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3.1 A PROPOSTA DE HOPPER

3.1.1.2 Estruturação na conversação

Consoante Hopper (2011), a gramática no nível conversacional não está inscrita em uma forma permanente, mas é o resultado da criação espontânea de novas combinações de formas. Essas formas são fragmentos de expressões ouvidas anteriormente, reunidas durante a interação. Além disso, são improvisadas de maneira muito semelhante ao improviso de uma performance de jazz: publicamente e em conjunto. Hopper afirma que essa performance consiste em variações improvisadas a partir de temas familiares, sendo ligadas e sincronizadas com o desempenho dos outros músicos do grupo. Logo, essas variações não são preexistentes à ocasião de sua realização, tampouco são novas. Igualmente, os falantes compõem juntos enunciados ouvidos anteriormente. Essa ideia é baseada no trabalho de Bakhtin, segundo o qual

quando selecionamos palavras no processo de construção de um enunciado, de modo algum as pegamos do sistema da língua em forma neutra, dicionarizada. Nós geralmente as pegamos de outros enunciados, e principalmente de enunciados que estão relacionados para nós em gênero, isto é, em tema, composição e estilo. Consequentemente, escolhemos as palavras de acordo com suas especificações genéricas (BAKHTIN, 1986, p. 87 apud HOPPER, 2011, p. 33).

Hopper explica que as palavras a que Bakhtin se refere são sintagmas, expressões, fragmentos etc. que foram empregados em ações passadas. Segundo ele, tais ações são “relacionadas para nós em gênero”, porque foram úteis em contextos análogos ao atual. Ademais, para Hopper, muitos enunciados únicos não consistem de nada além de itens holísticos ou fórmulas.19

Hopper conclui, afirmando que um estudo das condições interativas do uso de determinada construção leva à rejeição de duas premissas da análise sintática, a saber: (i) é possível conduzir análises sobre sentenças como objetos estáticos, livres do contexto, existindo somente na mente do indivíduo; (ii) as sentenças são entidades atemporais, totalmente presentes e completas, cujo princípio, meio e fim pode ser pesquisado simultaneamente. Ao invés, Hopper defende que os enunciados devem ser vistos com uma forma de comportamento que se desenvolve no tempo, produzidos por um falante em referência a ouvintes cuja ratificação conforme o enunciado se desenvolve na interação e é inseparável do ato de produção. Assim, à medida que os enunciados se desdobram, estruturam-se de acordo com a hierarquização introduzida pela tomada de turno e com base em textos anteriores, não se acomodando a formas gramaticais fixas prévias, mas se adaptando a normas, o que significa que eles se conformam mais ou menos a padrões reconhecíveis. Logo, podem ser considerados “os produtos emergentes de práticas parcialmente rotinizadas” (PEKAREK DOEHLER, 2007, p. 6 apud HOPPER, 2011, p. 42).

19 Hoper (2011, p. 34) apresenta como exemplo desse tipo de construção alguns enunciados curtos

em inglês presentes nas conversações cotidianas, extraídos de diálogos presentes no Santa Barbara Corpus, como that’s good, I mean it e outros, que apresentam pouca ou nenhuma complexidade interna.

É importante salientar, porém, que a “[...] gramaticalização tem seu início na gramática emergente, embora o inverso não aconteça: a gramática emergente pode levar ou não à mudança gramatical” (AUER; PFÄNDER, 2011, p. 14). Destarte, nem todas as estratégias de construção do discurso que emergem nas situações cotidianas de interação serão repetidas com certa frequência, frequência essa que as faria integrar a gramática da língua. Somente algumas delas serão gramaticalizadas: as mais “vivas”, as mais utilizadas pelos falantes (cf. THOMPSON, 1993).

3.1.2 Os princípios de gramaticalização

Hopper (1991) propõe cinco princípios que podem caracterizar tanto os estágios iniciais da gramaticalização quanto os finais. Tais princípios são relevantes para diagnosticar a emergência de formas e construções gramaticais a partir de material já disponível, como também de diferentes graus de gramaticalização nos casos em que ela já é um processo reconhecido como tal. Os princípios são os seguintes: estratificação, divergência, especialização, persistência e decategorização.

3.1.2.1 Estratificação

“Dentro de um domínio funcional amplo, novas camadas estão continuamente emergindo. Quando isso acontece, as camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, mas podem permanecer coexistindo e interagindo com as camadas mais recentes” (HOPPER,1991, p. 22)

Esse princípio refere-se a um fenômeno muito comum nas línguas em geral que é o da codificação de uma determinada função linguística por formas diferentes. Essa diversidade formal surge, segundo Hopper (1991, p. 23), na medida em que uma forma ou um conjunto delas, ao emergir em um dado domínio funcional, não substitui imediatamente – ou mesmo nunca vem a substituir completamente – o conjunto já existente de formas equivalentes funcionalmente; mas, ao contrário,

esses dois conjuntos de formas passam a coexistir, podendo ser especializados para itens lexicais particulares, classes peculiares de construções ou registros sociolinguísticos; podem ainda ter significados levemente distintos ou apenas serem reconhecidos como alternativas estilísticas.

3.1.2.2 Divergência

“Quando uma forma lexical sofre gramaticalização para um clítico ou afixo, a forma lexical original pode permanecer como um elemento autônomo e sofrer as mesmas mudanças que itens lexicais ordinários” (HOPPER, 1991, p. 22).

O princípio da divergência origina pares ou múltiplas formas possuindo a mesma etimologia, mas divergindo funcionalmente, isto é, “o uso fonte e o uso alvo de uma forma em um aclive de gramaticalização podem seguir cada um o seu próprio caminho e continuar coexistindo como reflexos divergentes de uma forma singular por muito tempo” (TAVARES, 2003, p. 72).

3.1.2.3 Especialização

“Dentro de um domínio funcional, em um estágio, uma variedade de formas com diferentes nuanças semânticas pode ser possível; quando a gramaticalização acontece, essa variedade de escolhas formais estreita-se e o menor número de formas selecionadas assume significados gramaticais mais gerais” (HOPPER, 1991, p. 22).

A especialização diz respeito à redução na escolha de formas para a codificação de determinada função gramatical e geralmente ocorre em estágios mais avançados da gramaticalização. Nesse processo, uma forma X de um dado domínio funcional predomina sobre as outras no desempenho de uma função e acaba por eliminá-las, adquirindo um sentido mais generalizado, passível de ser empregado em vários contextos de uso.

3.1.2.4 Persistência

“Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função lexical para uma gramatical, tanto quanto isso é gramaticalmente viável, alguns traços dos seus significados lexicais originais tendem a aderir a ela, e detalhes de sua história lexical podem ser refletidos nas restrições a sua distribuição gramatical” (HOPPER, 1991, p. 22).

Esse princípio prega que, no processo evolutivo da gramática, as formas gramaticalizadas conservam resquícios de seus significados anteriores, podendo ser polissêmicas em alguns contextos de uso, chegando, muitas vezes, a interferir na maneira como os usuários utilizam a língua. Em outras palavras, espera-se que uma forma gramaticalizada tenda a ser polissêmica e isso pode restringir sua distribuição em certos contextos de uso.

3.1.2.5 Decategorização

“Formas sofrendo gramaticalização tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os privilégios sintáticos das categorias20 plenas

substantivo e verbo, e assumir atributos característicos de categorias secundárias tais como adjetivo, particípio, preposição, etc.” (HOPPER, 1991, p. 22).

A perspectiva da gramaticalização para a explicação do surgimento da gramática traz como consequência teórica a relativização da noção de categoria. De acordo com essa visão, não há distinções muito claras entre as categorias, tanto que se pode falar em decategorização e é preferível substituir a ideia de categoria pela de graus de categorialidade.

20 Hopper (1991) utiliza o termo categoria como sinônimo de classe de palavras, diferente de Heine,

Claudi e Hünnemeyer. (1991a/b), que o empregam para descrever os domínios básicos para a estruturação da experiência humana (cf. seção 3.3.1, a seguir). Nessa pesquisa, portanto, usamos o termo categoria nessas duas acepções.