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O surgimento da literatura infantojuvenil no Brasil, no final do século XIX, foi tardio quando comparado aos países europeus. Diferentemente da Europa, cuja produção acontecia paralelamente à de

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Adventure is an event or series of events that happen outside the ordinary course of the protagonist‘s life, usually accompanied by danger, often by physical action. Adventure stories almost always move quickly, and the pace of the plot is at least as important as characterization, setting, and other elements of a created work.

traduções, a nossa produção era escassa e o número de traduções acentuado.

As obras destinadas a crianças e jovens que chegavam ao Brasil eram traduções vindas de Portugal. As diferenças linguísticas eram a causa maior do estranhamento e impossibilitavam a leitura em grande parte dos casos, levando os leitores a fazer muitas vezes uma espécie de retradução.

Os textos que justificam as queixas de falta de material brasileiro são representados pela tradução e adaptação de várias histórias européias que, circulando muitas vezes em edições portuguesas, não tinham, com os pequenos leitores brasileiros, sequer a cumplicidade do idioma. Editadas em Portugal, eram escritas num português que se distanciava bastante da língua materna dos leitores brasileiros. Esta distância entre a realidade lingüística dos textos disponíveis e a dos leitores é unanimemente apontada por todos que, no entre- séculos, discutiam a necessidade da criação de uma literatura infantil brasileira. Dentro desse espírito, surgiram vários programas de nacionalização desse acervo literário europeu para crianças. (LAJOLO & ZILBERMAN, 2007, p.29)

Crianças e jovens leitores tiveram através dessas traduções os primeiros contatos com autores, personagens e ideologias que representavam os ideais eurocêntricos. Entre os livros lidos estavam contos de fadas (Perrault, Andersen e Grimm), contos, romances de aventura e narrativas religiosas em sua maioria traduzidos do francês para o português de Portugal (COELHO, 1987). Ainda segundo a autora (ibid.), em todas as nações novas a literatura infantil tem sua origem nas traduções, no caso do Brasil este contato se dá através dos colonizadores portugueses, inicialmente via tradição oral e posteriormente através de material escrito. Mesmo depois da independência as traduções continuam a circular. Afirma Coelho que nenhum progresso cultural rumo à autonomia se dá em curto prazo.

Segundo Lajolo & Zilberman (2007), até a chegada de D. João VI, o suporte editorial, e mesmo o tipográfico, eram precários, praticamente inexistentes. Tais dificuldades impossibilitaram o estabelecimento de um sistema literário. Decorre muito tempo, até que tipografias, editoras, bibliotecas e livrarias tornem o livro um objeto não tão raro, ao menos nos centros urbanos mais importantes.

No ano de 1808, a vinda da Família Real ao Brasil produziu significativas mudanças no campo cultural e não deixaria de afetar a produção de livros. Anteriormente a imprensa era proibida no Brasil, fato modificado por D. João VI com a fundação da Imprensa Régia. Por interesses próprios da corte, áreas diversas passaram a ter melhorias, como foi o caso da imprensa, do ensino e do desenvolvimento urbano. As publicações de livros para crianças eram pautadas na ideia de que a formação do cidadão se processava através da leitura, mais uma vez estabelecendo uma função à literatura infantojuvenil. No Brasil, as traduções de livros infantis – mas não somente deste gênero - ocuparam uma posição central, dado que o sistema literário brasileiro ainda não estava consolidado, ou seja, com uma literatura em pleno desenvolvimento e processo de formação havia a necessidade de buscar modelos em outras literaturas já consolidadas que dispusessem de um número maior de gêneros e formas.

Importantes questões históricas devem ser consideradas na configuração do sistema de literatura infantil no Brasil. O momento em que ele começa coincide com o projeto de independência do país e uma tentativa de abrasileiramento dos textos. O número de traduções feitas em português brasileiro começou a se expandir, o que facilitou o acesso das crianças a esses textos. Os temas dos clássicos europeus foram transplantados para a nossa literatura, mas devido aos ideais do projeto nacionalista as obras começaram a ser adaptadas às tintas locais. As traduções de obras infantis feitas no Brasil começaram a considerar aspectos da cultura-alvo como relevantes nesse processo, afastando-se aos poucos dos padrões europeus (ALBINO, 2010, p.5).

Questões educacionais influenciaram enfaticamente tanto a tradução quanto a produção de obras infantis. No Brasil, por não haver ainda uma democratização do ensino público no século XIX, as obras restringiam-se à educação das elites, o número de analfabetos era alto e por mais de meia década não houve avanços significativos. Somente nos anos de 1960, com a criação da lei de Diretrizes e Bases (LDB), quando se propôs o ensino como um direito de todos, a escolaridade foi ampliada para oito anos e o destaque das atividades de leitura exigiu uma demanda de livros literários. Décadas antes, nos anos de 1920, Monteiro Lobato, importante escritor, editor e tradutor brasileiro, rompendo com os modelos vindos de Portugal, lançou um novo olhar sobre a literatura infantil brasileira criando obras que apresentavam inovações na linguagem, usos de coloquialismos, neologismos, elementos do folclore mesclados a figuras da mitologia universal, além

do abandono da abordagem moralista e didática. Essas características também são percebidas nas traduções de Lobato, conforme explicita Fernandes (2004), a ponto de escrita e tradução se mesclarem muitas vezes, de forma que o autor/tradutor apropriava-se de personagens dos livros que traduzia, recriando-as em novos contextos da produção literária brasileira. Lobato é relevante no cenário de desenvolvimento inicial da literatura infantil, não somente pelas criações, mas também pela forte influência na mudança de comportamento de questões mercadológicas, uma vez que traduziu inúmeras obras da literatura de língua inglesa, ampliando a entrada dessa língua no polissistema de literatura infantojuvenil traduzida no Brasil, antes dominada pelos textos de língua francesa.

Nos anos de 1930, a tradução de obras infantis tornou-se atividade comum de muitos escritores da época, fosse para complementar o orçamento ou manter os vínculos com o público leitor. Devido à censura da Era Vargas, para manter a ordem política e social do país, muitos escritores preferiram relegar a escrita de livros a segundo caso e dedicar-se às traduções. Fato semelhante aconteceu com a publicação de livros que faziam parte do projeto nacional. As traduções, encontrando um vácuo na produção literária brasileira deste momento, começaram gradativamente a se expandir. O período de grande crescimento na indústria livreira e a ampliação significativa do número de obras traduzidas obrigou muitos dos editores a seguir tendências mercadológicas. Os livros em língua inglesa passaram a ter mais traduções no mercado (WYLER, 2003).

Tratados como produtos culturais os textos precisavam se adequar para atender às demandas do mercado. A literatura traduzida ―foi setorizada e os leitores contemplados com coleções dirigidas a públicos específicos‖ (HIRSCH, 2006, p.92), como o feminino e o infantil. No caso da literatura infantil, para cumprir com as exigências feitas pelas diversas instituições que a circundam, a saber: família e escola, e também devido às questões de mercado, os textos precisaram ser alterados, sofrer cortes, terem sua linguagem simplificada, as obras foram reduzidas para secadequarem às propostas de cada editor ou coleção. Temas relacionados à violência ou sexualidade eram cortados dos textos, sendo estes reescritos, editados ou reinventados para atender a leitores de épocas, idades e padrões morais diferentes. No caso da literatura infantil, predominou a imposição do código moral convencional. (HIRSCH, 2006).

Monteiro (2006) acrescenta que houve uma mudança no currículo escolar e uma massificação do ensino em decorrência das exigências da Lei de Diretrizes e Bases n. 4.024, de 1961. O que parecia negativo para a educação era um ponto positivo para a indústria do livro. O crescimento do número de leitores exigia uma demanda maior de livros didáticos e paradidáticos, técnicos e universitários. O crescimento da taxa de natalidade também contribuiu para o aumento de alunos nas escolas. Além deste fator, somem-se o crescimento demográfico e os investimentos governamentais e de empresários que incentivaram o desenvolvimento tecnológico, com vistas à ampliação do mercado consumidor nacional. Com estes investimentos um ministério, conselhos e diversas fundações foram criadas como forma de incentivar a educação no país o que, consequentemente, incentivou a produção e o consumo de livros. O livro didático passou a ser o objeto mais cobiçado pelas editoras. Em 1966 criou-se a Comissão Nacional do Livro Didático, financiada pelo MEC. As estreitas relações entre Brasil e Estados Unidos (USAID e SNEL) também colaboraram para a expansão do mercado livreiro através de financiamentos de traduções da língua inglesa para o português. A publicidade e a diversificação dos meios de distribuição também foram relevantes nesse processo (HIRSCH, 2006). Em 1968 surge a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) seção brasileira do International Board on Books for Young People (IBBY), que lista entre seus objetivos o de ―dar às crianças de todos os lugares a oportunidade de terem acesso a livros com altos padrões artísticos e literários‖ e ―encorajar a publicação e distribuição de livros infantojuvenis, principalmente nos países em desenvolvimento.‖ Entre os autores brasileiros que venceram o prêmio promovido pelo IBBY estão as escritoras Lygia Bojunga, em 1982 e Ana Maria Machado, em 2000.

Em 1971, cerca de 2 milhões de livros foram distribuídos gratuitamente às escolas através do Instituto Nacional do Livro. O Brasil passou a produzir livros em número cada vez mais acelerado e em 1973 chegou a ficar entre os dez maiores produtores do mundo. Surgem nesse período os livros do professor e as fichas de leitura que acompanham os livros adotados nas escolas. A Editora Tecnoprint (Ediouro), para a qual Clarice fazia traduções de clássicos infanto-juvenis, torna-se a líder no mercado. A FNLIJ fomentou a evolução da qualidade dos livros infantojuvenis, tanto no aspecto textual quando nas ilustrações, segundo Hallewell (2012, p.768), seguida pela LDB n. 5.692, de 1972 que exigia a leitura de uma obra de literatura brasileira por semestre em escolas de primeiro e segundo graus. A ascensão da classe burguesa em virtude da

industrialização e o aumento da faixa de escolaridade obrigatória atrelados aos fatores anteriormente listados levaram ao crescimento do gênero, que passou a ser produzido em número maior por autores nacionais. Ainda assim, o número de traduções chegava a 63%, diminuindo gradativamente durante esta década até que em 1979 a produção nacional chegou a alcançar o índice de 50,5%. De 1975 a 1985 houve o boom da literatura infantojuvenil no país. Diversas editoras começaram a disponiblizar entre seus títulos livros para crianças e jovens, entre elas Ática, Melhoramentos, Abril Cultural, Tecnoprint (Ediouro) e Companhia das Letras, além de outras. Cresceu no país a crítica especializada e havia, até o fim da década de 1970, quatorze livrarias especializadas apenas em obras infantojuvenis e de trinta a quarenta editoras com títulos do gênero, sendo três delas dedicadas exclusivamente a este segmento do mercado editorial41.

2.4 - CARACTERÍSTICAS DA (TRADUÇÃO DE) LITERATURA