• Nenhum resultado encontrado

Movimentos sociais de pescadores: reflexões teóricas

No documento Download/Open (páginas 38-48)

Estudar o Movimento Nacional dos Pescadores implica entender, primeiramente, o que são movimentos sociais. Para dar conta dessa caracterização teórica, optou-se por uma revisão de como o fenômeno foi estudado nas últimas décadas do século XX, com ênfase na América Latina e no Brasil, e como é visto hoje, no início do século XXI. O propósito é construir um conceito que permita estudá-lo na perspectiva do desenvolvimento local.

Embora haja inúmeros estudos sobre a temática, segundo Gohn (2004) existe uma escassa teorização sobre movimentos sociais latino-americanos. E, apesar do Brasil ser o país com maior número de pesquisas sobre o fenômeno na América Latina, pode-se dizer que no âmbito da pesca artesanal a produção teórica é ainda menor, conforme relata Ramalho (1999, p. 5): “apesar dos avanços sobre [...] movimentos sociais no campo, ainda existem poucas pesquisas que se dedicam aos problemas atinentes à organização política dos pescadores [...] artesanais no Brasil”.

Contudo, a abrangência do tema, nas décadas de 1970/80 era tão expressiva na sociologia que, de acordo com Sherer-Warren (1996) e Gohn (2003, 2004), consistia um dos objetos privilegiados da pesquisa social e política mundial. E, ainda, “fonte de renovação das ciências sociais e na forma de fazer política” (GOHN, 2003, p. 7). Já no Brasil, esse destaque se devia, principalmente, à importância que os movimentos sociais adquiriram na luta pela redemocratização, sendo um reflexo do panorama político e social da época. Tratava-se de

fenômenos históricos concretos, inclusive porque o país, segundo Gohn (2004), concentrou a maioria de movimentos sociais das três últimas décadas do século XX.

Fato é que, segundo Rosenmann (2005, p. 141), a América Latina foi solo fértil para a “produção de um conhecimento concreto em torno da natureza da crise e dos conflitos da sociedade”. Principalmente, por ter sido um continente marcado pela conquista e ordem colonial e porque suas elites lutaram pela independência, o que “facilitou a consolidação de um pensamento político e social em que as tradições liberais e conservadoras disputaram a hegemonia teórica no campo das doutrinas”.

Grande parte dos estudos da década de 1970 utilizava uma abordagem marxista para interpretar os movimentos sociais, enfatizando os processos de mudança social. Para Sherer Warren (1996, p. 14-15) a teoria social latino-americana da ação coletiva e do conflito concebia a realidade de forma macroestrutural. Ou seja, os estudos focavam as análises nos condicionamentos macroestruturais da ação de classes.

Já na década de 1980 priorizavam-se os estudos das micro-transformações, mediante considerações “do macro ao micro, do geral ao particular, da determinação econômica à multiplicidade de fatores, da ênfase na sociedade política para a atenção na sociedade civil, das lutas de classe para os movimentos sociais” (SHERER-WARREN, 1996, p. 15). Exemplo disso é o francês Alain Touraine, que propunha o estudo das ações de classe, no lugar de somente analisar as condições objetivas de classe, com ênfase na estrutura econômica, como pregava a linha marxista. Deste modo, o determinismo econômico cedeu lugar a uma diversidade de elementos para estudar os movimentos sociais.

Por sua vez, Manuel Castells situava a análise das relações de produção nas relações de reprodução, ou seja, nas “lutas e reivindicações em torno dos bens e equipamentos de consumo coletivo” (SHERER-WARREN, 1996, p. 16). Os referenciais marxistas do autor espanhol sobre lutas urbanas na Europa foram amplamente utilizados para análise dos movimentos sociais na América Latina.

Com toda essa informação e influência advindas da Europa, as posturas teórico- metodológicas para analisar os movimentos sociais na América Latina foram híbridas. Segundo Sherer-Warren (1996) e Gohn (2003, 2004) muitos trabalhos pecavam pela falta de referenciais teóricos, gerando uma grande quantidade de descrições sem análises. Outros usavam excessivamente as teorias importadas de países do Primeiro Mundo, cuja realidade socioeconômica e político-cultural era diferente da brasileira.

Basicamente dois paradigmas europeus, divididos em diversas correntes teóricas, reinavam nas análises latino-americanas dos anos 1970 e 1980: um marxista cuja abordagem

macroestrutural centrava-se nos processos históricos globais, nas contradições existentes e nas lutas entre classes. Essa corrente focava a análise das classes sociais como categorias econômicas (GOHN, 2004). O segundo era denominado de “Novos Movimentos Sociais” (NMS), cuja ênfase recaia no ator social, partindo de “explicações mais conjunturais, localizadas no âmbito político ou nos microprocessos da vida cotidiana, fazendo recortes na realidade para observar a política dos novos atores sociais” (GOHN, 2004, p. 15).

Nessa linha, segundo a autora, havia uma série de correntes, como a francesa e o acionalismo dos atores coletivos, de Alain Touraine; a abordagem neomarxista, do alemão Claus Offe, além da ênfase na identidade coletiva do italiano Alberto Melucci17. Essas vertentes geraram esquemas de interpretação que enfatizavam a cultura, a ideologia, as lutas sociais cotidianas, a solidariedade entre as pessoas de um grupo ou movimento social, além do processo de identidade criado, no que denominaram de Novos Movimentos Sociais.

Segundo Santos (2005, p. 175), enquanto nos países centrais os NMS incluíram os movimentos ecológicos, feministas, pacifistas, anti-racistas, de consumidores, de auto-ajuda e similares, na América Latina essa lista era bem mais heterogênea. A diferença é que em território latino-americano o fenômeno ganhou a designação de movimentos populares ou novos movimentos populares para diferenciar sua base social e incluíam desde demandas similares às dos NMS dos países centrais até “o poderoso movimento operário democrático popular surgido no Brasil, liderado por Luís Inácio da Silva (Lula)” (KÄNER apud SANTOS, 2005, p. 176).

Na América Latina, pregava-se que os Novos Movimentos Sociais eram determinados, principalmente, por uma nova postura política dos atores sociais, os quais se recusavam cooperar com agências estatais e sindicatos e cuja preocupação central era assegurar direitos sociais para os integrantes do movimento (GOHN, 2004; RAMALHO, 1999). Os NMS latino-americanos também eram caracterizados por utilizar a mídia e atividades de protesto (não violentas) para mobilizar a opinião pública ao seu favor, como forma de pressionar os órgãos e políticas estatais (GOHN, 2003).

Gohn (2004, p. 283) afirma que o “novo” nessas abordagens também referia-se a uma outra ordem de demanda “relativa aos direitos sociais modernos, que apelavam para a igualdade, a liberdade, em termos de relações de raça, gênero e sexo”. Com base em Calderon e Jelin, Santos (2005, p. 183) explica ainda que na América Latina “não existem movimentos

17 Para saber mais sobre a corrente francesa de Alain Touraine e o acionalismo dos atores coletivos; da corrente

italiana de Alberto Melucci e a ênfase na identidade coletiva e, ainda, da corrente alemã de Claus Offe e a abordagem neomarxista ler GOHN, 2004, p. 132-163.

sociais puros, ou claramente definidos, dada a multidimensão, não só das relações sociais, mas também dos próprios sentidos da ação coletiva”.

Mas o que de fato interessa destacar é que inspirados em paradigmas europeus e desconsiderando quase que completamente a produção teórica norte-americana, os autores latino-americanos e brasileiros, com algumas exceções, conceberam os movimentos como manifestações de classes populares, baseados no “mosaico heterogêneo do popular, onde convivem e circulam os espaços do subemprego e do biscate, do trabalhador por conta própria, o bóia-fria, o posseiro, o acampado, o meeiro, a doméstica e várias outras formas de assalariados urbanos e rurais” (PERUZZO, 1998, p. 30).

De acordo com Sherer-Warren (1996), as limitações das transposições dos modelos de análise da realidade urbana européia para pensar a realidade latino-americana já foram analisadas e avaliadas por vários cientistas, a exemplo de Machado e Ribeiro, Jacobi e Kowarick18. Para Gohn (2004, p. 129) a teoria dos NMS está incompleta, porque os conceitos que a sustentam não estão suficientemente explicitados. “O que temos é um diagnóstico das manifestações coletivas contemporâneas, que geraram movimentos sociais e a demarcação de suas diferenças em relação ao passado”. Entretanto, para Santos (2005, p. 177), “a maior novidade dos NMSs é que constituem tanto uma crítica à regulação social capitalista, como uma crítica à emancipação social socialista, como foi definida pelo marxismo”.

Nos anos 1990 surgiram novos temas e enfoques analíticos. Muitos autores afirmavam que o fenômeno dos movimentos sociais estava em declínio e era coisa do passado. Essa diminuição do interesse acadêmico teve vários motivos. Primeiro, porque durante décadas atribui-se aos trabalhadores (operários e camponeses) a missão de protagonistas da história, coisa que não aconteceu senão na cabeça dos intelectuais. Segundo, devido ao processo de globalização e as mudanças na conjuntura política do Leste Europeu, que influenciaram e mudaram as políticas de cooperação internacional (GOHN, 2004). De acordo com essa autora, as instituições deixaram de priorizar projetos na América Latina, passando a oferecer apenas suporte técnico aos movimentos sociais e ONGs, em lugar de subsídios monetários. Por isso, o panorama de lutas sociais mudou, a mobilização e os protestos diminuíram e, consequentemente, a produção acadêmica decresceu.

Sherer-Warren (1996) e Gohn (2003) são unânimes em afirmar que as modificações nas abordagens sobre movimentos sociais, na década de 1990, tiveram como pano de fundo as grandes transformações na realidade interna e externa dos países latino-americanos. Por conta

18

Para uma visão geral das limitações das transposições dos modelos de análise da realidade urbana européia para pensar a realidade latino-americana ler Gohn (2004).

disso, no Brasil, destacaram-se os movimentos pela democratização política e pelas reformas institucionais, o que, segundo Gohn (2004, p. 20), também pode ser uma das causas da desmobilização posterior, tendo em vista que os movimentos sociais dos anos 1970/80 “contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais novos, que foram inscritos em leis na Nova Constituição Brasileira de 1988”.

Outro fator é a ascensão das ONGs que, seguidas de várias crises econômicas e suas reestruturações financeiras, provocaram que muitos pesquisadores deslocassem seu interesse para outros temas de ação coletiva (GOHN, 2004). Externamente, segundo Sherer-Warren (1996) e Gohn (2003, 2004), as modificações no socialismo trouxeram perplexidades em relação às utopias dos movimentos populares na América Latina. Essas transformações e as novas políticas na conjuntura global e local conduziram a repensar as teorias e, inclusive, os próprios movimentos. Fato é que, de acordo com Rosenmann (2005, p. 153), “o que era antes uma visão crítica e oposta às formas políticas do capitalismo em qualquer de suas formas agora se reduzia a uma crítica parcial às formas ditatoriais de exercício do poder”. Gohn resume bem o panorama sociopolítico da época:

Crises internas – de militância, de participação, de credibilidade nas políticas públicas, de confiabilidade e legitimidade junto a própria população etc, e crises externas – decorrentes da redefinição dos termos do conflito social entre os diferentes atores sociais e entre a sociedade civil e a sociedade política, tanto em termos nacionais como em termos dos referenciais internacionais (queda do muro de Berlim, fim da União Soviética, crise das utopias, ideologias etc) (GOHN, 2003, p. 30).

Assim, o plano de consolidar os movimentos sociais como estruturas da sociedade civil passa a ser visto como “não realizado” e, embora não seja conceituado como um fracasso, é considerado um projeto utópico. (GOHN, 2003). A ação coletiva de pressão e reivindicação da maior parte dos movimentos sociais dos anos 1970/80, se converteu, na década de 1990, “em ações voltadas para a obtenção de resultados, em projetos de parceria [envolvendo] diferentes setores públicos e privados” (GOHN, 2004, p. 18, interpolação nossa). Por outro lado, para Rosenmann (2005, p. 153-154) “o chamado para os projetos anticapitalistas e democráticos já não é mais um referencial, tampouco a crítica às relações sociais de exploração”. Ou seja, segundo esse autor:

Há uma dispersão no pensamento crítico latino-americano nos anos 80, que se intensifica nos anos 90. A visão organicista e funcional sobre o caráter dos conflitos e das crises sociais é assumida como referência válida. Novamente, ordem e progresso. Governabilidade e paz social. O convite à manutenção das reformas neoliberais do Estado, os processos de privatização, bem como os programas econômicos sobre pactos de exclusão fundamentados no mito do progresso fazem-

nos pensar na reedificação do poder. Uma reedificação totalitária e neo-oligárquica, na qual propor um projeto alternativo pode ser considerado subversivo e desarticulador do corpo social (ROSENMANN, 2005, p. 154).

Nesse contexto, os movimentos sociais buscaram tornar-se mais qualificados e, por meio das ONGs, passaram a dispor de infra-estrutura própria e a utilizarem mais recursos tecnológicos, como computadores e Internet. Em suma, as suas ações eram mais de organização e menos de pressão. Essa nova realidade acabou incidindo diretamente na produção acadêmica, que passou a buscar, sobretudo, os significados e os alcances políticos e culturais das ações coletivas, as quais ressurgiram em forma de “práticas políticas articulatórias das ações locais, de redes de movimentos (networks) e na busca de metodologias que permitam entendê-las” (SHERER-WARREN, 1996, p. 22).

Tratava-se, assim, de compreender as interconexões de sentido local (comunitário) e o global (supranacional, transnacional), levando os movimentos sociais e suas lideranças a “alargarem sua visão cotidiana original e a descartarem os remanescentes de seu sectarismo restritivo, se ramificarem em várias direções e juntarem forças em fontes unificadas de ação” (FALS BORDA apud SHERER-WARREN, 1996, p. 22). Segundo Souza, citado por Sherer- Warren (1996, p. 23), o senso do comunitário e do supranacional acabaram, de certa forma, se complementando nesse encontro do micro e do macro. Essa abordagem procurava passar “da análise das organizações sociais específicas, fragmentadas, para a compreensão do movimento real que ocorre na articulação destas organizações, nas redes de movimentos (i.e

from grassroots to networks)”.

Na nova conjuntura da década de 1990, os movimentos sociais populares puderam usufruir os benefícios das conquistas de direitos sociais, mas também foram vítimas dessa conjunção que “por meio de políticas neoliberais, buscou desorganizar e enfraquecer os setores oprimidos” (GOHN, 2003, p. 30). Ao passo que os movimentos perderam visibilidade pública, porque diminuíram os protestos de rua, as ONGs ganharam importância e adquiriram um novo perfil. Nos anos 1980, essas organizações atuavam junto com os movimentos populares. Nos 1990, ligavam-se ao universo do Terceiro Setor19, executando parcerias entre o poder público e a sociedade. Essa mesma postura acabou sendo adotada pelos movimentos sociais. A esse respeito Gohn (2003) explica:

19 Santos (2005) define o Terceiro Setor como o setor privado não lucrativo. Outros autores explicam que com a

redução do Estado, o setor privado começou a ajudar nas questões sociais, através das inúmeras instituições que compõem o chamado terceiro setor, que é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, cujo objetivo é gerar serviços de caráter público.

A noção do novo sujeito histórico, povo, um dos eixos estruturantes do movimento popular, reformulou-se, assim como deu novos sentidos e significados às suas práticas. Resulta desse processo uma identidade diferente, construída a partir da relação com o outro e não centrada exclusivamente no campo dos atores populares. Esse outro estava presente nos relacionamentos desenvolvidos com novas forças de associativismo emergente, interações compartilhadas com ONG‟s e a participação de políticas públicas (GOHN, 2003, p. 24).

Gohn (2003, p. 34) mantém um olhar crítico nesse trabalho cooperativo de diversos setores da sociedade civil. Se, por um lado, o crescimento das ONGs e as políticas de parcerias implementadas pelo poder público e privado, especialmente a nível local, tiveram resultados positivos, também foram complementares às “novas ênfases das políticas sociais contemporâneas, sobretudo nos países industrializados do Terceiro Mundo”. Segundo a autora, eram orientações voltadas para a desregulamentação do Estado na economia e na sociedade, “transferindo responsabilidades do Estado para as „comunidades‟ organizadas com a intermediação de ONGs em trabalhos de parceria entre o público estatal e o público não- estatal20 e, às vezes, a iniciativa privada também”. (GOHN, 2003, p. 34).

Para Gohn (2003, p. 34-35), essa postura política enfatiza o mercado informal de trabalho e redefine seu papel no processo de desenvolvimento social. Dessa forma, as relações foram invertidas, pois o informal: “é apresentado como plataforma para a retomada do crescimento econômico, assim como estratégia de desenvolvimento de capacidades humanas”. De acordo com Coraggio, citado por Gohn (2003, p. 35), existe uma outra face dessa realidade, que só pode ser construída a partir de uma economia popular, gerando um “campo alternativo de desenvolvimento e transformação social, desde que essa economia ganhe autonomia relativa em sua reprodução material e cultural capaz de autosustentar-se e autodesenvolver-se [...] em vinculação [...] com a economia capitalista e pública”.

Nesse sentido, os movimentos sociais populares se confrontaram no final de 1990 e início do novo milênio com o desafio de superar os parâmetros das carências socioeconômicas e da identidade política. Para sobreviver, tiveram de reformular sua própria estrutura e, inclusive, suas práticas e ações coletivas. Assim, o projeto social de muitos deles incorporou as dimensões da cultura e da institucionalidade. Para Gohn (2003, p. 30), “ao fazerem isso, eles demarcam o campo de como irão participar, negociar, confrontar ou defrontar com a estrutura estatal”.

20 Para Gohn (2003;2004) o setor público não-estatal concentra as atividades dos movimentos sociais e das

ONGs, no qual os demandatários são também os executores da implementação e da gestão dos serviços reivindicados.

Ao contrário do que se chegou a cogitar no âmbito acadêmico, Gohn (2003) afirma que os movimentos sociais populares latino-americanos não desapareceram, porém, tiveram de se adaptar à nova realidade política, além de ter posturas mais pró-ativas e propositivas, devido à drástica retração do Estado. Não adiantava só reivindicar, tinham de propor e trazer soluções, até mesmo porque o “conflito social [deixou] de ser reprimido ou ignorado e [passou] a ser reconhecido, posto e reposto [...] em pauta nas agendas de negociações” (GOHN, 2004, p. 302, interpolação nossa).

Assim, muitos movimentos sociais se institucionalizaram em organizações ou associações, como foi o caso do Movimento Nacional dos Pescadores - MONAPE, que, no final da década de 1990, transformou-se em Associação Movimento Nacional dos Pescadores para facilitar a captação de recursos nacionais e internacionais, além de firmar parcerias e intercâmbios (AMONAPE, 1999).

Tal medida aparenta ser, ainda, uma tentativa do movimento de aprimorar sua atuação em rede, em parceria com outros movimentos sociais e com diversos atores sociais dentro da institucionalidade. Ou seja, no sentido atribuído por Gohn (2003) e Sherer-Warren (1996): criando, ampliando e fortalecendo a construção de redes sociais, que podem ser definidas como: “Estruturas da sociedade contemporânea organizada e informatizada. Elas se referem a um tipo de relação social, atuam segundo objetivos estratégicos e produzem articulações com resultados relevantes para os movimentos sociais e para a sociedade civil em geral” (GOHN, 2003, p. 15).

Por sua vez, no final da década de 1990, o Estado atuava em um oceano de ambiguidades e contradições, na busca pela transferência das suas atribuições para a iniciativa privada (GOHN, 2004). Para a autora, o saldo deixado por essa política foi o de profundas alterações estatais na forma de operar a economia, as políticas públicas e, ainda, na forma de se relacionar com a sociedade civil. Já no início do século XXI, os movimentos sociais populares voltam à cena e à mídia com um senso de autonomia diferente daquele dos anos 1980, pois ter autonomia não é mais ser contra o Estado. Para terem autonomia é necessário:

Ter projetos e pensar os interesses dos grupos envolvidos com autodeterminação; é ter planejamento estratégico em termos de metas e programas; é ter crítica, mas também a proposta de resolução [...], é ser flexível [...] é tentar sempre dar universalidade às demandas particulares, fazer política vencendo os desafios dos localismos; ter autonomia é priorizar a cidadania: construindo-a onde não existe, resgatando onde foi corrompida. Finalmente, ter autonomia é ter pessoal capacitado para representar os movimentos nas negociações, nos fóruns de debates, nas parcerias de políticas públicas (GOHN, 2003, p. 17).

Embora os eixos das demandas fossem os mesmos, os movimentos sociais populares incorporaram novos elementos, que lhes permitiram passar para um estágio mais operacional e propositivo (GOHN; SHERER-WARREN; TAUK SANTOS, 2003, 2004, 1996, 2003). Segundo Gohn (2003, p. 341) não era mais uma questão de “ficar de costas para o Estado, mas de participar das políticas, das parcerias etc”. Isso alterou, inclusive, as próprias demandas dos movimentos populares, que incorporaram novas reivindicações à sua agenda. Por sua vez, a militância também se tornou mais seletiva e qualitativa e menos passional, pois “o novo modelo de vida e de trabalho, na era da globalização, exige que as pessoas tenham mais habilidades comunicativas do que acervos de conhecimentos ou grande experiência anterior, no domínio de certas técnicas, tecnologias e saberes especializados da ciência”.

Embora seja um desafio estudar os movimentos sociais no século XXI, marcado por uma realidade extremamente complexa, em que as fronteiras entre as nações são cada vez

No documento Download/Open (páginas 38-48)