• Nenhum resultado encontrado

Estratégias de comunicação de massa e dirigida

No documento Download/Open (páginas 120-125)

Desde o início de suas atividades, o MONAPE (1989) considerava a comunicação essencial para estruturar melhor o movimento e passou a utilizar meios de comunicação, que estivessem ao seu alcance, para se comunicar tanto com o seu público interno quanto externo. A finalidade era registrar as informações mais importantes e estabelecer fluxos de informação, diálogo, influência, troca recíproca e divulgação de suas atividades junto aos pescadores artesanais e aos órgãos governamentais, não governamentais, parlamentares, intelectuais e a sociedade em geral.

Gohn (2004) contribui no entendimento dessa postura do MONAPE, quando explica que a partir dos anos 1990 os movimentos sociais passaram a aglutinar, além das bases, assessores e lideranças, outras entidades, como igrejas, sindicatos, ONGs, mídia, formadores de opinião pública, universidades, parlamentares em âmbito municipal, estadual e federal, setores da administração governamental e pequenos e médios empresários com os quais o movimento precisava interagir e se comunicar.

Esse objetivo se materializou, desde a sua fundação, quando o MONAPE decidiu: “criar um boletim informativo, a fim de divulgar mais o MONAPE e seus trabalhos” (MONAPE, 1989, p. 3). O primeiro número deveria explicar sua origem, atividades e metas. Vale destacar que mesmo sem ter conhecimento profissional na área de comunicação, os pescadores preocuparam-se com a identidade visual do movimento e definiram a logomarca59 e o slogan, conforme registrado em relatório:

Após alguns debates, foi escolhido o seguinte distintivo: o mapa do Brasil envolto numa rede de arrasto puxada por um grupo de companheiros definidos como „Movimento Nacional dos Pescadores – MONAPE‟, tendo como lema „Novos rumos, nova organização‟ (MONAPE, 1989, p. 3).

No que se refere à comunicação massiva, há registros de que movimentos sociais de pescadores em Pernambuco contaram com o apoio do CPP, que mantinha o programa

59 Logomarca é um símbolo gráfico identificador de uma empresa, instituição, organização e afins, quando

composta do símbolo em si mais o logotipo, isto é, letras (especialmente desenhadas ou adaptadas) utilizadas para compor o nome de marca ou empresa.

semanal de rádio, Pescadores Rumando para Novas Águas, veiculado sempre aos domingos, às 5h, e nas quartas-feiras, às 20h30, na Rádio Olinda AM. O programa se manteve no ar, ao longo da década de 1980, tratando de assuntos ligados ao mundo da pesca artesanal e promovendo campanhas pela melhoria das condições de vida e trabalho da categoria.

Lideranças de pescadores locais ainda lembram desse veículo, que dava “voz” às demandas da categoria: “Tinha um programa de rádio na época do Frei Alfredo, que era Natan gordo. Era muito bom aquele programa. Aquele programa era bom demais! Tinha pescador que falava...ah vou ligar a rádio Olinda. Rádio Olinda chamava pescador para lá” (JOANA MOUSINHO, jan, 2010).

Denúncias na imprensa, principalmente rádio e televisão, também eram uma estratégia utilizada pelos pescadores pernambucanos nos anos 1980/90. Inclusive, o CPP contava com um “serviço específico de denúncias na imprensa” (SILVA, 2004, p. 67), que dava suporte aos movimentos locais para divulgar na mídia os conflitos e lutas em Pernambuco (SILVA, 2004). Essas experiências serviram de base para o MONAPE, desde o início de suas atividades, tivesse uma percepção da importância e necessidade de ações comunicacionais, tanto para promover o movimento quanto para denunciar e reivindicar seus direitos através da mídia.

Entretanto, no que se refere às lideranças e aos pescadores artesanais pernambucanos, esse dado parecer variar de acordo com a pessoa, a comunidade e o contexto histórico. Há registros de pescadores valorizando a presença das lutas da categoria na mídia, mas há outros que parecem não perceber a importância que a mídia pode desempenhar na divulgação de suas reivindicações, conforme revelam as seguintes falas de pescadores e assessores colhidas em diversos momentos:

Antes eu lutava sozinho, fazendo denúncia na imprensa. Com a criação do nosso MONAPE me senti mais forte (JOSÉ MARTINS AGNELO, out, 1990).

Você acredita que alguns deles ainda acham que a imprensa estaria lá presente [na I Conferência Nacional da Pesca Artesanal] só por eles terem feito um acampamento? Não percebem que isso requer um trabalho de assessoria (CLARICE MAIA, nov, 2009, interpolação nossa).

Vocês da imprensa é que são importantes para nós. Queremos que fiquem na melhor localização dentro do acampamento [da I Conferência Nacional da Pesca Artesanal] (JOSÉ ALBERTO DE LIMA RIBEIRO, set, 2009, interpolação nossa).

Me parece que o MONAPE teve anúncios na imprensa. Não é bem certeza, mas parece que teve. Era matéria, não era pago (JOANA MOUSINHO, jan, 2010).

Com base em avaliações realizadas pelo Instituto Terramar (2005) no que se refere à comunicação dirigida interna (KUNSCH; CESCA, 2003, 2006), é possível afirmar que dois grandes eixos de estratégias de comunicação norteavam as atividades do MONAPE desde sua fundação e ao longo dos anos 1990: um deles se referia ao processo de articulação com as comunidades de pescadores, utilizando estratégias como visitas e participação em reuniões com colônias, associações de pescadores, sindicatos, entre outras. O segundo eixo dizia respeito aos eventos, que o movimento denominava na maioria das vezes de Encontros, a exemplo de seminários, encontros nacionais, encontros estaduais, tanto os organizados pelo MONAPE, quanto aqueles em que o movimento participava como convidado.

O entendimento da importância de se comunicar com diversos públicos fez do MONAPE – pelo menos na intenção - uma organização horizontal, da forma como Castells citado por Kunsch (2003, p. 58) conceitua essa postura, isto é, como “uma rede dinâmica e estrategicamente planejada de unidades autoprogramadas e autodirigidas baseadas na descentralização, participação e coordenação”.

Para criar essas estratégias de comunicação com o público interno e externo, o MONAPE utilizava veículos de comunicação dirigida escrita, nos quais registrava suas atividades e ações. Exemplo disso são correspondências tais como: cartas, ofícios, circulares, cartas abertas, abaixo-assinados, entre outros. Nessa categoria também se encontram relatórios dos encontros, de reuniões, de planejamento, de atividades e de avaliação.

Outro veículo de comunicação dirigida escrita utilizado pelo movimento foi o boletim informativo Monape Notícias, que circulou entre 1995 e 1997, quando parou por mais de um ano, voltando a ser produzido em fevereiro de 1998. Esse meio também pode ser classificado como um veículo escrito-pictográfico porque se valia da palavra escrita e de fotografias. Vale destacar que elaborar e divulgar informações importantes e úteis para os pescadores artesanais sempre foi um quesito prioritário para o movimento, previsto em quase todos os projetos investigados pela presente pesquisa.

Para se ter uma idéia, o Projeto de Organização e Estruturação do MONAPE (1994) para o período de 1995 a 1997, contemplou não só a circulação trimestral do Monape

Notícias, como também registrou um cronograma de atividades prevendo a publicação de

cartilhas, cartazes e folders - dirigidos aos pescadores artesanais - sobre temas como meio ambiente, previdência social, formação e administração de colônias, organização produtiva, direitos trabalhistas, além de cartilha e cartaz sobre o próprio movimento.

A Revista Pescando e Lutando também era um tipo de comunicação dirigida escrita, voltada tanto para o público interno quanto externo. A primeira edição foi lançada em 1991,

tendo sido reeditada em 1994. O primeiro número continha as resoluções do 5º Encontro Nacional dos Pescadores e tinha como finalidade dar voz à categoria, tornando públicos seus problemas e anseios, visando inclusive o envolvimento da sociedade nesse debate, conforme consta no editorial da revista:

O lançamento da Revista „Pescando e Lutando‟ [...] tem a intenção de fazer chegar aos pescadores do Brasil e a toda a sociedade os principais problemas que a categoria enfrenta e as propostas para a saída dessa condição, de esquecida e marginalizada que lhe é imposta. E, além disso, para que você conheça, discuta, amplie com os seus companheiros esse debate e venha participar do movimento que também é seu (MONAPE, 1991d, p. 4).

Nos documentos pesquisados não há um registro explícito da forma como esses veículos de comunicação foram criados. Entretanto, no expediente 60 do Monape Notícias consta que o informativo era de responsabilidade do movimento e seus coordenadores, que ficavam responsáveis pelos textos e pela edição do boletim. Já a revista Pescando e Lutando tinha edição da jornalista Beatriz de Carvalho que, a partir de relatórios cedidos por diversos assessores e apoiadores tanto de universidades como de não-governamentais, elaborava os textos.

A sede do MONAPE, na época localizada em Belém do Pará, enviava em torno de 50 revistas para cada Estado. Em Pernambuco, o CPP e a Federação dos Pescadores de Pernambuco receberam as edições para serem distribuídas por todo o Estado, nas viagens e encontros que realizaram, pois para o movimento tratava-se do seu “principal material de divulgação” (MONAPE, 1994, p. 1).

Observa-se que por ser um veículo voltado para o público interno e externo, a quantidade de revistas prevista para cada estado era ínfima e inadequada, tendo em vista o número de pescadores artesanais, colônias, federações e órgãos representativos. Desta forma, nota-se que o MONAPE não tinha uma visão estratégica da comunicação, pois, se o objetivo da revista era divulgar para os pescadores e toda a sociedade os problemas enfrentados pela categoria, o número de exemplares a ser distribuído teria de ser muito maior do previsto.

Quanto à comunicação dirigida oral a coordenação do movimento utilizava o telefone, conversas face a face com pescadores e lideranças nas colônias, reuniões informativas e de discussão, nos âmbitos municipal, estadual e nacional, seminários estaduais e nacionais, além de assembléias nacionais do MONAPE. Participava ainda de mesas-redondas, conferências, fóruns e grupos de trabalho de organismos governamentais, não governamentais e de outros

60 Expediente de um veículo de comunicação contém basicamente informações (nome, razão social, contato)

sobre a empresa e as pessoas e/ou jornalistas responsáveis pelo seu conteúdo editorial (conselho editorial, jornalista responsável, editores, repórteres, entre outros).

movimentos sociais. Os exemplos mais importantes já foram citados no item 4.1.4 deste trabalho.

Cursos e capacitações realizados pelo MONAPE, em parceria com pessoas entidades que apoiavam e assessoravam também podem ser considerados um tipo de comunicação dirigida oral e aproximativa. Presentes ao longo de toda a década de 1990, esses encontros previam a formação de pescadores e lideranças (MONAPE, 1996, 1997), contribuindo para a formação de capital humano, que como explica Jara (2001, p. 100) corresponde aos recursos humanos “em condições de resolver [...] a diversidade de problemas colocados pela sociedade e com capacidade de empreender processos produtivos integrados e equitativos”.

Outro tipo de comunicação dirigida aproximativa do MONAPE se referia às viagens tanto dos coordenadores para visitar comunidades pesqueiras de todo o país, quanto dos representantes das comissões estaduais para visitar colônias e associações nos seus respectivos estados. Nessa categoria também podem ser incluídas confraternizações e bingos destinados a levantar verbas para o movimento (MONAPE, 1989).

Tais estratégias, segundo analisado por Potiguar Júnior (2000, p. 47) em comunidades pesqueiras do estuário do Pará, estavam direcionadas para “a realização de seminários e encontros para pescadores crianças e jovens, incentivando a participação de lideranças em algumas regiões em atividades de capacitação promovidas por outras entidades e produções de boletins e cartilhas”.

Passeatas, concentrações em frente a órgãos públicos, ocupações de repartições públicas, teatro também podem ser consideradas veículos de comunicação dirigida

aproximativos, pois além de dar visibilidade ao MONAPE trazendo, como explica Kunsch

(2003, p. 188-189) “os públicos para junto da organização”, se caracterizavam pela “presença física e pelo contato direto e pessoal dos públicos com a organização”. Tratava-se, portanto, de uma comunicação interativa presencial.

Na perspectiva do desenvolvimento local discutida por Callou (1995, 2003, 2006, 2007), Franco (2006), Jara (2001), Matos (2005), Oliveira (2001) e Tauk Santos (1995, 2000, 2003, 2006), é possível dizer que as estratégias de comunicação do MONAPE anteriormente descritas buscavam, em última instância, mobilizar os pescadores artesanais que queriam fazer algo concreto para melhorar suas condições de vida.

Essas estratégias parecem apontar a favor do desenvolvimento local que, nesta pesquisa, pressupõe tanto a formação de uma rede relações sociais interna e externa, quanto a participação cidadã dos pescadores, que nasce em meio ao conflito, ao confronto e à tomada de decisões com outros atores sociais para constuir uma sociedade mais sustentável. Nesse

sentido, parece que o MONAPE nos anos 1990 atuou como verdadeiro gestor de processos comunicacionais para o desenvolvimento de comunidades pesqueiras de Pernambuco e do Brasil.

No documento Download/Open (páginas 120-125)