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CAPÍTULO II – SEMILIBERDADE: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

2.2. SEMILIBERDADE: O RELATO DE UM CASO PARTICULAR

2.2.2 A estrutura arquitetônica da unidade

Com uma estrutura arquitetônica, que foi reconhecida nacionalmente, tornando-se modelo para a construção de outras Casas de semiliberdade pelo país, a unidade parece-se como uma casa residencial com algumas disposições espaciais e estruturais que se assemelham às compreensões do sistema panóptico proposto por Bentham (1748-1832 apud FOUCAULT, 2012f).

A proposta arquitetônica deste novo modelo de unidade prevê espaços que contemplam as orientações do projeto do CONANDA referente ao SINASE (BRASIL, 2006), para atender demandas de atendimentos, visitas da família, espaços de lazer, estudos, refeições, higiene pessoal, descanso e para a equipe de trabalho ter uma convivência próxima dos adolescentes. Assim, as novas unidades contêm seis quartos com no mínimo 5 metros quadros, podendo ser dispostos dois ou três adolescentes em cada. Todos os quartos contam com guarda-roupa específico para os pertences serem armazenados e divididos entre os adolescentes de cada quarto, bem como uma cômoda e camas baixas ou beliches. As demais dependências contam com uma sala conjugada com cozinha e com acesso direto a três quartos, bem como quatro banheiros dentro da casa exclusivos para os adolescentes, sendo um com estrutura para atender deficientes físicos.

A unidade também possui outros espaços com acesso na área interna no terreno, mas externa à casa, que ocupa o lugar principal. Entre estes espaços está uma lavanderia, com uma dispensa fechada para armazenar os produtos de limpeza, duas salas para atendimentos e espaço para escritório ou outra finalidade e uma sala para espaço de atividades de estudo e lazer para os adolescentes, com um banheiro exclusivo. A área externa dentro do terreno também conta com uma dispensa e churrasqueira.

Na unidade, a disposição dos espaços é organizada de modo a não ter uma sala exclusiva para atendimento, talvez pelo fato de a unidade ter uma equipe técnica exclusiva somente em 2011 e também somente com o profissional do serviço social. Nesta unidade, uma das salas

projetada em outras unidades para ser uma sala multiuso, para atividades de cunho coletivo tanto para atendimentos quanto para lazer, é utilizada para alocar a direção, os educadores que auxiliam na parte administrativa e a equipe técnica. As outras duas salas menores na parte externa da casa foram utilizadas respectivamente para almoxarifado e para atendimento individual ou atividades coletivas como os cursos internos.

Para compreender melhor o novo projeto arquitetônico, na sequência serão apresentadas fotos do modelo das unidades de atendimento socioeducativas disponíveis na internet e de acesso público. Destaca-se que não são especificamente da unidade de estudo, e sim cada uma de um local específico, conforme encontradas na internet, contudo representam o modelo da unidade em estudo45. A tentativa de colocar fotos e projetos arquitetônicos específicos das estruturas antigas e novas não foi autorizada pela SEDS, considerando questões de segurança.

Figura 7 – Modelo da fachada externa da nova estrutura das unidades de semiliberdade

Fonte: <http://www.familia.pr.gov.br/modules/galeria/fotos.php?evento=1194>.

45 Além da unidade em estudo, outras unidades do Paraná seguem o mesmo modelo, são elas as unidades de

Cascavel, Umuarama, Paranavaí e Ponta-Grossa, inauguradas já nesse novo projeto, conforme informações do site oficial da Secretaria.

A observação da figura 7 acima faz perceber que o muro não é alto, nem possui grades ou equipamentos de segurança estruturais tão delimitados como nos Centros de Socioeducação, conforme pode ser comparado com a figura 8 representada a seguir. Ao contrário a fachada apresenta uma fachada residencial, assim como as demais estruturais físicas da unidade, conforme preconiza o SINASE (BRASIL, 2006; 2012b).

Figura 8 – Modelo da fachada do CENSE

F

ont e:

<http://www.familia.pr.gov.br/modules/galeria/fotos.php?evento=180.>.

A comparação da fachada da semiliberdade permite analisar que a imagem da Figura 7 representa a frente de uma casa residencial conforme, preconizam os parâmetros do SINASE (BRASIL, 2006; 2012b). Contudo, não deixa de ter a formalidade de um espaço institucional, considerando a cor utilizada e o fato de ter placa de identificação, que não aparece na figura, mas foi observada pela pesquisadora em suas visitas à unidade pesquisada.

Por outro lado, a perspectiva de espaços internos da proposta da nova casa de semiliberdade destinados arquitetonicamente para uso em atividades pedagógicas como oficinas, estudo, atendimentos técnicos e área administrativa faz pensar em um espaço institucional entre uma escola e uma clínica, que visa a algum tipo de educação ou tratamento. A fachada já se apresenta como algo novo, indicando a formulação de sua proposta, conforme exige a legislação do SINASE (BRASIL, 2012b).

Figura 9 – Modelo da fachada frontal interna da nova estrutura das unidades de semiliberdade

Fonte: <http://www.diariodoscampos.com.br>.

Nesta figura 9, pode ser observado, conforme indicação, que a sala destinada aos educadores sociais parece ser estratégica. Uma sala logo no início da casa, rodeada de janelas que permitem o acesso de três perspectivas da casa: frontal, lateral direita (de quem entra na casa) e fundos. Cabe salientar que na área interna da porta oposta à janela da frente desta sala também há uma janela tanto na parte que fica para o lado de dentro da casa quanto no que fica no lado de

fora. Além disso, na parede contrária à janela do lado direito há uma porta que também permite o olhar em 360º das áreas ao redor da sala. Analisa-se que a localização e as posições das janelas e portas sejam uma forma de facilitar o monitoramento dos adolescentes quando dentro da unidade, seja dentro da casa ou ao seu redor.

Esta disposição faz pensar sobre o modelo sugerido por Jeremy Bentham, quanto à proposta de uma estrutura de prisão circular com celas em sua borda e no meio uma torre para observar os reclusos. Analisa-se que o modelo foi readaptado, numa perspectiva mais moderna onde o novo se acopla no velho, pois o formato arquitetônico manteve em certa medida esta ideia associando-a a outras propostas pedagógicas, já que a finalidade agora não seria mais só vigiar. Contudo, se pensar na disposição da sala a compreensão do panóptico parece prevalecer, por se tratar de espaço de onde dois educadores sociais em tese observariam o que aconteceria ao redor.

Por outro lado, como não são celas e sim quartos, suas portas não permitem que os educadores observem de longe o que está acontecendo dentro destes espaços, de modo que é necessária a circulação pelos ambientes em alguns momentos. Neste ponto também se pode pensar que algumas ferramentas de trabalho associadas às estratégias de segurança como as revistas minuciosas nos adolescentes todas as vezes que chegam de uma saída ou as revistas estruturais nos diversos ambientes da casa visam a cumprir este papel da vigilância.

Assim, conforme Foucault (1984b) já afirmava há 30 anos, o uso da ideia de Panóptico persiste na sociedade contemporânea não só no modelo disciplinar, mas na sociedade de controle. Agora este modelo não conta mais com uma simples visibilidade para dominar, e sim como uma estrutura de vigilância que visa a controlar, sem a existência de muros altos ou grades e sem correntes ou algemas. Neste formato, o exercício do poder descrito por Foucault (2012f) se assemelha à arquitetura escolar, hospitalar e está presente também nas fábricas.

Nesta perspectiva, a questão do panóptico tem a finalidade de

[...] que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce; enfim que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores. Para isso é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia; muito pouco, pois o essencial é que ele se saiba vigiado (FOUCAULT, 2012f, p. 166).

Trata-se de uma vigilância que permanece na distribuição das outras salas administrativas da unidade, como pode ser observado nas figuras a seguir, que mostram a parte interna da área externa e a parte dos fundos dessa mesma área. Contudo, parece ser um “vigiar” que também pressupõe a proximidade entre equipe e adolescentes, numa organização que possibilita uma interação constante entre todos os membros, tanto da equipe quanto dos adolescentes. Soma-se a isto a existência de espaços educativos para desenvolvimento de atividades na área de esporte, cultura, lazer e educação, seguindo as exigências legislativas.

Já na figura 10 se tem um panorama da parte e organização da casa do lado interno, seguindo a ideia de uma casa, com área externa, espaços específicos para uma casa, espaços para convivência e lazer. Também podem ser observados espaços para atividades de lazer na figura 11, exposta na sequência.

Figura 10 – Modelo área externa dentro da nova estrutura das unidades de semiliberdade

Fonte: <http://www.familia.pr.gov.br/modules/galeria/fotos.php?evento=1194&start=15>.

A existência dos espaços que compõem a unidade não lembra apenas uma casa, até porque nem todas têm acesso a locais próprios para jogar basquete, por exemplo, como mostra a figura 11. A proposta mescla uma modalidade de atendimento institucional numa casa residencial, o que

Porta Principal Estrutura da Casa para atividades

administrativas versus

churrasqueira, almoxarifado, salas de atendimento e sala para atividades pedagógicas.

Estrutura da Casa com quartos, sala, sala dos educadores sociais, banheiro e lavanderia.

de algum modo se associa à finalidade da medida socioeducativa de semiliberdade que pretende socioeducar a partir da simulação de um ambiente familiar com apoio técnico especializado garantindo a convivência familiar e comunitária.

Pode-se pensar que neste formato não seria viável um regime que inviabilizasse as saídas externas, considerando que todos os adolescentes que estão em cumprimento da medida não estão neste local por livre e espontânea vontade, mas por uma determinação judicial. Cabe considerar que, apesar disto, o adolescente pode evadir-se e assegurar o cumprimento da medida exige outras estratégias de trabalho para garantir um trabalho que possa se associar a um ato educativo e não apenas punitivo. Assim, a unidade estrutura sua proposta pedagógica, com estratégicas institucionais semelhantes às da medida de internação, mas com uma operacionalização diferente devido à característica específica da medida de semiliberdade.

Figura 11 – Modelo da parte dos fundos da nova estrutura das unidades de semiliberdade

F

ont e:

<http://www.familia.pr.gov.br/modules/galeria/fotos.php?evento=1194&start=15>.

Em relação aos projetos anteriores, destaca-se o cumprimento de todas as exigências arquitetônicas previstas pelo projeto do SINASE de 2006, conforme Resolução do CONANDA 119/2006, que devem viabilizar uma proposta própria para esta modalidade de atendimento

socioeducativo e se diferenciar da execução da medida de internação. Tais aspectos previstos se interligam aos objetivos socioeducativos relacionados à socialização e valorização da pedagogia da presença.