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O trabalho que ora exponho não tem como objetivo a análise dos elementos externos à tradução, muito embora não deixe de referenciá- los quando se fizer necessário, uma vez que não considero a tradução um produto isolado de seu contexto de produção e recepção. Nestes termos, ao me referir às estratégias me apoio no argumento de que este estudo tem como foco a análise de aspectos textuais. Os elementos a serem analisados estão concentrados em sua maioria no nível micro-textual, entretanto, compreendo que qualquer alteração neste nível afetará a estrutura macro, assim, os dois níveis estão direta ou indiretamente ligados. Ao me referir às estratégias tomo o cuidado de não generalizar as questões tratadas a partir de então a toda e qualquer tradução, pois estas se aplicam ao corpus selecionado para esta pesquisa, além disso, não há de minha parte o intuito de mensurar a eficácia, tampouco o grau das estratégias na evidência da voz do tradutor, pois cada tradução é um ato único e complexo, ainda que haja regularidades, modelos, normas e convenções que as governam. Além disso,

encaro as estratégias como dinâmicas, podendo estas sofrer alterações com o passar do tempo. As estratégias utilizadas em uma tradução não necessariamente serão eficientes em todas as traduções do mesmo gênero. Esta pesquisa, portanto, não se detém no estudo das estratégias almejando a sua aplicação em traduções.

Procedimentos (Deslile, 1993; Newmark, 1988; Vázquez-Ayora, 1977; Vinay e Dalbernet, 2000), técnicas (Nida, 1964; Molina e Hurtado Albir, 2002) e estratégias (Chesterman, 1997; Baker, 2011) são os termos mais frequentemente utilizados para nominar as categorias empregadas no estudo de traduções. O uso de diferentes vocábulos comprova que não há consenso entre os estudiosos da área, o que leva a divergências não apenas terminológicas, mas conceituais, segundo Molina e Hurtado Albir (2002).

O destaque dado por Gambier (2010, p. 412) se situa nos empréstimos feitos pelos Estudos da Tradução quando da apropriação de termos de outras disciplinas, o que ressalta a heterogeneidade e, consequentemente, pode levar ao risco de incoerência terminológica. Estratégia, por exemplo, é apontado como um dos conceitos que apresenta maior ambiguidade e compete com outros, tais como: procedimentos, técnicas, operações, mudanças, métodos e substituições. Gambier questiona: estamos lidando com apenas um conceito que apresenta nomes variados ou diferentes conceitos anunciados por termos quase sinônimos?

O termo estratégia apresenta sentidos diferentes, a depender das áreas com as quais se relaciona: psicologia, sociologia, linguística, linguística aplicada ou teoria da tradução. As diferentes distinções entre estratégias, táticas, planos, métodos, regras, processos, procedimentos, princípios, entre outros, são destacadas como colaboradoras à considerável confusão de terminologia, conforme Chesterman (1997). Comumente o termo é associado a aspectos mentais, associação esta enfatizada no trabalho de Molina e Hurtado Albir (2002). As autoras ressaltam que independente do método escolhido o tradutor sempre se deparará com problemas de tradução, sejam eles devido a uma unidade particular do texto ou por insuficiências nas habilidades ou conhecimentos do tradutor. As estratégias são apresentadas como procedimentos (conscientes ou não) usados pelo tradutor para resolver problemas que emergem quando este realiza uma tradução. Ao apresentar estratégias como procedimentos, as teóricas contrariam a discussão que ora seguiam, pois o seu trabalho defendia até então que ―procedimentos, técnicas e estratégias‖ eram categorias distintas. As estratégias são, na visão das autoras, parte central das subcompetências que formam a competência do tradutor. Pode-se denotar pela discussão travada por Molina e Hurtado Albir (ibid.) que as estratégias e técnicas são vistas como ferramentas para

treinamento de tradutores. Por fim, um complicador que torna a conceituação das categorias até aqui apresentadas ainda mais vaga: a indefinição de alguns mecanismos que ora podem ser estratégias, ora técnicas.

As estratégias abrem caminho para encontrar uma solução adequada para uma unidade de tradução. A solução será materializada ao usar uma técnica particular. Por isso, as estratégias e as técnicas ocupam diferentes lugares na solução de problemas: as estratégias são parte do processo, as técnicas afetam o resultado. No entanto, alguns mecanismos podem funcionar tanto como estratégias quanto como técnicas. (ibid., p. 508)61

Se estratégias e técnicas ocupam lugares diferentes na solução de problemas como podemos explicar o funcionamento de ambas as categorias tanto no processo quanto no resultado? Ou o fato das estratégias também serem apontadas como procedimentos? A conclusão é a de que a definição utilizada pelas autoras não contribui para uma uniformização terminológica.

As estratégias sob a ótica de Chesterman (1997) são textuais. Esta acepção segundo Kearns (2009) parece ser recente, uma vez que em estudos anteriores falava-se de ―procedimentos‖ e ―mudanças (shifts)‖ entre texto- fonte e texto-alvo. Para a sustentação de seu argumento, Chesterman (ibid.) lista algumas características relevantes para a categoria em questão: as estratégias são meios encontrados pelos tradutores para se conformar às normas, não estando atreladas ao alcance da equivalência, mas a um resultado (texto-alvo) considerado apropriado, o que a meu ver não depende exclusivamente do aspecto linguístico e sim da junção de outros fatores e agentes externos, no entanto, o resultado é visualizado textualmente no produto. No sentido apresentado pelo estudioso a estratégia é um meio para a realização de algo e a tradução é vista como ação; a estratégia é um tipo de processo mais comportamental que mental, pois descreve tipos de comportamentos linguísticos e se configura como uma forma explícita de manipulação textual, sendo diretamente observável na tradução (produto) quando em comparação com o texto-fonte; por ser centrada em um objetivo

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Strategies open the way to finding a suitable solution for a translation unit. The solution will be materialized by using a particular technique. Therefore, strategies and techniques occupy different places in problem solving: strategies are part of the process, techniques affect the result. However, some mechanisms may function both as strategies and as techniques.

a estratégia tem como ponto de partida um problema62 para o qual oferece solução. Por estar centrado em características textuais e não em processos mentais63 e propor um estudo baseado em corpora paralelos, o presente trabalho tomará o conceito de estratégias utilizado por Chesterman (1997) como referência.

O autor observa que há dois níveis de estratégias: global e local. O primeiro se refere a um plano mais geral e indica a relação entre texto-fonte e texto-alvo adotada inicialmente pelo tradutor: o grau de ―liberdade‖ a ser assumido com a tradução ou como lidar com questões de escolhas dialetais a serem representadas, ainda, se textos mais antigos devem ser modernizados ou não. Já o último, o local, relaciona-se com questões mais específicas, de ordem estrutural ou lexical, como a tradução de ideias ou itens. Por fim, a divisão feita entre estratégias de comunicação: as de compreensão relacionam-se com a análise cognitiva do texto-fonte, portanto voltada para o processo e as de produção voltadas para a produção do texto-alvo. Estas últimas têm a ver com a maneira como o tradutor manipula o material linguístico de modo a produzir um texto-alvo apropriado. Em suma, a proposta está situada nas estratégias de produção, em sua maioria locais.

Baseio-me em Molina e Hurtado Albir (2002), Baker (2011), Chesterman (ibid.), Vinay e Dalbernet (2000)64 e Klingberg (1986) e proponho uma classificação heurística para a identificação da voz do tradutor através do estudo das estratégias de tradução. O conjunto de sete estratégias tomou como parâmetros os principais desafios encontrados por tradutores na tradução de LIJ com vistas à produção de um texto considerado apropriado pela comunidade receptora65 e as considerações feitas por Chesterman (ibid.) e Fernandes (2004).

Os aspectos evidenciados são de ordem lexical (sintático-gramatical e semântica), no entanto, percebo que o isolamento das categorias proporcionará uma visão superficial da tradução. Assim, julgo que os

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Toury (2012) discute três usos terminológicos para ―problema‖. No caso desta pesquisa, o uso se adequa ao PROBLEMA2 referente aos estudos centrados no texto-alvo e o enfoque reside nas soluções encontradas através do uso das estratégias de tradução em análise.

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Uma análise mais detalhada destes aspectos pode ser encontrada no trabalho de Jääskeläinen (1993).

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A classificação proposta pelos três primeiros teóricos toma como base os trabalhos dos seguintes estudiosos: Catford (1965), Deslile (1993), Leuven-Zwart (1989/1990), Malone (1988), Margot (1979), Newmark, (1988), Nida (1964),Vázquez-Ayora (1977) e Vinay e Dalbernet (2000).

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elementos micro-textuais (locais) afetam o aspecto macro-textual (global), o qual, por sua vez, envolve os anteriormente citados. Conforme explicitado em momento anterior deste trabalho, as estratégias são flexíveis e abertas, dinâmicas, o que configura esta pesquisa como uma tentativa de agrupar categorias em sua maioria já apresentadas por teóricos dos estudos da tradução. O que diferencia a proposta é que ela se volta especificamente para a análise de traduções de LIJ, embora possa ser utilizada para outros gêneros. As estratégias listadas na seção 4.2 não privilegiam as omissões ou cortes, depreendidos como formas de manipulação textual e não como indícios da voz do tradutor (Hermans, 1996a). As estratégias apresentadas se configuram como ferramentas conceituais úteis para o estudo descritivo de traduções, uma vez que podem focar em aspectos particulares realizados pelo tradutor. No capítulo 4, seção 4.2, apresento a lista com as categorias a serem utilizadas como meio para alcançar a voz da tradutota. Todos os exemplos apresentados nesta seção fazem parte do corpus paralelo em estudo.