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3.1 A Trajetória Metodológica Traçada na Produção das Categorias de Análise e

3.1.1 A Estrutura Disciplinar

“Os alunos dizem: Eu quero o Colégio B porque ele prepara melhor para o vestibular” (SAN_CO_B015). “E nosso aluno não vem com a cultura de casa de querer uma faculdade” (JZM_CO_G003). Estrutura Disciplinar é a maneira pela qual as escolas organizam conhecimentos e sa- beres que, articulados a objetivos, finalidades, metodologias e ações, constituem uma lógica que funciona como uma espécie de grade curricular que existe e persiste, dificultando iniciati- vas de produção de currículo por parte de professores autores de seus programas de ensino. “As instituições escolares continuam organizando os tempos e os espaços pedagógicos com base na visão disciplinar na mesma racionalidade, como também os horários dos professores e alunos, as contratações, as matrículas, as avaliações” (MALDANER, 2007b, p. 241). Trata-se de uma racionalidade técnica que concebe o ensino de uma ciência da mesma forma como a mesma está estruturada e que, onipresente na cultura escolar, termina por aprisionar os profes- sores, inibindo outras possibilidades.

A categoria da “Estrutura Disciplinar” em cada componente do conhecimento científi- co-escolar é muito forte e dificulta a entrada de propostas interdisciplinares e contextualiza- das, conforme propõem os documentos oficiais e indicam pesquisas educacionais mais recen- tes. Os programas de ensino e as práticas deles decorrentes, são, geralmente, os mesmos nos mais diferentes contextos socioculturais e reproduzem a mesma sequência didática de conteú- dos, não importando o número de horas disponíveis e nem as necessidades dos estudantes. Essa categoria mostra a contradição que existe entre as definições de formação geral necessá- rias no âmbito dos documentos/normativas pós-LDBEN/96 e a tradição propedêutica que ope- ra na esfera das práticas de ensino dos professores cujas marcas são evidenciadas em ambos os processos. O que apresento a seguir são evidências dessas marcas segundo a lógica da “Es- trutura Disciplinar”, categoria que sustento a partir das proposições que seguem:

Proposição 1 – As características do Ensino Médio brasileiro são diversificadas e divergen- tes no que diz respeito às necessidades dos estudantes.

A meta de ingresso no Ensino Superior tem sido uma das marcas do Ensino Médio (EM) propedêutico no Brasil. Em contraposição, a concepção que inscreve o Ensino Médio no âmbito da Educação Básica vem com a LDBEN/96 visando a atender duas tarefas urgentes: a universalização de acesso e a articulação entre formação científica e histórico-social e forma- ção tecnológica. No que se refere à articulação entre formação geral e tecnológica, evidencia- se uma ruptura histórica entre a escola que ensinava a pensar por intermédio do domínio me- todológico do conhecimento socialmente produzido e acumulado e a escola voltada ao saber- fazer por meio da memorização de procedimentos de habilidades psicofísicas (KUENZER, 2002). Essa dualidade existe e é, segundo a autora, parte do desenvolvimento histórico do Brasil que, primeiro, priorizou as escolas profissionais.

Por se inserir na história recente, o Ensino Médio, generalista com formação integral e para todos, ainda opõe-se ao que prevalece como prática nas escolas. Segundo Kuenzer (2002), “a formação profissional como responsabilidade do Estado inicia-se no Brasil em 1909, com a criação de 19 escolas de arte e ofícios nas diferentes unidades da federação, pre- cursoras das escolas técnicas federais e estaduais” (p. 27). Com a oferta do ginasial normal, técnico comercial e técnico agrícola, a finalidade era tirar da rua órfãos e pobres educando-os para o trabalho. Para as elites, a trajetória era o ensino primário, passando pelo exame de ad- missão, seguido do secundário propedêutico ou preparatório para o grau superior.

Kuenzer (2002) faz uma rápida retrospectiva pela história das normativas, principal- mente situando a intenção de cada Lei de Diretrizes e Bases que antecedeu a Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996, no que diz respeito à finalidade do Ensino Médio até a atual concepção de Educação Geral Básica. Segundo a autora, em 1942 a reforma Capanema cria os cursos médios de 1º e 2º ciclo que perduraram até a 1ª LDB nº 4024/61, que “estabelece a equivalên- cia entre cursos profissionalizantes e os propedêuticos, para fins de prosseguimento nos estu- dos” (p. 29). Em 1971 a Lei 5692/71 estabeleceu que todos os estudantes tivessem a mesma trajetória, substituída pela Lei 7044/82. Em 1982 a LDB “normatizou um novo arranjo con- servador que já vinha ocorrendo na prática das escolas reafirmando a organicidade da concep- ção de Ensino Médio aos projetos já incluídos nos benefícios da educação e do consumo de bens culturais e materiais: entrar na universidade” (p. 30).

Nesse contexto, mesmo tendo se passado quase duas décadas da LDBEN/96, a tentati- va de superar o caráter dual do EM no Brasil pela meta da formação integral, ainda tem sido um desafio. Este desafio põe em evidência conflitos entre o novo perfil de estudante de Ensi- no Médio e o perfil de ensino praticado pelos professores que persiste e, de alguma forma, se contrapõe à atual meta da formação. Com a universalização do acesso tem-se um novo perfil de estudante de Ensino Médio, cuja pluralidade e diversidade não coincidem com o que o professor ainda espera encontrar em suas salas de aula. O perfil de aluno acadêmico, que al- mejava carreira universitária, interessado e em perfeita sintonia com a meta do professor de Ensino Médio e da escola que melhor prepara para este fim, tem sido motivo de muitos deba- tes e embates entre os próprios professores das escolas. O que ocorre no âmbito das propostas e práticas das escolas é a persistência do caráter propedêutico, o que evidencia, no mínimo, duas grandes contradições quanto às finalidades dessa etapa da Educação Básica.

A primeira contradição tem sido a produção de documentos que atendem as exigências da educação integral e generalista, com a elaboração dos planos de estudos e o Projeto Polít i- co Pedagógico sem qualquer referência à intenção de preparar todos os estudantes para o en- sino superior, algo muito diferente do que acontece nos programas e nas práticas de ensino dos professores. Na meta dos professores reafirma-se um aspecto ainda mais restrito da marca propedêutica, que é o de preparar os estudantes para as provas de ingresso no ensino superior pela realização do tradicional vestibular ou, mais recentemente, do novo Enem, contrariando a caminhada de produção de documentos segundo a nova concepção de educação básica; cami- nhada essa que também aconteceu pela produção dos planos de estudos na Escola.

A organização curricular é baseada no Peies,17 então tu tem um roteiro de assuntos para trabalhar. Agora, dentro de cada curso, daí sim você tem um estudo dos PCN18 desde alguns anos atrás, [...] e foi feito o plano de estudo baseado nisso, por mais que você tenha uma exigência de currículo via Peies! E daí nós fizemos a relação: tu tem que trabalhar aquilo, mas como buscar lá ou trabalhar para ter esses pressupos- tos dentro do próprio conteúdo, que, às vezes, ele te engessa; engessa e nós temos uma cobrança bem séria de pais e da comunidade em geral. É porque nós temos o Peies para trabalhar (MAR_B_B001).

A intenção de preparar para o vestibular é meta comum na escola pública e na particu- lar. Para tal, os professores orientam-se por uma extensa listagem de conteúdos disciplinares que precisa ser vencida dentro do que é, também, as exigências e expectativas do Peies. Este, por sua vez, passa a ser o programa de ensino dos professores, ano após ano, embora os reco-

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Nome dado ao Programa de Ingresso no Ensino Superior da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM/RS.

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nheçam como engessamento e distanciamento ao que está nos planos de estudo e nos PCN, como pressupostos curriculares. O trecho que segue da fala da professora, mostra que ela tem consciência dessa prática e até queria mudar, mas, por uma série de razões, tem sido difícil.

Quando eu comecei em 2011, eu peguei o barco andando. [...]. Pra começar o conte- údo não era muito de acordo com a série, não que tenha que ser, lá no colégio J na EJA eu até queria mudar. Porque no primeiro ano eu tenho que trabalhar movimen- to, leis de Newton,... e o segundo ano nem estavam no conteúdo [...]. Os alunos es- tavam acostumados no quê? Prova com consulta. E eu não poderia chegar propondo só aquilo que eu pensava. O professor estava lá no quadro, passava os exercícios, e- les copiavam e tinham que fazer igual. Os alunos perguntavam pra mim o que era o G, que era a aceleração da gravidade; isso eles já tinham trabalhado! (JUL_F_IJ002).

Essa é a lógica da Estrutura Disciplinar, entendida por alguém que a domina, o pro- fessor, e que é repassada aos pedaços (por série) aos estudantes que devem aprendê-la no esti- lo “siga o modelo”. Tal prática de ensino não tem resultado em aprendizagens efetivas, a e- xemplo do que constatou a professora acerca do conceito de aceleração da gravidade. Em de- corrência disso, compromete-se o processo de avaliação como diagnóstico para futuras inter- venções e não apenas instrumento de facilitação e/ou atribuição de notas. Nessa estrutura dis- ciplinar da Física ensina-se primeiramente os movimentos seguidos das Leis de Newton no primeiro ano do Ensino Médio, e isso é o que propõem os livros didáticos; é a mesma sequên- cia de conteúdos na PS (prova seriada) do Peies.

Os próprios professores reconhecem que são “pedaços” ou “fragmentos” de conteúdo de uma Estrutura Disciplinar, muito distante do que se propõe nos documentos oficiais para a Educação Básica e do que se espera do professor e sua autonomia. A professora argumenta:

Como é que eu vou organizar isso? Eu não me preocupei em vencer conteúdo, em- bora eu pensasse que se saiu desta escola e não viu, não vai ver, porque a maioria das escolas trabalha com uma mesma sequência, porque eu acompanho, né! (JUL_F_IJ003).

Essa prática de ensino linear é justificada pelo argumento de uma “possível transfe-

rência” de alunos entre escolas e também pela ideia do pré-requisito de A-B. Não tenho essa construção, mas sim da ligação entre os conceitos, [...] mas eu não sei se isso na cabeça do aluno se concretiza (SIL_B_E015). Por essas e outras dúvidas o professor também não se

desafia a assumir uma nova lógica de estruturação disciplinar, que, de fato, exige condições, conhecimentos e saberes.

Preparar para o vestibular, seguindo uma sequência de conteúdos, é o princípio peda- gógico que unifica as escolas – pública e particular e estas entre si –, e, segundo as falas dos professores, evidencia-se, no mínimo, outra contradição: A escola particular diferencia-se quando assume essa filosofia e mostra seus resultados, que é o de pôr um maior número de alunos em universidades públicas mesmo agora com o Enem. Na escola pública, com condi- ções menos favoráveis, como as econômicas, de grupo familiar, escolar, expectativa social, entre outras, poucos alunos se sobressaem e, mesmo sem registrar avanços a escola não re- pensa sua proposta.

Quando a escola pública assume a programa do Peies como programa de ensino, o que é um equívoco, e não acompanha o desempenho dos estudantes, fica difícil propor novas me- tas e ações.

Quantos (estudantes) entram pelo PEIES? Eu não sei te dizer. Essa pergunta que tu me fez eu realmente não posso te responder. [...] na escola do Estado o pessoal não se liga muito de fazer isso, entender, de ver quantos entraram, mas a escola particu- lar precisa fazer propaganda de sua escola, e a escola pública não tem necessidade, não tem registro disso e não tem necessidade, porque tem aluno sempre, né (SAD_B_CJL004).

Diante do maior ou menor alcance de resultados por parte dos estudantes em vestibu- lares tradicionais ou no Enem, a fala da professora LEO_Q_F018 remete à problematização acerca do novo Enem e o que ele suscita com relação ao que é dito na mídia acerca do “ran- king” entre as escolas públicas e privadas. Segundo a professora, ao se referir à escola particu- lar, eles, além de estarem cobrando conteúdo, estão cobrando mais do aluno. Por que a mé-

dia das escolas particulares é melhor? Porque eles abraçaram a defesa do Enem!

Em sua Tese de Doutorado, o professor Ricardo Travitzki (2013) discute esse ranking das escolas particulares no Enem. Pautado em dados estatísticos, conclui que, por mais que a escola, de fato, exija mais, trabalhe mais e assuma essa meta de modo deliberado, os resulta- dos apresentados pelos estudantes estão pouco vinculados ao mérito da escola. Seu estudo mostrou que o nível socioeconômico dos alunos influencia em até 75% da nota das escolas no Enem. Critérios como a escolaridade dos pais, renda familiar e bens domiciliares, somados a outros 4%, representam 79% daquilo que a escola não consegue controlar.

Estudos como o de Travitzki (2013) são fundamentais para confrontarmos com as questões levantadas também pela professora IAR_B_IJ020, quando se questiona:

Nós temos alunos aprovados aqui no colégio I no Enem. Nossos alunos do ensino médio passam no Enem, mas os alunos do colégio J passam mais. O professor é o mesmo lá e aqui, mas, assim, será que daqui a pouco não tem alguma coisa que eu esteja fazendo de diferente, ou são meus colegas, ou é o contexto ali da escola, não sei. O aluno, as expectativas dos alunos, entende? (IAR_B_IJ020).

Segundo Travitzki (2013), o efeito da escola nos resultados do Enem representa ape- nas 21% se comparado ao nível socioeconômico dos estudantes. A fala que segue é de uma professora da escola pública, e expressa uma preocupação com o currículo que desenvolve:

Será que nós estamos preparando os empregados daqueles que vão estudar no Colé- gio B? Claro, nós vamos produzir os empregados daqueles que estão lá, que podem pagar e vão ter uma formação diferenciada. Vamos dizer assim, eles vão estar privi- legiados na questão de conceitos comparados aos nossos. Então, eles vão ter uma acessibilidade à universidade maior que os nossos; eles vão ser os doutores e os nossos vão ser os peões. O pior é que se tu analisar friamente... com certeza, vou te dizer assim, ó, dessa nova grade curricular que veio a biologia que é a minha, no primeiro ano eles têm três aulas, segundo ano duas e o terceiro ano uma; então eles vão ter uma inversão em todo o Ensino Médio [Enquanto no Colégio B só no primeiro ano eles têm quatro] (MON_B_A024, grifos nossos).

A professora faz um desabafo que nada mais é do que a expressão de muitos outros professores e que precisa ser interpretado considerando o contexto desse enunciado. Essa en- trevista foi realizada no final do ano de 2011, momento em que as escolas estavam recebendo “a notícia” de que um novo Ensino Médio seria instituído já no próximo ano. A fala da pro- fessora é pertinente porque representa o impacto de uma reforma curricular que estava prestes a acontecer no Rio Grande do Sul, atingindo diretamente a escola pública, e que como a maio- ria das reformas no país, não veio acompanhada de discussão e formação do professorado com mediação intencional e adequada desde o início. Como uma notícia divulgada na mídia, “o fato” de imediato causou inquietações nos professores que produziram interpretações ali- geiradas no que diz respeito ao conceito de Ensino Médio politécnico. Logo, não foram a pro- posta ou a abordagem dos princípios de trabalho ou politecnia os motivos dessas interpreta- ções terem sido aligeiradas, mas a forma inadequada como chegou até os professores. Essa é, sem dúvida, uma marca identificada da recontextualização, de uma ou outra forma, sempre mediada.

O conceito de Ensino Médio politécnico, assim como aconteceu com outros conceitos, como competências e cotidiano, gerou polêmica entre os professores, que os interpretaram como parte da meta neoliberal de preparar o estudante para o trabalho ou, o que é pior, para o mercado do trabalho.

Então vão ser peão para o resto da vida, tu entendes? Ele já vem [...] a questão assim ó, ele já vem com toda uma problemática, vamos dizer assim. De uma situação me- nos favorecida. Ele já nasceu numa família assim... Daí ele vai estudar numa escola pra preparar ele para ser mão de obra a vida toda; então ele já nasce predestinado ao trabalho. É mais ou menos assim e são poucos os que vão [...], vamos dizer assim, até porque assim já é uma coisa que vem desde pequeno, tu entendes? Então, assim, aquilo tu tá ali dentro e tu vai ser aquela engrenagem, tu não tem muita expectativa; são poucos os que vão, os que vão sobressair a isso! (MON_B_A025).

Essa polêmica continua entre o professorado até os dias de hoje, e é mantida acesa com insistência por lideranças de corporação e vai se tornando verdade única. O conceito de trabalho como princípio educativo, de acordo com o documento base da Secretaria Estadual de Educação e Cultura do RS (Seduc), é o trabalho na perspectiva marxista como constitutivo das relações sociais e não aquele que prepara os menos favorecidos economicamente para o mercado. Esse princípio voltará nas discussões de outras categorias a seguir, mas, de pronto, podemos afirmar que vai além da lógica de preparar os estudantes que pertencem à elite, dan- do a eles um conjunto de conceitos escolares científicos descontextualizados do mundo da vida. A concepção de trabalho como princípio educativo está em consonância com o artigo 5º da resolução CEB 2/2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mé- dio. Segundo o parágrafo 1º, “o trabalho é conceituado na perspectiva ontológica de transfor- mação da natureza, como realização inerente ao ser humano e como mediação no processo de produção da existência” (BRASIL, 2012). Conforme já explicitou Kuenzer (2002), o trabalho como princípio educativo, articulado à cidadania para um perfil de EM politécnico, vem para superar a dissonância entre o Ensino Médio como função instrumental e função intelectual, responsável pela divisão social e técnica do trabalho, marcada pela definição de fronteiras entre aquele que faz e aquele que pensa. Essa divisão é histórica e culturalmente presente, e explicita-se na fala que segue:

A escola tem que fazer escolhas. Ou ela tem que preparar para o mundo do trabalho pra ser um cidadão ou ela vai preparar para o vestibular. Porque o politécnico vai tentar abarcar tudo isso!!!. A proposta é tentar trazer tudo isso pra pauta, discutir is- so e juntar (IAR_B_IJ033).

A nova identidade do Ensino Médio, que está sendo atualmente perseguida, vai ao en- contro da autonomia intelectual e moral para que todos os sujeitos possam agir e participar política e produtivamente no mundo das relações sociais, e não seja exclusividade das elites. O que se defende hoje é o direito à aprendizagem e esta deve ser a aposta, seja em escola pú- blica ou particular. Na escola pública o desafio é sempre maior, pois há muitas outras carên- cias que não existem de forma tão acentuada na rede particular, como reconhece a professora na exposição a seguir.

A grande maioria não pensa. A grande maioria que vem dos Bairros [diz o nome de dois deles] pensam em terminar o Médio, trabalhar, formar uma família e continuar nisso, ganhar o suficiente para manter a família, no máximo fazer um curso técnico alguma coisa (ELI_Q_EH011).

O objetivo deles é arrumar um trabalho, então vai muito além daquele sonho que a gente tinha quando estudava no Ensino Médio de fazer uma faculdade. Hoje não so- nham isso, os nossos aqui, a nossa realidade não tem esse sonho, esse sonho de vis- lumbrar uma universidade, de ir para uma universidade; são poucos os que vão (MON_B_A017).

Por mais que reconheça esse novo perfil de estudante, a cultura escolar ainda opera na lógica da exclusão. Mesmo que os professores admitam saber quem são eles e quais suas ex- pectativas, ainda se acredita necessário trabalhar todos os conteúdos que supostamente pode- rão “cair no vestibular”, como geralmente se faz com os estudantes da classe média que estu- dam nas escolas particulares, a exemplo da escola B, que obteve o primeiro lugar no Enem em 2011. A exclusão pode ser ainda maior quando o aluno não almeja mais do que concluir o EM, ou dele é excluído quando não consegue conciliar o trabalho com os estudos. Além dis- so, quando os conteúdos são apresentados na forma de conceitos e mera aplicação de fórmulas matemáticas, essa prática mostra-se completamente alheia às reais necessidades dos estudan- tes e sem nenhum sentido para o mundo da vida desses sujeitos.

Assim, esses e outros são exemplos frequentes de práticas comuns em aulas das disci- plinas da área de CNT, como destacou a professora de física citada anteriormente ao se referir a não compreensão dos estudantes ao conceito de aceleração da gravidade, que, supostamente, já havia sido ensinada. A coordenadora pedagógica, na fala que segue, também parece des-