estão distribuídas entre 422 a 948 m de altitude (IBGE, 2010). A colonização teve início em 1946 e a origem étnica predominante é a italiana com procedência, em sua parte, do Rio Grande do Sul e, em menor número, do litoral catarinense. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) de 0,706 é classificado como alto pelo Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD, 2000). O território da mesorregião se estende até a fronteira com a Argentina, sendo que ao norte faz divisa com o estado do Paraná e ao sul com o Rio Grande do Sul. O município está inserido numa região cuja economia é predominantemente agropecuária e marcada pela presença de grandes agroindústrias brasileiras que têm sede e origem na região.

Figura. 1 Localização do município de Novo Horizonte na grande região Oeste do estado de Santa Catarina. Fonte: Adaptado de SIHRISC (2017).

2 OBJETIVOS