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Capítulo 3 – Fontes: características, crítica e métodos

3.1. Fontes notariais

3.1.5. Características do corpus documental

3.1.5.2. Sexo e estado civil dos outorgantes

Considerando o número total de 381 outorgantes é curioso perceber que cerca de metade são homens e outra metade são mulheres. Mas perceber se eram os casados, solteiros ou viúvos quem mais fazia escrituras é também interessante, assim como se o faziam maioritariamente sozinhos ou associados a alguém.

Tabela 6 – Divisão por sexo e estado civil dos outorgantes das escrituras individuais ou conjuntas dos Livros de Registo de Testamentos do Concelho de Cambra (até 1850)

Sexo dos outorgantes

Estado civil dos outorgantes por sexo Número de outorgantes de escritura individual por sexo e estado civil

Número de outorgantes de

escritura conjunta por sexo

e estado civil

Número total de outorgantes por sexo e estado civil

Feminino Casada 13 78 91 Solteira 42 15 57 Viúva 44 0 44 Sem Informação 0 1 1 Total sexo feminino - 99 94 193 Masculino Casado 21 78 99 Clérigo 6 0 6

52 Solteiro 36 3 39 Viúvo 36 3 39 Sem Informação 4 1 5 Total sexo masculino - 103 85 188 Total - 202 179 381

Fonte: AMVLC - Livro 1º de Registos de Testamentos do Concelho de Cambra; AMVLC - Livro 2º de Registos de

Testamentos do Concelho de Cambra; AMVLC - Livro 3º de Registos de Testamentos do Concelho de Cambra;

AMVLC - Livro 4º de Registos de Testamentos do Concelho de Cambra

Como se pode interpretar da tabela anterior, ainda que por uma pequena margem de quatro pessoas apenas, o número de mulheres que fez escritura é superior ao dos homens. No entanto, ainda que todos tenham recorrido maioritariamente a título individual aos serviços do tabelionado, foram os homens quem mais o fez. Mas, em relação às escrituras conjuntas as mulheres voltam a estar à frente, pois foram elas quem mais se associou a alguém, sobretudo ao marido (ver Anexo 3). Mas, estes valores não são totalmente representativos, pois, apesar de ser desconhecido o estado civil de seis homens e duas mulheres, os dados recolhidos indicam ser superior o número de mulheres solteiras e viúvas que fizeram escritura individualmente, em comparação com os indivíduos do sexo masculino na mesma condição. Já as mulheres casadas associaram-se sempre ao marido quando fizeram uma escritura conjunta e vice-versa, ainda que nalguns casos se tenham associado a outro casal por exemplo (ver Anexo 3). Os clérigos, por sua vez, não se associaram a ninguém para fazer escritura.

De uma forma geral, podemos afirmar que a maior parte dos outorgantes era casada, seguindo-se os solteiros e depois os viúvos. Considerando somente os 188 testamentos (46 conjuntos) e excluindo dois casos em que não se conseguiu identificar o estado civil dos outorgantes, o número de testadores casados é de 120, numa diferença de 64 homens para 56 mulheres. Mas, mesmo não considerando as restantes escrituras, o número de homens casados continuava a ser superior ao das mulheres. No entanto, em algumas freguesias de Gondomar por exemplo, entre 1834 e 1893, o número de testadores casados era também mais de metade, sendo a maioria do sexo feminino, tal como as viúvas e as solteiras eram em maior número do que os homens na mesma situação.78 Nos testamentos aqui em análise, o número de homens viúvos e solteiros era

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também superior ao número de mulheres na mesma condição, pois foi possível contabilizar 27 testamentos de homens viúvos e 29 de homens solteiros (mais cinco de clérigos), contra 24 testamentos de mulheres viúvas e 27 de mulheres solteiras.

Portanto, se considerarmos separadamente os testamentos, verifica-se que 61 documentos eram femininos e 81 masculinos. Conjuntamente, homens e mulheres fizeram 46 escrituras. Ou seja, no total, a diferença encontrada é de 107 mulheres (45,7%) para 127 homens (54,3%). Ainda que este conjunto de documentos com que estamos a trabalhar possa não representar o total de testamentos feitos pelos habitantes do concelho, o facto de serem menos mulheres a fazer testamento, mas em número não tão distante dos homens, parece não ser uma situação anormal se considerarmos outras realidades.

Esta tendência para a aproximação do número de homens e mulheres a fazer testamento (e até destas últimas para ultrapassar o número de homens) é visível no estrangeiro.79 Em Portugal, no Porto do período Barroco Maria Manuela Rodrigues encontrou também percentagens de feminilidade próximas do número de testamentos masculinos.80 Para algumas freguesias de Gondomar, entre 1834 e 1893, Maria de Fátima Gomes deparou-se com uma taxa de feminilidade de 48,3%, parecendo-lhe ter existido uma evolução no sentido da afirmação da mulher.81 Na paróquia rural de Venade (concelho de Caminha), Margarida Durães pode perceber que nos séculos XVIII e XIX as mulheres conseguiram também uma igualdade e por vezes uma inversão de posições.82

Este corpus documental parece não se distanciar daqueles encontrados para outros locais, no que respeita à iniciativa. Aliás, se considerarmos a totalidade das escrituras aqui em estudo percebemos também que o número total de mulheres a recorrer ao

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Ainda que em relação século anterior ao que se está aqui a estudar, Michel Vovelle apercebeu-se de que, para a região da Provença, no início do século XVIII, os testamentos masculinos representavam cerca de 80% do conjunto que analisou, mas que, até ao final do século esta percentagem diminuiu, passando para cerca de 70% na véspera da Revolução Francesa. Mas, se aqui continuavam a ser os homens quem mais testava, em Paris, entre 1540-1800, P. Chaunu encontrou uma taxa de feminilidade de 55%. Em Espanha, no século XVIII, se em Málaga 55,5% dos testadores eram do sexo masculino e em Sevilha, 51,09% dos testamentos pertenciam a mulheres. Cf. VOVELLE, Michel – Piété baroque et déchristianisation…p. 49-50; CHAUNU, Pierre – La mort à Paris…p. 234; REDER GADOW, Marion – Morir en Málaga: Testamentos Malagueños del siglo XVIII, p. 143; RIVAS ALVAREZ, José Antonio – Miedo y Piedad: testamentos Sevillanos del siglo XVIII, p. 33.

80

RODRIGUES, Maria Manuela B. Martins – Morrer no Porto…p. 31.

81

GOMES, Maria de Fátima – Temendo a Morte…p. 28.

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tabelionado conseguiu superar o número de homens. Talvez este aspeto se possa dever ao facto de alguns homens poderem ser alfabetizados (existiam alguns como veremos mais à frente) e deixar as suas próprias notas sem ter que recorrer ao tabelionado, ou ao faco de as mulheres sobreviverem aos maridos e ficar nas suas mãos garantir o destino dos bens.