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Certo é que, se por um lado, o estruturalismo permite a superação dos impasses da teoria do imaginário e responde a diversas lacunas, não deixa, por causa disso, de fundamentar novos embaraços. Até aqui, vimos o sentido epistemológico de que ele se reveste em face das bases de sustentação do projeto de pesquisa levado a cabo por Lacan. O problema é que o tipo de formalização com ele avançado e traduzido numa extensiva determinação exercida pelo significante sobre o sujeito, reatualiza, desenvolvendo seu clímax, o paradoxo de difícil manuseio já mencionado, aquele que dispõe a determinação e a subjetividade como os pólos de uma tensão aparentemente indissolúvel e que qualifica a obra em questão como um dos destinos daquilo que constitui o cerne das "ciências humanas", isto é, do conflito entre o ideal de ciência e a manutenção da textura do fenômeno ao qual ele se aplica na medida em quem possa ser

dito, exatamente, "subjetivo". De uma parte, Lévi-Strauss providencia, com sua antropologia estrutural, as condições para que o conceito de inconsciente, até então explicitamente descartado por Lacan como noção impossível ou estéril81, seja, não somente abraçado, mas imbuído de tamanha força teórica que se torna mesmo o ponto de convergência de todas as suas reflexões, passando a designar a psicanálise como o campo de inserção de seu pensamento. Isso porque o antropólogo faz possível recobri-lo de uma mensagem linguageira, portanto cultural, segundo a qual o inconsciente passa a ser sinônimo do funcionamento intersubjetivo da estrutura da ordem simbólica, operação que inevitavelmente exige que a mensagem freudiana seja desvencilhada de seus próprios termos. Encontram-se aí preenchidos os requisitos capazes de tornar aprazíveis aos olhos do autor um conceito, um princípio, uma linha de pensamento. Em função dessa convergência de espírito, o inconsciente lévi-straussiano surge como um conceito capaz de iluminar o que se passa na experiência psicanalítica na medida em que, mediante o não-sabido, ela se depara com o desejo e com o sintoma; oferece-lhe uma nova luz que instiga o pensamento e põe em cena novas linhas de força. Tudo se passa, a partir daí, como se Lacan se perguntasse: o que pode ser o sujeito uma vez suposta a objetividade de sua constituição na referência concreta da linguagem através do jogo dos significantes?

Imediatamente vemos que, por outro lado, em que pesem os equacionamentos positivos possibilitados pelo encontro com a racionalidade estruturalista, é visível sua conseqüência problemática: ela conduz a uma estrita incompatibilidade com a posição que deve ser preservada para o sujeito em suas potencialidades mais significativas. O movimento autônomo da estrutura – nem coisa, nem idéia – exige uma ordem própria de consideração que passa ao largo da subjetividade ou até mesmo solicita seu cancelamento. Dizia Lévi-Strauss nesse sentido:

"Não pretendemos (...) mostrar como os homens pensam nos mitos, mas como os mitos se pensam nos homens, e à sua revelia. E talvez (...) convenha ir ainda mais longe, abstraindo todo sujeito para considerar que, de um certo modo, os mitos se pensam

entre eles." (1971/1991, p. 21) Assim, se o estruturalismo viabiliza a tarefa de restabelecer o âmbito do sentido – como Lacan declarava na abertura de seu seminário de 1953-54: “nossa tarefa aqui é reintroduzir o registro do sentido, registro que é

preciso, ele mesmo, reintegrar a seu nível apropriado” (1953-54/1975, p. 8) –, o faz ao

preço de simplesmente ameaçar, da mesma feita, sua contraparte, qual seja, a manutenção da subjetividade como o único lugar onde esse sentido, por assim dizer, faz

sentido, o que na psicanálise lacaniana significa: sustentar num corpo, que viabiliza o

discurso, a verdade de um desejo inconsciente.

No Discurso de Roma, Lacan denunciava a radical alienação vivida pelo sujeito na modernidade: nos desmembramentos das objetivações do discurso científico, ele perde seu sentido. Essa situação é aí pensada como um traço da civilização científica que se manifesta de pronto na experiência analítica e que conforma um dos paradoxos residentes na tensa relação entre fala e linguagem. A ciência se apresenta como álibi para que o sujeito se esqueça de sua própria condição:

“Ele colaborará eficazmente com a obra comum em seu trabalho cotidiano e preencherá seu lazer com todos os atrativos de uma cultura profusa, que (...) dar-lhe-á meios de esquecer sua vida e sua morte, ao mesmo tempo que de desconhecer, numa falsa comunicação, o sentido particular de sua vida.” (Lacan, 1953c/1966, p. 282).

Quanto mais se aproxima do conhecimento científico, mais o sujeito se distancia de sua própria verdade. Nesse sentido, a doutrina psicanalítica, por exemplo, forneceria com suas produções teóricas míticas, tais como os conceitos de eu, isso e supereu, mais uma ocasião para a alienação do sujeito, contribuindo para a espessura do muro de linguagem que opõe resistência à liberação da fala plena. Dito de outra forma, o paradoxo é que, não obstante o discurso tenda a objetificar o sujeito e a linguagem a engrossar cada vez mais sua função de barreira, é pelo discurso e com a linguagem que a análise vai almejar instaurar uma fala verdadeira. Mas, ao denunciá-lo, é para um movimento de seu próprio pensamento que Lacan acaba apontando e o risco apresentado não lhe é menos estranho, pois, da mesma forma, o seu esforço, a essa altura, é o de construir uma ciência do sujeito, o qual torna-se privado de sua condição quando objetivado num discurso científico. Eis o grande problema relacionado a essa noção que envolve todo o seu projeto teórico e que atinge o ponto mais agudo de seu caráter aporético justamente quando se filia à racionalidade estruturalista, pois, a partir dela, o sujeito é dito como algo determinado pelo poder do significante. É claro que, em face do conhecimento desses termos, o sujeito resta como questão importante a ser trabalhada posteriormente, até mesmo como o principal problema que a inauguração do “retorno a Freud” lega aos anos subseqüentes.

Desse trecho do Discurso – cuja exploração serve, no mínimo, para demonstrar o quanto Lacan era, a valer, sabedor do problema com que lidava – até meados de 1958, época em que começa a surgir a noção de uma “falta no Outro”, são freqüentes as explorações do tema. A título de alguma exemplificação, citemos apenas, no texto sobre A carta roubada:

“Se o que Freud descobriu e redescobre de forma cada vez mais abrupta, possui um sentido, é que o deslocamento do significante determina os sujeitos em seus atos, em seus destinos, em suas recusas, em suas cegueiras, em seus sucessos e em suas sortes, não obstante seus dons inatos e seus valores sociais, sem considerar o caráter ou o sexo, e que por bem ou por mal seguirá o caminho do significante, como armas e bagagens, tudo aquilo que é do dado psicológico.” (Lacan, 1955a/1966, p. 30)

E no segundo ano do Seminário: “No meio (...) do funcionamento da razão, o sujeito

acha-se, desde o início, não sendo mais do que um peão, impelido ao interior desse sistema, e excluído de toda participação que seja propriamente dramática, e por conseguinte trágica, na realização da verdade.” (Lacan, 1954-55/1978, p. 201)

Fica muito claro a partir daí que o sujeito é visto como o produto do funcionamento do simbólico. Ele vem apenas ocupar, como o diz o autor, um lugar num jogo que já apresenta suas próprias leis (Lacan, 1954-55/1978, p. 227). A exposição d’A

carta roubada não visava a mostrar outra coisa, nem as explorações da cibernética no Seminário 2: o simbólico, cujo fundamento seria a insistência repetitiva, teria efeito de

alienação; “(...) ele é causa do fato de que o sujeito se realiza sempre alhures e de que

sua verdade lhe está sempre velada em algum lugar.” (Lacan, 1954-55/1978, p. 245).

Ora, se o interesse vital do projeto lacaniano desde seus primórdios é resguardar um sentido do sujeito como sujeito do sentido e, não custa insistir, fabricar, não uma sociologia, mas uma teoria psicanalítica, não é evidente que a racionalidade estruturalista só pode ser convidada a tomar parte na disputa cum grano salis? Por outro lado, uma aproximação à acepção lévi-straussiana de inconsciente, além de atribuir um único sentido à via da determinação, exige um tal afastamento da forma como Freud o pensou que não resta espaço para aspectos tão fundamentais de sua teoria como o afeto, por exemplo, e durante bastante tempo ainda, a pulsão, só admitida à força da deturpação de seu sentido. Como declara Roustang em entrevista a Dosse (1991a/1993):

“A operação lacaniana tem que ser dupla, isto é, perfeitamente contraditória. Por uma parte, cumpre-lhe manter a subjetividade, (...) e, por outra esvaziar essa subjetividade de toda encarnação, humanização, afetividade, etc., para fazer dela um objeto matemático.” (p. 281) O processo em jogo ao longo da evolução da teoria será

justamente evitar esse esvaziamento. A lingüística traz à psicanálise a perspectiva de uma objetividade que, contudo, tem que ser, nesse momento, impedida de resvalar numa

objetalidade82. Diga-se, a propósito, que, se o sujeito fosse assim tão implacavelmente decretado pelo significante, a clínica seria uma prática fadada à esterilidade: não poderia pleitear efeito nenhum pois nem analista, nem analisando – como sujeitos que são – teriam como interferir de algum modo nos desígnios cegos dos significantes e a psicanálise ver-se-ia totalmente reduzida a uma teoria da determinação, “(...) a ser

apenas uma produtora de conhecimento, uma espécie de etnologia aplicada aos indivíduos.” (Roustang, 1986/1988, p. 49) Lembremos que, nessa mesma fase da obra,

o recurso à noção de sujeito é sempre atrelado à idéia de algo capaz de atribuir sentido à multiplicidade da experiência; pelo início do Seminário 2, lemos a seguinte amostra:

“Dou-lhes uma definição possível da subjetividade ao formulá-la como sistema organizado de símbolos que pretende cobrir a totalidade de uma experiência, animá-la, dar-lhe seu sentido.” (1954-55/1978, p. 56) Assim, não há por que usar meias palavras:

sob um uso estritamente estruturalista da linguagem, o sujeito é irrevogavelmente impensável83. A não ser que... um dos termos da equação – sujeito e estrutura (ou ambos) – seja repensado. As coisas pareciam se apresentar de forma que abrir uma porta significava fechar a outra. De duas, uma: ou se infla o viés científico da determinação diante do que o sujeito passa a ser um sopro inócuo – aquela encruzilhada de influências que Lacan repudiava em sua tese de doutorado –, um mero joguete do significante que não alardearia, então, mais nenhum motivo para conservar o sentido visceral de seu nome; ou se faz questão desse sujeito insistente e irredutível e, com isso, a teoria passaria, à primeira vista, necessariamente a professar um psicologismo que não

82 Veremos, ao final do nosso percurso, que o desenvolvimento do conceito de objeto a vai operar uma total inversão dos valores atribuídos a cada um desses termos.

83 É o que também observa Žižek: “O problema dessa segunda etapa [a etapa estruturalista] é

que, nela, o sujeito – como sujeito do significante, irredutível ao eu imaginário – é no fundo

impensável: de um lado temos o eu imaginário, lugar da cegueira e do desconhecimento, ou

seja, o eixo a-a’; de outro, um sujeito totalmente assujeitado à estrutura, alienado, sem resto e, nesse sentido, des-subjetivado.” (1988/1991, p. 77)

deixaria esperanças nem ao desejo de aproximação com o concreto, nem à vontade de se afirmar como ciência.

Quando as circunstâncias parecem assim não apresentar nenhuma saída, Lacan inventa a sua. Sendo-lhe fundamental pensar a psicanálise como uma disciplina científica que não se submeta ao resultado da objetivação do sujeito, a tentativa inicial será reconsiderá-lo, fornecendo-lhe uma nova definição e os resultados disso serão indispensáveis à teoria, mesmo quando o problema passar a receber outras soluções. E o próprio desenlace deste primeiro passo exigirá a revisão do segundo termo da equação, trazendo a lume uma idéia modificada, mais específica, de estrutura.

1.4. Estruturalista?

Até o momento, avançamos, de um lado, uma análise dos motivos que impeliram Lacan a se interessar pelo estruturalismo e a utilizá-lo como ferramenta de pensamento e, de outro, iniciamos uma abordagem do tipo de problemas que essa aproximação gera, inevitavelmente. Contudo todo esse estudo esbarra numa indagação que ainda não foi levantada e que não pode deixar de ser aqui considerada: Lacan foi um pensador estruturalista? Isso que, à primeira vista, pode parecer se revestir de obviedade, na verdade guarda uma complexidade inusitada que faz da resposta rápida uma atitude desencaminhadora. Quando percorremos a bibliografia relativa ao tema, essa indagação se apresenta com uma freqüência que se justifica tanto, como vimos acima, pelas conseqüências que uma resposta a ela pode acarretar quanto pela dificuldade que ela implica. Dificuldade que se reflete na disparidade dos pontos de vista apresentados. Vejamo-los.

o Dosse (1991a e 1991b), ao se dedicar a escrever uma história do estruturalismo, situa Lacan em seu eixo central, como um de seus principais representantes.

o Nesse mesmo livro (p. 364), o autor cita Sartre, que concorda com a inclusão pois, do seu ponto de vista, em Lacan, o descentramento do sujeito estaria amarrado a um desapreço pela história84.

o Lemaire (1977/1979) é categórica na classificação: “Jacques Lacan é

estruturalista. Ele o frisou nas suas entrevistas. Ele assinou com seu próprio nome a entrada da psicanálise nesta corrente de pensamento, nesse método de pesquisa aplicável a diferentes disciplinas do saber, mas, mais precisamente, às ciências do homem.” (p. 40)

o Fink (1996), por outro lado e em oposição, diz que a definição fornecida para a ordem simbólica, por incluir a suposição de algo impossível de ser simbolizado, prova que o autor não é estruturalista.

o Na mesma direção, Miller afirma que ele se dissocia do estruturalismo porque a estrutura que aí se encontra “(...) é coerente e completa, ao

passo que a estrutura lacaniana é antinômica e descompletada.”

(entrevistado por Dosse, 1991a/1993, p. 146).

o Cunha (1981) também declara que ele não pode receber a etiqueta porque, em seu pensamento, a linguagem deixa de ser apenas modelo teórico para tornar-se o próprio fundamento do ser numa teoria do sujeito.

o Safatle (2003) entende que Lacan, mesmo na fase em que mais faz uso da estrutura, não pode ser visto como um estruturalista clássico porque não estaria interessado apenas no modo de constituição do sujeito, mas, sobretudo em reconhecer que o desejo do sujeito é um desejo que elege por objeto a própria lei que o constitui85.

o Já Frank (1984/1989), indo mais à frente, reserva-lhe um lugar no rol dos "neo-estruturalistas", estes entendidos como representantes de um movimento que já se posiciona de maneira crítica diante do estruturalismo clássico, radicalizando algumas de suas perspectivas, abandonando outras.

84 Que tal observação é equivocada, nós já o vimos com o comentário do Discurso de Roma. 85 Retomaremos esse ponto no item sobre o desejo do próximo capítulo.

o Milner (2002), um pouco na mesma linha de Frank, o nomeia "hiperestruturalista" com o argumento de que sua posição seria de “exclusão interna” pois ele teria levado as teses estruturalistas às últimas conseqüências ao procurar construir a teoria da “estrutura qualquer” que seria uma teoria da estrutura "em si mesma", dissociada da referência ao estruturalismo (p. 149). Para esse autor, pela lingüisteria e pela autonomização do conceito de letra, Lacan “(...) se inscreve nesse

paradigma por uma tese que dele o separa." (p. 145)

Não pretendemos avaliar criticamente cada um desses posicionamentos. Nossa aproximação ou nosso distanciamento em relação a cada um deles ficarão claros – assim o esperamos – de forma tácita ao longo do trabalho. Mas, para encontrarmos nossa própria resposta (que não pode ser simples) a essa pergunta insistente precisamos fazer, antes, alguns reparos. Antes de mais nada, é preciso discutir o que fica subentendido quando indagamos se um determinado autor foi ou não estruturalista. A nosso ver, há um mínimo de três modos coerentes de trabalhar a questão:

1- Se pensarmos que “ser estruturalista” significa seguir seu "fundador" nos princípios, no método e nas conseqüências, sem dúvida devemos responder que Lacan não o foi. Decerto que foi seu ponto de partida: “Como nós

mesmos fazemos do termo estrutura um emprego que cremos poder autorizar pelo de Claude Lévi-Strauss, é para nós uma razão pessoal (...) não tomar esse emprego como genericamente confuso.” (Lacan,

1958e/1966, p. 648) – e todo o presente capítulo procurou defender e fundamentar essa tese. Seu comentário e sua crítica do relatório de Daniel Lagache acerca da estrutura da personalidade bem revelam que ele entende ser importante discernir entre forma e estrutura; poderíamos mesmo dizer que eles seriam uma espécie de aplicação direta, ao campo da psicologia, da idéia que Lévi-Strauss desenvolve na crítica que endereça Vladimir Propp86. A tese principal dessa crítica é que a estrutura é o próprio conteúdo, sendo sua disposição propriedade do real:

“Ao inverso do formalismo, o estruturalismo recusa opor o concreto ao abstrato, e não reconhece no segundo um valor privilegiado. A forma se

86 Esse texto de Lévi-Strauss é posterior ao comentário de Lacan sobre Lagache, o que não impossibilita o raciocínio.

define por oposição a uma matéria que lhe é estranha; mas a estrutura não tem conteúdo distinto: ela é o próprio conteúdo, apreendido numa organização lógica concebida como propriedade do real.” (Lévi-Strauss, 1960/1993, p. 121)87

Lacan, por sua vez, afirma que a necessidade de pensar em termos de topologia deve-se, justamente, ao fato de que a estrutura não é a forma, como se o primeiro termo, ao aparecer no título do trabalho de Lagache –

Psicanálise e estrutura da personalidade –, pudesse ser substituído pelo

segundo sem perda de sentido. A oposição que este estabelece entre uma estrutura aparente e outra que seria distante da experiência como seu modelo teórico, desconheceria um terceiro tipo de estrutura:

“(...) os efeitos que a combinatória pura e simples do significante determina na realidade na qual ela se produz. Pois o estruturalismo é ou

não aquilo que nos permite formular nossa experiência como o campo em que isso fala? Se sim, ‘a distância da experiência’ da estrutura

desaparece, uma vez que opera nela não como modelo teórico, mas como a máquina original que nela põe em cena o sujeito.” (Lacan, 1958e/1966, p. 649, grifo nosso)

O que fica claro nesse trecho é que a estrutura não é um modelo da realidade (papel que competiria, antes, à forma), mas a própria realidade em sua lógica efetiva. O que está de acordo com a definição fornecida pelo estruturalismo que, por sua vez, se alinha à filiação bachelardiana, dando a ver a genealogia epistemológica. Como explica Fichant: “Se é verdade que ‘só há ciência

daquilo que é oculto’, é preciso que renunciemos a imaginar esse oculto como uma espécie de modelo reduzido do mundo usual das coisas, de onde a discussão sempiterna sobre a realidade do mundo sensível vai inferir seus pobres exemplos.” (1973/1974, p. 137) Mas, por outro lado, não há, no

pensamento de Lacan, nenhuma forma de retorno a um naturalismo tal como o que se pode verificar em O pensamento selvagem88. Além disso, como já anunciamos, a idéia do que seja uma estrutura será, a partir de determinado

87 Por esse motivo, Merleau-Ponty afirmava: "Por princípio, a estrutura não é uma idéia

platônica." (1960/1984, p. 197)

momento, totalmente repensada de forma que seu movimento de afastamento com relação a Lévi-Strauss ficará patente.

2- Se tomarmos como ponto de partida da resposta que “ser estruturalista” corresponde a teorizar um tipo de determinação da aparência (o sujeito aí incluído) que tem origem numa estrutura simbólica, isto é, numa organização autônoma de significantes que exibe suas próprias leis, então podemos dizer que Lacan o foi, estritamente, com a ressalva de limitar essa inclusão até aproximadamente o ano de 1957 quando a estrutura subjetivada sob a forma do Outro começa a mostrar sua diferenciação com relação aos ditames estruturalistas clássicos. Seria, talvez, mais apropriado dizer aqui que, até essa data, Lacan tentou "aplicar" o estruturalismo89 – são provas disso os tratamentos sucessivamente conferidos aos sonhos, à psicose, ao caso do pequeno Hans, aos chistes etc. –, encontrando-se impedido de completar esse envolvimento devido às resistências do próprio objeto que uma teoria psicanalítica possui por direito. A partir de 1957, tudo se passa como se ele, não simplesmente abandonasse a estrutura em proveito de alguma outra base, mas como se a subvertesse pelo lado de dentro produzindo uma

estrutura não-estruturalista absolutamente necessária à lógica do

desenvolvimento da teoria. Mas, cabe frisar, se ele a subverteu foi porque, exatamente, esteve por um período do lado de dentro, fazendo valer o raciocínio até o ponto em que ele se tornou impossível por si mesmo e, se de fato encontraremos aí uma estrutura descompletada, como apontava Miller,