• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 – Fontes: características, crítica e métodos

3.3. Outras fontes

3.3.1. Livros de receitas e despesas de confrarias

As fontes produzidas por confrarias são de consulta indispensável atendendo ao tema que aqui se pretende desenvolver. Além de promoverem festas, como a comemoração de santos padroeiros, as confrarias “efectuavam ainda o acompanhamento fúnebre dos seus membros, mandavam celebrar várias missas pelos confrades falecidos e comemoravam a quadra dos Santos, com os sufrágios pelos irmãos e benfeitores, transformando o dia dos Fiéis-Defuntos numa festa religiosa de solidariedade entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”.115

De facto, como afirma Laurinda Abreu, quase sempre a segurança no Além era o principal motivo que levava um indivíduo a dirigir-se a uma confraria, na “tentativa de obtenção do maior número possível de intercessores – terrenos ou celestes – aquando da sua morte.”116

A melhor maneira de compreendermos a forma como as confrarias se organizavam ou as funções exatas que desempenhavam seria através de livros de estatutos, mas não foi possível localizar qualquer um. Apenas se encontraram 23 livros relativos às receitas e despesas para o concelho de Vale de Cambra na primeira metade do século XIX (ver Anexo 5).117

115 ARAÚJO, Maria Marta Lobo de - As Misericórdias e a salvação da alma: as opções dos ricos e os serviços dos

pobres em busca do Paraíso (séculos XVI - XVIII), p. 389.

116

ABREU, Laurinda Faria dos Santos – Confrarias e Irmandades de Setúbal: Redes de Sociabilidade e Poder, p. 4.

117

Segundo Pedro Penteado, muitas irmandades e confrarias nunca chegaram a ter estatutos, o que poderá ser também uma realidade neste concelho. Um aumento progressivo da sujeição das confrarias às autoridades civis no século XIX levou a que a fiscalização destas associações tenha passado, em 1832, para as mãos dos administradores dos concelhos e, em 1842, para as dos governadores civis e que, em 1852, uma portaria estabelecesse que novas confrarias e irmandades eram obrigadas a pedir ao governo uma licença para se constituírem e a requerer a aprovação dos seus estatutos, que deveriam estar adequados às leis gerais. As confrarias já existentes passariam a ser consideradas ilegais se não tivessem compromisso aprovado pelo governo ou pelo prelado diocesano, podendo tal facto levar à sua extinção: PENTEADO, Pedro – Confrarias, p. 461, 466. De facto, os livros de receitas e despesas existentes no Arquivo Municipal, cuja data final é o ano de 1866, terminam com uma nota por parte da administração do concelho de Cambra a informar que as confrarias não possuíam estatutos, sendo por isso ilegais, ficando em risco de serem suprimidas, uma vez que os confrades não se sujeitavam a fazer estatutos ou a solicitar aprovação régia por falta de rendimentos para isso. Tal justifica, pelo menos para alguns casos, a inexistência de livros de estatutos.

71

Estes 23 livros, que se podem encontrar no Arquivo Municipal de Vale de Cambra, possuem todos a mesma estrutura: os mordomos do ano findo apresentam as suas contas (receitas e despesas) aos mordomos do novo ano, inscritos no livro. Tanto as receitas como as despesas podiam variar de ano para ano, assim como de freguesia para freguesia e de confraria para confraria. Pelos registos encontrados, algumas confrarias dedicavam-se quase em exclusivo, se não mesmo em exclusivo, à festa do santo que invocavam. Tal era o caso das Confrarias de São Paio, Santo António e São Barnabé da freguesia de Arões ou da Capela de Santo António de Vila Chã, cujas despesas se prendiam sobretudo com os enfeites da capela e andor, música e foguetes para o dia da festa. Já as receitas, quase sempre, eram provenientes de esmolas recebidas nesse mesmo dia da festa.

De facto, as referências a gastos ou receitas com defuntos nem sempre são evidentes e um olhar mais distraído pode deixá-las escapar, mas uma leitura mais atenta destas fontes permite-nos perceber que mesmo indiretamente são muitas as informações que nos podem fornecer. Não existem referências diretas a acompanhamento de defuntos, por exemplo, mas é possível encontrar avultadas quantias de reis gastos em cera. Raras vezes se mencionam explicitamente os gastos de cera com defuntos, mas uma grande porção deveria ser gasta no seu acompanhamento e funeral, ainda que parte se destinasse a gastos da festa e semana santa como aparece registado. Já nas receitas surgem várias referências a esmolas de covagens ou sepulturas, que deveriam caber, portanto, às confrarias, uma vez que recebiam o dinheiro de tal feito. Por outro lado, alguns inventários de bens, feitos sobretudo nas décadas de 1850 e 1860, não indicam qualquer peça ou alfaia relacionada com funerais, excluindo os guiões e lanternas.

O principal obstáculo ao trabalhar com estas fontes foi, sem dúvida, o estado de degradação em que alguns livros se encontram, com fólios dobrados e rasgados ou com tinta desvanecida fruto de anterior passagem de água pelos mesmos. Muitas das capas eram em couro, que devido ao facto de estar ressequido, dificultou em alguns casos o manuseamento dos livros. A nível de escrita e organização do texto nos fólios esta talvez seja a fonte que se apresentou mais desorganizada, por várias vezes se encontraram fólios em branco por lapso dos redatores.

72

Atendendo à estrutura deste tipo de fonte a base de dados construída para organizar a informação recolhida procurou por um lado, agrupar as despesas, e por outro, as receitas, atendendo a cada confraria individualmente:

Tabela 11 - Campos da base de dados construída para recolha e organização da informação contida nos Livros de Receitas e Despesas de Confrarias, Capelas e Fábricas das Igrejas do concelho de Vale

de Cambra entre 1800 e 1850

Categoria Campos da Base de Dados

Identificação do livro, freguesia, confraria e cronologia

- Livro; - Freguesia;

- Confraria/Capela/Fábrica da Igreja; - Datas extremas do livro.

Receitas - Tipo de receita; - Valor em Reis; - Ano da receita; - Localização no livro. Despesas - Tipo de despesa; - Valor em Reis; - Ano da despesa; - Localização no livro.

Outros dados com relevo - Notas.

3.3.2. Constituições Sinodais

Nas palavras de José Pedro Paiva “as constituições diocesanas, igualmente designadas por estatutos ou ordenações, eram um instrumento jurídico-pastoral formado pelas leis, decretos ou disposições que serviam para regulamentar a vida de uma diocese”.118

Portanto, atendendo a estes aspetos esta é uma fonte cuja consulta é indispensável para este trabalho, pois a morte, funeral e sepultura dos defuntos era parte da vida da diocese que as constituições se preocupavam em regulamentar.

Como as nove paróquias aqui em análise se dividem pelas dioceses de Aveiro (Cepelos, Codal, Macieira de Cambra, Roge, São Pedro de Castelões, Vila Chã e Vila Cova de Perrinho) e Viseu (Arões e Junqueira) foi necessário consultar as constituições sinodais de ambas. Mas, a diocese de Aveiro apenas teve constituições diocesanas próprias em 1944.119 Na primeira metade do século XIX as constituições em uso eram as da diocese de Coimbra, adotadas pelo bispo D. António Freire Gameiro de Sousa

118

PAIVA, José Pedro – Constituições Diocesanas, p. 9.

119

73

aquando da fundação da diocese de Aveiro em 1774.120 Portanto, as constituições consultadas foram as de Coimbra, impressas em 1591, com uma segunda edição em 1731 e as de Viseu, impressas em 1617.

120

74