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6.2 – PERGUNTAS DE PESQUISA: RESPOSTAS E CONSIDERAÇÕES

As perguntas de pesquisa lançadas no início deste trabalho apontam de forma implícita o que viria a ser discutido no segundo capítulo da tese: há uma voz que se manifesta na tradução, confirmada pelas discussões teóricas de Baker (2000), Hermans (1996 a/b),

O‘Sullivan (2006) e Schiavi (1996). Seguem os apontamentos obtidos a partir da análise dos resultados.

1 - De que maneira a voz da tradutora se manifesta nos textos traduzidos?

A hipótese inicial foi de que a voz da tradutora poderia se manifestar através das estratégias utilizadas, efetivamente comprovada a partir da análise realizada no capítulo 5, seção 5.1. Alguns aspectos merecem ser destacados, considerando que todos os teóricos citados na seção referente à voz do tradutor partem de observações acerca de textos literários narrativos: Hermans (1996a) afirma que o ―discurso narrativo traduzido, sempre implica mais que uma voz no texto, mas em algumas narrativas, é possível que esta ‗outra‘ voz nunca se manifeste claramente.‖ O teórico chega a assegurar que o tradutor, como co- produtor do discurso, muitas vezes se esconde sob a figura do narrador, mas julga impossível detectar a voz do tradutor a partir dessa vertente, assim, propõe que sejam analisadas apenas as formas em que o tradutor aparece de forma explícita, no caso, através dos paratextos. Ainda que não fosse parte dos objetivos deste estudo, não considerei irrelevantes os aspectos acerca das informações paratextuais, embora nenhum dos textos-fonte analisados tenha apresentado notas de rodapé, exceto Viagens de Gulliver, mas notas do editor e não do tradutor. Assim, através da análise das descrições das coleções apresentadas nas folhas de rosto e quarta capa foram obtidas informações acerca do projeto de tradução das coleções que colaboraram como resposta para o alto número de cortes de parágrafos em O talismã e a padronização da língua (no caso dos dialetos) em Chamado selvagem. Schiavi (1996) e O‘Sullivan (2006) apontam a narratologia como meio para se chegar à voz do tradutor. Por essa via, O‘Sullivan (ibid., p. 108) afirma que a voz do tradutor está inscrita na voz do narrador da tradução.

A presença discursiva do tradutor pode ser localizada em todas as instâncias do texto narrativo traduzido em um nível abstrato como tradutor implicado da tradução. A voz do tradutor pode fazer-se ouvir em um nível paratextual como o do tradutor e está inscrito na narrativa como o

que denominamos ―a voz do narrador da tradução‖127

O tradutor implícito como elemento localizado de forma abstrata na configuração da narrativa é o responsável pela organização do texto em outra língua. Essa informação vai ao encontro do que Koster (2000, p.47) evidenciou: o tradutor está presente no texto-alvo de forma oculta, mas só é possível percebê-lo de forma explícita através das diferenças entre o texto-fonte e o texto-alvo. A sua presença só pode ser atestada ou hipotetizada a partir da comparação dos textos fonte e alvo.

São essas as diferenças apontadas no estudo das análises das estratégias. Por exemplo, ao atribuir uma carga aos vocábulos men/man traduzidos de forma mais particularizada a partir do contexto como ―exploradores‖, ―aventureiros‖, ―criaturas familiares‖, ―criaturas da cidade‖ ou ―proprietários‖ (CS), mantendo a coesão lexical ou no caso do comparativo ―como‖ em Viagens de Gulliver, no qual o campo de imagens é expandido a partir das comparações que assumem, também, uma carga enfática. Através das amplificações lexicais, caso do acréscimo ―regiões das mais geladas do mundo‖, ao se referir às ―terras do Norte‖ (CS). Nas amplificações narrativas em Viagens de Gulliver, através do personagem Gulliver, introduzido como autor dos relatos figurados na obra, que apresenta inúmeros segmentos de acréscimos, principalmente no direcionamento ao leitor, o seu interlocutor nos relatos de viagem.

Em O talismã no novo encadeamento de conjunções, nas transposições, particularizações ou generalizações necessárias para reacomodar a narrativa em um texto com mais de 500 parágrafos cortados. Estes exemplos são apenas uma parcela do que foi analisado na seção 5.1, porém, servem para corroborar a ideia de que a voz da tradutora está marcada através da voz narrativa. Nesse sentido, retomando O‘Sullivan (ibid.), as estratégias analisadas, partindo das instâncias em que prioritariamente figura a voz do narrador, conduziram à percepção de ―uma voz separada, específica e não assimilada à do

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The discursive presence of translator can be located in every translated narrative text on an abstract level as the implied translator of the translation. The translator‘s voice can make itself heard on a paratextual level as that of the ‗translator‘ and is inscribed in the narrative as what I have called ‗the voice of the narrator of the translation (O`Sullivan, 2006, p. 108).

narrador do texto-fonte‖, ou seja, a ―voz da tradutora‖ que atua em conjunto o narrador. Especificamente no caso da tradução de LIJ a voz da tradutora tornou-se mais evidente, em virtude de todas as liberdades permitidas, principalmente devido à relação assimétrica, característica marcante do texto infantojuvenil e de adaptações necessárias por questões editoriais.

2 – Pode-se detectar um padrão na voz da tradutora nos três livros de aventura traduzidos?

Parto da consideração de ―padrão‖ essencialmente como uma repetição.128 Tomando as questões apresentadas sobre a tradução de LIJ no capítulo II e as normas direcionadas à tradução desse gênero poderia listar algumas hipóteses acerca das traduções antes mesmo de sua análise: a linguagem será simplificada, trechos considerados ofensivos (escatologia, violência, erotismo, etc.) sofrerão cortes e dialetos ou quaisquer outros registros da língua que não o formal serão padronizados. Após esta reflexão me deterei nas estratégias analisadas.

Primeiramente, não é possível afirmar de forma convicta que não houve simplificação da linguagem. Somente uma pesquisa centrada na leiturabilidade poderia ter maior exatidão sobre a questão. No entanto, posso atestar que, embora tenha sofrido cortes, O talismã, mesmo padronizando a língua no texto-alvo manteve o registro formal. Cenas de violência e até sensuais, consideradas impróprias para o público infantojuvenil foram mantidas nos textos, fato que pode ser atribuído à liberdade que a tradutora, figura respeitada no meio literário, teve para executar a tradução. Concernente aos dialetos, línguas ficcionais e expressões estrangeiras confirma-se o exposto por Klingberg (1986): a tendência a padronizar, atestada pela descrição da quarta capa de O talismã: ―grandes clássicos contados em português correto e moderno.‖

No que concerne às estratégias, retomando o que discuto na seção 4.2, considero cada tradução como um ato único e complexo. Dado o dinamismo das estratégias e as suas modificações ao longo do tempo, é possível que a mesma obra seja traduzida por vários tradutores dentro de um quadro de estratégias diferentes. Porém, compreendo de forma mais específica um padrão como uma marca que se imprime e se torna regular em

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Com base em Hunston (2010, p.152). Ver O'KEEFFE, A. & MCCARTHY, M (ibid.).

outros trabalhos. Neste sentido, posso afirmar que em todos os textos-alvo analisados houve recorrência das estratégias apresentadas, principalmente no que concerne à coesão lexical (desdobramento do léxico), mudança de conectores (conjunções), transposição e antecipação. No caso dos dialetos , expressões estrangeiras e línguas ficcionais os tratamentos foram diferenciados em cada um dos três textos: padronização da língua (CS), manutenção das línguas ficcionais (VG) e exclusão de expressões estrangeiras (OT).

3 – Até que ponto essa voz, que se reflete nos textos traduzidos, está em consonância ou não com o conceito de tradução proposto pela tradutora?

O reconhecimento de que os sistemas linguísticos apresentam peculiaridades que por si demandam do tradutor um olhar mais aberto às adaptações é um ponto a ser destacado na crônica Traduzir procurando não trair: palavras, expressões, termos, itens gramaticais passam por transformações conscientes ou não por parte do tradutor. A tradutora Clarice Lispector admite que não detém total liberdade em relação ao texto vez que elas pertencem a um sistema maior, o da língua, muitas vezes insuficiente para abarcar o universo de outro contexto linguístico: ―há a língua portuguesa que não traduz certas expressões americanas típicas‖ (LISPECTOR, 2005, p. 115). As adaptações são necessárias e nesse contexto não apenas a língua está em voga. Ela é um dos elementos envolvidos no ―jogo da tradução‖. É preciso considerar o público-alvo, o gênero , o mercado editorial, para quê e para quem se traduz.

Talvez por isso, a tradutora considere a fidelidade como relativa, visto que, considerando o conjunto dos elementos que compoem/circundam a tradução em algum momento do percurso o caminho será desviado. É nesse sentido que Clarice Lispector, ao traduzir uma peça junto com Tati Moraes, discute as peculiaridades atribuídas ao texto dramático: ―Como se não bastasse, cada personagem tem uma ―entonação‖ própria e para isso precisamos das palavras e do tom apropriados.‖ Tom e palavras que precisam ser afinados em outro tempo, em outro contexto temporal e geográfico, adequado a outro sistema linguístico. A tradutora reconhece que ajudas externas, como a de um diretor de teatro são muitas vezes esclarecedoras, mas podem atrapalhar em alto grau, a ponto de negar-se a traduzir um texto de teatro após sucessivas interferências do diretor. Ao citar o episódio da

tradução/condensação de um livro de Agatha Cristie garante que o fazia diretamente, antes de ler o original, ia lendo à medida que ia traduzindo. Talvez esta afirmação tenha servido como base para o argumento de Milton (2002, p. 110) de que Clarice Lispector traduzia sequencialmente os parágrafos.

Referente à tradução das obras em apreço a análise das estratégias revelou uma tradutora conectada com as relações micro e macrotextuais em conformidade com o gênero traduzido. As cadeias lexicais, transposições, cortes e readequações dos textos mantiveram e até expandiram os elementos das narrativas de aventura. Em Viagens de Gulliver, o marinheiro que passa por uma série de peripécias nos itinerários que percorre tem seu perfil de aventureiro e contador de histórias ampliado com as amplificações narrativas. Em Chamado selvagem o doloroso itinerário de Buck até o encontro com seu lado selvagem é intensificado. As características dos guerreiros, suas virtudes e as armadilhas de que são livrados nos diversos episódios de intrigas e traições são enfatizados em O talismã. Os cortes necessários para a adequação dos livros a formatos e coleções são realizados ―procurando‖ não trair o texto-fonte. Por fim, a declaração de que traduzia à medida em que lia os textos, talvez possa ser aplicada ao caso descrito na crônica, mas não pode ser aplicado ao corpus analisado, uma vez que a estratégia de antecipação, evidencia um conhecimento macrotextual, ou seja, somente um leitor que tem noção do global é capaz de rearticular o texto fazendo inversões, reordenando a tessitura do texto de forma a torná-lo um todo coeso e coerente.

6.3 – LIMITAÇÕES DA PESQUISA, CONTRIBUIÇÕES E