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Capítulo 3 – Fontes: características, crítica e métodos

3.2. Registos de óbito

3.2.2. Estrutura e características das fontes

Os assentos de óbitos exigiam a presença de alguns elementos fundamentais como o nome, a localidade ou a data da morte do defunto, mas por vezes apresentava-se muito mais informação, dependendo do pároco que fazia o registo. As variações, conforme a paróquia, poderiam merecer ser apresentadas individualmente, mas como esse não é o propósito deste projeto, importa agora deixar apenas algumas indicações que demonstrem estas mesmas variações e que tiveram implicações ao nível das informações que se puderam encontrar.

A 29 de Janeiro de 1822, o abade José Luís Pais da Cunha, da freguesia de Arões, registou no livro de óbitos corrente, por indicação do bispo de Viseu, a estrutura que deveria ter um assento de óbito: “Formula p.a os Assentos de Obitoz [Parágrafo] Aos tantos de tal mes, e anno falleçeo com todos os sacramentos (ou sem elles ou sem algum por tal motivo) N. de tal parte, cazado com N. ou Viuvo de N. de tal parte. Fes ou não

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ADAVR - Paróquia de Arões, registos de óbito, liv.29, fl. 32.

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No entanto, alguns dos defuntos cujo estado civil, idade e estado sacramental não são indicados podem também ser menores.

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fes ttestamento, e está sepultado nesta Igr.a, ou em tal parte. Devese declarar na margem quem hé obrigado ao seu Bem d'Alma, e se fez testamento. Nos Assentos dos Menores bastará declarar o dia, mes, e anno do fallecimento a sua idade pouco mais, ou menos. Os Paes, e o lugar da sepultura”.109

No entanto, se o pároco que transcreveu este modelo passou a seguir o mesmo, o pároco que lhe sucedeu já não se preocupou em respeitar esta estrutura, não indicando alguns destes aspetos ou trocando a ordem pela qual deviam aparecer. A falta de uniformidade acabou por se tornar uma constante ao longo de todo o período analisado, como aliás já o era antes desta data. Na margem, do lado esquerdo, era, geralmente, anotado ao lado de cada assento o local de onde era natural o defunto e o nome do mesmo. Outras informações como os ofícios feitos, o nome de quem estava obrigado aos bens de alma do falecido ou a existência e inexistência de testamento eram também indicadas em margem muitas vezes. Mas, também aqui não existe uniformidade.

Por outro lado, na paróquia de Cepelos, a realidade encontrada é totalmente contrastante, sendo que o rigor demonstrado na redação dos assentos parece dever-se ao zelo do próprio pároco, que deveria ser pessoa disciplinada a avaliar pela clareza e grau de organização dos assentos em cada fólio. Já na paróquia de Codal a desorganização dos assentos chegou a tal ponto que, a 16 de Julho de 1816, o visitador deixou registada uma repreensão ao pároco.110 A falta de atenção e de rigor encontrada nos registos de óbito é claramente visível na existência, em alguns casos, de até 14 assentos num mesmo fólio, quando noutros apenas constam três, sendo a média aproximadamente de cerca de sete registos por página. Mas, sobretudo nos casos em que existem mais assentos por fólio, a omissão de informações dispara claramente.

A análise sistemática dos registos nas diferentes paróquias não só evidencia as variações na estrutura do registo de óbito, como a falta de preocupação por parte de muitos dos párocos em anotarem as mesmas informações para cada defunto falecido. Do ponto de vista do historiador, que usa estes assentos como fonte de informação, esta variabilidade e desprezo pelo assentamento de todos os elementos constantes da estrutura normativa especificada levanta problemas. A análise da completude dos

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ADAVR - Paróquia de Arões, registos de óbito, liv.29, fl. 33v.

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assentos, no que diz respeito aos elementos de maior utilidade para a prossecução desta investigação, revela o quadro seguinte: em Roge, o número exato de ofícios feitos, ou até mesmo a simples indicação de terem sido feitos, e o número de padres a estes ligados é uma informação que está presente em cerca de três quartos dos registos. No entanto, embora só em 32,1% dos casos tenha sido indicada a mortalha do defunto, em 60,7% dos assentos consta o número de padres que fizeram o acompanhamento. Em mais nenhuma das restantes paróquias os párocos foram tão exaustivos na apresentação destes aspetos.

Sobre a idade há livros em que são raras as menções. Noutros, como no caso de Codal, que não se distingue por um grande rigor nos assentos, o pároco anotou a idade em cerca de 60% dos casos. O registo da idade era obrigatório no assento de menores, mas mesmo nesses casos nem sempre foi respeitada a norma. Já no que toca ao estado civil, muitas das informações apenas se podem obter indiretamente, quando o pároco indica a existência de uma relação conjugal, por exemplo.

Em 21,7% dos assentos da paróquia de Arões não foi indicado se os falecidos receberam ou não os sacramentos necessários antes da sua morte. E, se em alguns casos foi justificado o facto de o defunto ter morrido sem sacramentos, noutros, nenhuma justificação foi apresentada. Em Codal, a omissão desta informação é notória. Só em 9,5% dos casos é que ela consta. Pelo contrário, em Roge, esta informação aparece de modo massivo em 97% dos casos.

A indicação daqueles que ficavam obrigados aos bens de alma do defunto parece ser uma particularidade das paróquias de Arões, Junqueira e Roge pois em mais nenhuma outra paróquia surgiu essa referência. Já comum a todas as paróquias, foi a indicação da condição social no caso dos pobres, mas ainda assim não sabemos se algum caso terá sido esquecido.

Será que estas faltas de informação se devem ao facto de os párocos não anotarem de imediato todas as informações necessárias e já não se lembrarem das mesmas quando fizeram os registos? E será que tal se deve a uma falta de zelo e cuidado por parte dos mesmos? Talvez a resposta a ambas as questões seja positiva. De facto, os párocos não registavam de imediato os óbitos nos livros existentes para tal, até porque, existem

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alguns assentos fora da ordem cronológica, o que os mesmos justificaram precisamente como esquecimento. Os párocos faziam primeiro as suas notas num papel ou livro que não o oficial e só depois registavam o assento no livro próprio. A confirmação foi-nos dada pelo encomendado Joaquim Cardoso Pessoa de Morais da paróquia de Arões em 1822. Após a morte do abade José Luís Pais da Cunha o mesmo deixou a seguinte nota: “Os Assentos que aqui se seguem athe os quinze dias do mês de Setembro de mil oitocentos e vinte e dous incluzive, vem os que o Rd.o Abade Joze Luis Paes da Cunha impossibilitado pella molestia e ultimamente pella morte nam pode Lavrar, mas de que deixou por sua Letra os necessarios apontamentos e clarezas conforme os quais eu os abri e Lavrei”.111

Nos casos em que entre as anotações e o registo definitivo passasse bastante tempo é provável que fosse difícil ao pároco lembrar-se de pormenores. Portanto, tudo leva a crer que, nos casos em que faltam informações como a receção dos sacramentos, estado civil ou o local de sepultura, tal se deve a descuidos por parte dos párocos no momento em que escreveram o seu “rascunho”, não anotando informações de que mais tarde já não se recordariam. Todavia não se pode excluir a hipótese de que este descuido tenha ocorrido durante a cópia do registo, “saltando” algumas partes por engano. Não parece provável que o pároco desconhecesse o estado civil dos defuntos ou se lhes foram administrados os sacramentos ou onde foi feita a sepultura. Será que esta falta de conhecimentos e de rigor por parte do clero rural se deve à falta de uma formação adequada? Mesmo que assim fosse, muitas vezes depois das críticas feitas pelos visitadores e destes alertarem para os erros cometidos e apresentarem a forma correta, os párocos continuavam a cometer os mesmos erros.

A falta de uniformidade é ainda visível na desordem pela qual os vários elementos são apresentados. Por vezes os assentos iniciam-se com a data do óbito, noutros casos com o nome do falecido e noutros ainda com a indicação da receção, ou não, dos sacramentos por parte do defunto.

Assim, chegados ao final desta análise, surge uma questão relativa a todas as paróquias e para a qual muito dificilmente se poderá dar resposta, mas que é pertinente:

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com tantas ausências de informação, assentos duplicados e riscados, assim como outros fora da ordem cronológica, será que não poderão alguns óbitos ter ficado por registar? Com o desmazelo evidente por parte dos párocos qual é a garantia de que nenhum papel de notas se perdeu? Ou que, na ausência do pároco, o seu substituto não se tenha preocupado com o registo? Não parecem existir buracos cronológicos evidentes nos registos, mas a questão não pode deixar de se colocar.

Geraldo Coelho Dias diz-nos que “do séc. XVII ao séc. XIX parece ter havido bastante clero nas paróquias onde, além dos párocos, colados quase sempre ou encomendados, havia curas ou coadjutores, capelães e ainda sacerdotes, porventura, assistentes ou residentes na paróquia”.112 Na verdade, através da identificação daqueles que redigiam os registos de óbito, foi possível encontrar nas paróquias em estudo dez párocos “colados” ou efetivos, assim como oito párocos provisórios ou “encomendados”113

, auxiliados por dez curas e um coadjutor.

A dimensão de algumas paróquias e a topografia acidentada, a existência de um grande número de fiéis, ausências ou faltas de saúde do pároco efetivo poderão ter contribuído para a existência dos vários curas e abades ou priores encomendados sendo que os párocos dividiam, em alguns casos, a tarefa de redigir os assentos com estes clérigos, inclusive os curas, que contratavam para os ajudar nas suas funções e que não tinham autonomia nem autoridade própria.114 Precisamente por não terem a dignidade nem os proventos dos párocos, somos levados de imediato a pensar que poderia existir uma maior falta de zelo ou de interesse da sua parte na escrita dos assentos de óbito. Todavia, as diferenças entre os assentos feitos por uns e outros não são muito evidentes. No caso das paróquias de Arões e Roge, por exemplo, em que existem várias trocas de redator ao longo do período analisado, não se nota essa mudança entre os vários registos, quer se tratasse de um cura ou de um pároco efetivo ou encomendado. Já no livro de óbitos de Codal, como a cima se discutiu, a desorganização era imensa e devia-

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DIAS, Geraldo J. A. Coelho – Vila das Aves - História da Paróquia e sua Toponímia, p. 33 e 35.

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Sobretudo após a morte do pároco é comum aparecerem registos de óbito assinados por um encomendado, até à chegada de outro pároco efetivo.

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Estes auxiliares faziam o serviço religioso mas não recebiam as rendas paroquiais. Um pároco possuía o direito de cura das almas (não por delegação), mas desde que os seus rendimentos o permitissem, o mesmo poderia “contratar” um ajudante, neste caso um cura ou coadjutor, que, mediante o pagamento de um salário, podia exercer em seu nome as suas funções e deveres na paróquia: Osswald, Maria Helena – Nascer, viver e morrer…p. 39-40.

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se sobretudo aos priores efetivos que por lá passaram, que se mostraram muito menos cuidadosos do que os priores encomendados.

3.2.3. Métodos de seleção e análise de dados

Tal como se procedeu relativamente às fontes de origem notarial, a base de dados construída para organizar as informações dos registos de óbito necessárias à realização deste estudo, respeitou as diversas componentes daqueles assentos:

Tabela 10 - Campos da base de dados construída para recolha e organização da informação contida nos Livros de Registos de Óbito do Concelho de Vale de Cambra entre 1800 e 1850

Categoria Campos da Base de Dados

Identificação da freguesia - Freguesia. Localização dos assentos de óbito

- Livro/Cota;

- Datas limite dos livros; - Fólio.

Data do óbito

- Dia; - Mês; - Ano.

Condição sacramental dos falecidos - Com ou sem sacramentos.

Identificação dos defuntos

- Nome;

- Sexo (Feminino/Masculino); - Estado civil;

- Lugar de onde era natural; - Idade;

- Condição Social. Existência de escritura e/ou vontades deixadas

pelos defuntos

- Fez testamento ou outra escritura; - Missas e Legados.

Funeral, sepultura e ofícios

- Local de sepultura; - Mortalha;

- Acompanhamento; - Ofícios

Identificação do autor do registo - Autor do registo.

Outros dados com relevo - Notas.

Cruzamento de dados com outras fontes

- Localização dos defuntos com escrituras nos

Livros de Registos de Testamentos do Concelho de Cambra.

Em muitos casos não foi possível preencher os campos criados por falta de informação, e noutros, a estrutura dos registos de óbito implicou que fosse necessário

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reconstruir alguns elementos como atrás se disse, de modo a preencher o número máximo de campos criados.