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NFLEXÕES DA ESTRUTURA NA PSICANÁLISE

2.10. Rumo ao dispositivo específico da psicose: três negações

Uma das questões que correm em paralelo a esse deslocamento do conhecimento em sua relação com a verdade é, evidentemente, a definição em moldes estruturalistas da especificidade do mecanismo da psicose.

Sabemos não ser uma questão de menos peso, uma vez que tal afecção ocupa no pensamento de Lacan o lugar de prevalência que Freud destinava à neurose, devendo-se a ela a conformação da estrutura da personalidade na fase psiquiátrica inicial e a justificação última para a teorização de uma nova clínica. Seu interesse pela

50 Muito mais tarde, Lacan diria que um "realismo do nome", certamente referido ao real do nome e não à sua realidade, é mais interessante que um "nominalismo do Real". (Lacan, 1974- 75, p. 108.)

momento a contribuição que o estruturalismo oferece à questão: sobre o fundo de uma teoria homogênea – a do simbólico como fator estruturante do sujeito – torna-se finalmente possível teorizar o mecanismo específico da psicose. O que o estruturalismo fornece a Lacan, especialmente no desenvolvimento de seu terceiro seminário é uma teoria formalizada da determinação diferencial da psicose encaixada numa teoria mais geral da constituição do sujeito. A colocação da psicose sob a dependência do modo de operação de um dos elementos do Édipo – o Nome-do-Pai – torna sua diferença frente à neurose uma diferença de ordem estrutural, constituindo uma saída do círculo explicativo de sua tese de doutorado, o qual se achava baseado, ao fim e ao cabo, em critérios de assentimento social51.

Este encaminhamento pode, de saída, ser lido sob duas hipóteses:

1- A constituição da psicose ter-se-ia tornado fato contingente, não apresentando mais nada de essencial a dizer acerca da verdade última da subjetividade em geral.

2- A operação em jogo na formação da psicose continuaria a descrever algo da condição do sujeito em geral – de forma que "(...) seria ser louco

por uma outra forma de loucura não ser louco” de acordo com a frase de

Pascal citada por Lacan no Discurso (1953b, p. 283).

É o próprio Lacan quem nos dissuade da primeira alternativa com a insistência no posicionamento primordial da psicose em qualquer consideração de sujeito:

“Se não somos capazes de perceber que há um certo grau, não arcaico, a situar em algum lugar do lado do nascimento, mas estrutural, no nível do qual os desejos são, propriamente falando, enlouquecidos; se para nós o sujeito não incluísse na sua definição, na sua articulação primeira, a possibilidade da estrutura psicótica, jamais seríamos mais do que alienistas.” (1961-62, p. 273)

Mas, nesse caso, é preciso descobrir o caminho que permite a compatibilidade entre alguma proximidade na origem e o distanciamento necessário para o fornecimento de mecanismos estruturalmente diferenciados.

sucessivas traduções fornecidas por Lacan), Bejahung (afirmação) e Auβtossung (expulsão). Pois a teoria lacaniana da psicose nasce de um comentário do texto A

negação no qual Freud pensa a delimitação originária de um espaço psíquico através da

operação intelectual do juízo como operação de desejo frente ao objeto da experiência de satisfação. Freud distingue duas espécies de juízo:

1- O juízo de atribuição, ligado ao eu-prazer inicial, pelo qual negar uma qualidade a uma coisa corresponde a situar tal qualidade em espaço externo ao eu. Primitivamente, ele liga o que é ruim (do ponto de vista da satisfação da pulsão) ao exterior e o que é bom, ao que pertence a si mesmo no próprio momento de delimitação inicial desse "si mesmo". Como explica David- Ménard: "(...) dizer 'S não é P' é separar um sujeito lógico de um predicado,

o que quer dizer, por intermédio de um enunciado que diz respeito ao mundo, separar de si alguma coisa, ao passo que dizer 'S é P' é admitir em si alguma coisa, ato pelo qual o si como espaço interno é constituído."

(2004, p. 196) A configuração inicial do eu é conduzida a partir dessa seleção que, pelo uso do pensamento, distribui entre dentro e fora aquilo que agrada e o que desagrada.

2- O juízo de existência, ligado ao eu-realidade, derivado, relacionado com a necessidade de averiguar a validade de uma representação (interna, outrora originada na percepção) como percepção renovada (externa), tentativa de reencontrar o objeto. Encontrar-se-ia igualmente implicado, como passo posterior, na questão da diferenciação interior/exterior:

52 “Rejet” é a tradução utilizada em quase todo o Seminário 3. Nesse ano de ensino, “retranchement” é um termo muito pouco utilizado para Verwerfung (apenas nas sessões VI e XVI), mas fora o escolhido à época da discussão com Hyppolite. “Forclusion” é primeiramente utilizado na sessão I e apenas posteriormente (sessão XXV, a última) escolhido como a melhor tradução. Discutiremos adiante os possíveis motivos dessa eleição.

53 Bairrão (1998) apresenta "preclusão" como o termo que seria mais apropriado para verter "forclusion" ao português. Concordamos quando o autor argumenta que ele manteria, na nossa língua, a presença do universo do Direito e, conseqüentemente, a referência ao sujeito, repercutindo de forma precisa no campo do Outro. No entanto, além do fato do galicismo já ter sido dicionarizado (v. Houaiss & Villar, p. 1371), tendo adquirido tanta ressonância que parece ter extrapolado o tecnicismo na psicanálise, apresenta a vantagem de manter a referência direta aos trabalhos de Édouard Pichon, que o inspiraram originalmente, preservando a etimologia (Macey, 1988, p. 39) do termo – for (fora), clore (fechar).

existência não é simplesmente falar do mundo ou pronunciar-se sobre a referência de um enunciado, é tentar reencontrar na realidade exterior o objeto de satisfação cujo traço se inscreveu em nós e, verdadeiramente, constituiu nossos desejos – pelo reinvestimento desse traço – em sua especificidade." (David-Ménard, 2004, p. 196)

Assim, mesmo nas etapas mais sofisticadas de um raciocínio qualquer, o juízo reitera a seleção regulada pelo movimento pulsional submetido ao ponto de vista da obtenção do prazer: "Julgar é o desenvolvimento posterior, conforme os fins, da

inclusão no eu ou da expulsão para fora dele, originariamente governadas pelo princípio do prazer." (Freud, 1925a/1989, p. 256)54

Em seguida, Freud estabelece uma correspondência entre o ato de afirmar e pulsões de vida e, por outro lado, entre o ato de negar e pulsões de morte. Vejamos a frase em que isso aparece:

"Sua polaridade [do julgar] parece corresponder à oposição dos grupos pulsionais que supusemos existirem. A afirmação [Bejahung] – como substituto da união – pertence a Eros; e a negação [Verneinung] – sucessora da expulsão [Auβtossung] –, à pulsão de destruição." (Freud, 1925a/1989, p. 256)55

Lacan, então, toma esse termo em alemão "Bejahung" para se referir ao momento mítico de uma afirmação originária56 relacionada a um primeiro juízo de atribuição que separou o real, como o fora, de tudo aquilo que pode vir a fazer parte de cadeias significantes inconscientes.

54 Nesse ponto, o comentário de David-Ménard – que, aliás, preocupa-se em abordar os modos de incidência do desejo, tal como abordado pela psicanálise, sobre os dispositivos do pensamento conceitual (v. David-Ménard, 1997/1998 e 1990/1996) – é ainda esclarecedor. Ela diz: "É sempre defendendo nosso corpo que apreendemos um elemento do Real. E o corpo que

se defende através do pensamento é o mesmo que organiza a Verneinung." (2003, p. 165)

55 O trecho, no alemão, é como segue: "Seine Polarität scheint der Gegensätzlichkeit der beiden

von uns angenommenen Triebgruppen zu entsprechen. Die Bejahung – als Ersatz der Vereininung – gehört dem Eros an, die Verneinung – Nachfolge der Ausstoβung – dem Destruktionstrieb." (Freud, 1925, p. 221)

56 Para Lacan (Lacan, 1959b/1966, p. 558, sessão XI do Seminário 3 e sessão IV do Seminário

11), essa percepção original é isolada como percepção de significante quando Freud, na carta

Verneinung, negação utilizada no discurso pela via do uso da palavra “não”, tem essa

afirmação originária do juízo de atribuição como sua condição lógica. Mas se levarmos em conta que a contrapartida concomitante da afirmação é a expulsão e ainda que, para Lacan, a inscrição – afirmativa – de um significante não tem como não ser, por si mesma, uma espécie de negação58, tal anterioridade encontra-se sem fundamento. Afirmar um significante primordial, quando se tem em vista a forma com que é definido, ou seja, sua pertinência de essência a uma estrutura, é, ao mesmo tempo, negar todos os demais. É, aliás, exatamente essa simultaneidade que descreve o momento de criação do real como o fora da simbolização para o sujeito.

O que desponta nesse raciocínio é a necessidade de distinguir três tipos de negação:

o Ausstossung: negação que corresponde à expulsão no momento da

Bejahung;

o Verneinung: a negação intelectual em que alguém rejeita um conteúdo recalcado pelo uso verbal do "não" (é nesta que Freud se detém em seu artigo);

o Verwerfung: a negação específica do mecanismo implicado na psicose.

O problema é que, para Lacan, o negado pela Verwerfung é a Bejahung e isso dá margem a confundi-la com a Ausstossung, apesar de se tratar de operações extremamente diferentes e precisamente definidas em seus valores. Balmès, por

57 Ver, por exemplo, Evans, 1996, p. 17.

58 A dupla face – positiva e negativa – da operação de inscrição é sustentada por Lacan, muito explicitamente, por exemplo, no que segue: "Será que o um é anterior à descontinuidade? Não

o creio e tudo o que ensinei esses últimos anos tendia a revirar essa exigência de um um fechado – miragem à qual se vincula a referência ao psiquismo como invólucro, espécie de duplo do organismo no qual residiria essa falsa unidade. Vocês concordarão comigo que o um que é introduzido pela experiência do inconsciente é o um da fenda, do traço, da ruptura. (...) Onde está o fundo? Será a ausência? Não. A ruptura, a fenda, o traço da abertura faz surgir a ausência – como o grito, que não se perfila sobre fundo de silêncio, mas, ao contrário, o faz surgir como silêncio." (Lacan, 1964/1973, p. 28) Aliás, como Lacan não deixa de observar com

seu comentário sobre o psiquismo, convém bem destacar que essa forma de perceber a unidade é a única coerente com uma lógica não identitária sob a qual se quer, aqui, exercer o pensamento.

para definir "significação primordial" e para entender o sentido do real por ela constituído. O autor argumenta ser necessário diferenciar, nos textos de Lacan, os elementos que contribuiriam para uma identificação entre Ausstossung e Verwerfung de outros que permitiriam sua distinção. Defende, nesse sentido, que: "Se relemos com

atenção a ‘Resposta’, não há dúvida de que Verwerfung (rejeição de um significante primordial) e Auβtossung (expulsão do real) encontram-se muito mais confundidas do que claramente distinguidas." (1999, pp. 69-70) Entende que esse caminho deve ser

descartado, uma vez que expulsão diz respeito a qualquer constituição de sujeito enquanto forclusão concerne apenas ao psicótico. No entanto, talvez tal caminho não exista no texto lacaniano. Vejamos qual a sentença, considerada indutora da leitura rejeitada, citada por Balmès: "O processo de que se trata sob o nome de Verwerfung

(...) é exatamente o que se opõe à Bejahung primária e constitui como tal aquilo que é expulso." (Lacan, 1956b/1966, p. 387) Ora ela pode, sem nenhum problema exegético

mais complicado, ser entendida da seguinte forma: quando a Verwerfung se opõe à

Bejahung ela instaura um outro tipo de expulsão, constitutiva do real na psicose e

diferente da Ausstossung. O trecho "constitui como tal o que é expulso", refere-se àquilo que é expulso no desfecho psicótico, pois trata-se justamente de administrar o caráter específico dessa expulsão, na sua diferença para com a outra expulsão que tem lugar quando do surgimento do real para o neurótico.

As dificuldades relatadas como conseqüências são frutos do isolamento do texto; são falsas dificuldades e conduzem a mal-entendidos e debates desnecessários. Balmès as expõe da seguinte forma: "Que quer dizer 'simbolização primordial'? Surgimento originário do simbólico, enquanto distinto do real a partir de então

excluído (...) ou assunção do simbólico já presente [déjà-là]?" (1999, p. 69) E, adiante: "Qual real está em questão? Trata-se do real 'em geral', daquele no qual o discurso da física deverá alojar um saber, ou, antes, daquilo que vai constituir o real próprio para um sujeito (...)?" (1999, p. 71) As duas pontas dessa questão se encontram interligadas.

Ambas concernem à mesma atitude de não abordar os termos simbólicos e real, de saída, a partir do espaço que eles mesmos abrem na obra lacaniana. Pois aí não há simbólico sem real, não há real sem simbólico, cada um preservado em sua univocidade enquanto registro. Bejahung como simbolização primordial não significa gênese do simbólico, mas inscrição do simbólico no sujeito que a partir de então o faz existir como

implicar algo como um simbólico previamente dado se fazendo admitir59. O simbólico "déjà-là", anterior ao homem, já discrimina, por sua própria existência, um real excluído, sendo a relação entre ambos sincrônica, e não cronológica: o traço do simbólico é o mesmo traço que delimita o campo do real e esse campo é o mesmo que se constitui como excluído na Bejahung ou na Verwerfung. Não há vários reais, há diversas formas de sua não-inscrição através do simbólico. Por outro lado, não há um real da física distinto do real para o sujeito. Toda a discussão que Lacan empreende sobre a condição epistemológica da física e da ciência em geral visa precisamente à defesa da presença do desejo em sua construção de saber, presença recalcada por sua delimitação. O real, apesar de possuir uma genealogia e de nos depararmos com momentos da obra em que a noção está sendo construída – nos quais, portanto, aparece de forma pouco clara –, em nenhum desses momentos é pensado como sujeito a uma tipologia. Como quer que seja, suas descrições convergem para situá-lo como o fora do simbólico: "(...) o real é (...) aquilo que resiste totalmente à simbolização" (Lacan, 1953-1954/1975, p. 80); mesmo campo, um só campo, passível de efeitos subjetivos, epistemológicos e assim por diante. Nessas discussões sobre a Verneinung, o termo já se envereda decididamente por esse sentido, solidificando a noção de algo expulso do simbólico (sendo exatamente para descrever isso que ele é empregado), e não de construção imaginária a partir do simbólico, aspecto destinado à "realidade". Desde o anúncio de seu projeto em S.I.R (1953), Lacan deposita também no real, juntamente com os outros dois registros, a expectativa de cobrir com eles todo o campo da experiência analítica uma vez que são eles os três registros da realidade humana. Isso mostra que ele não é excluído, se bem que não apresente prevalência nesse momento em favor do desenvolvimento de uma reflexão sobre o simbólico. Jamais identificado com um realismo científico, ele já se aproxima das idéias de "absoluto" e de "ser", mas sua atividade própria sobre o simbólico, intimamente relacionada com a ultrapassagem do

59 Não podemos dizer "sendo admitido por um sujeito" porque, em se tratando do momento de sua constituição, fica difícil falar que existiria aí um agente a quem atribuir essa ação.

necessário pelo desenvolvimento do lugar do Outro na teoria.

Por aí se percebe que a distinção assunção/criação é uma falsa questão para uma teoria que estabelece o simbólico como fato de partida. "Simbolização primordial" só pode ser pensada como criação do ponto de vista do sujeito que então se constitui. Trata-se de uma questão de perspectiva e não de diferença de natureza. Ascender à linguagem, utilizando-a em registro ressonante ao Outro, é ter o simbólico "como que" criado por uma primeira afirmação mítica que inaugura o sistema das Vorstellungen. Mas ele não é, nesse sentido, criado em si, nem surge ex nihilo: o sujeito já nasceu banhado de linguagem. A questão é saber como isso vai atingi-lo, conformando o modo de sua relação estrutural com a totalidade da linguagem, a forma pela qual ela vai se tornar uma linguagem subjetivada.

A criação do simbólico em si, como origem geral, e não para um sujeito, não parece agregar muito interesse para Lacan. A existência da linguagem interessa como constatação de um fato e não do ponto de vista genético. O máximo que atinge nesse período é o estabelecimento de pontos originais de inserção do simbólico em características de presença/ausência no real. Aqui, questões genéticas são realmente preteridas em favor de questões estruturais e, desse lugar, pensar a origem do simbólico seria pensar um momento sem simbólico, o que é impossível em virtude da qualidade propriamente simbólica do pensamento.

Não é preciso fazer toda essa volta para chegar à conclusão de que a

Ausstossung "(...) é tão-somente o reverso negativo de uma só e mesma operação, cujo lado positivo é Bejahung." (Balmès, 1999, p. 73) Tal afirmação pode ser encontrada de

saída no texto lacaniano. Não se trata de uma hipótese de leitura cujo valor seria equivalente ao de outra hipótese, a da tendência, em alguns pontos, à indistinção entre

Ausstossung e Verwerfung, porque esta pode ser descartada sem prejuízo ao rigor da

pesquisa. Pelo contrário, tudo indica que apostar desde o início na distinção clara entre as duas operações é a forma mais coerente e plausível de lidar com o assunto.

Da mesma forma, toda a discussão que se segue no texto de Balmès sobre a qual operação – afirmação ou negação – atribuir anterioridade lógica se baseia no

60 Naturalmente, a análise do que aqui chamamos de "ultrapassagem do estruturalismo" se restringe à obra lacaniana. Não é questão, neste trabalho, de analisar os termos da vigência – ainda profícua e atual – do paradigma em outras obras ou áreas de pesquisa.

publicado nos Escritos e tal como aparece no Seminário 1. Balmès argumenta: "Esse

texto [dos Escritos] parece contradizer exatamente aquele do Seminário I. Não é, com efeito, a criação simbólica da negação que é referida ao nível originário da relação ao ser? Seria então a Bejahung que se encontraria em um nível derivado?" (1999, p. 77)

Na verdade, ambas, não podendo ser separadas devido à lógica de seu funcionamento, se situam neste nível originário. É, aliás, isso que se exprime no desenvolvimento posterior do significante como traço.

Se não entendermos esse debate – presente, sobretudo, nos comentários com Jean Hippolyte sobre a Verneinung61, no Seminário 3 e no texto Questão preliminar a

qualquer tratamento possível da psicose – como algo isolado, mas respondendo a

questões principais da obra, é preciso lembrar a insistência de Lacan na função originariamente negativa da linguagem: a Ausstossung não pode ser algo posterior à

Bejahung. A melhor forma de descrever a relação entre ambas é: Bejahung é Ausstossung e vice-versa – no sentido de que o mito do fora é o mesmo mito do dentro,

de que "(...) nada existe senão sobre um suposto fundo de ausência" (Lacan, 1956b/1966, p. 392) –, cada termo designando apenas um aspecto diferente da mesma operação que inscreve um significante para um sujeito na mesma medida em que, para fazê-lo, o destaca do restante da cadeia. Operação que, por sua vez, pode vir a ser rejeitada por uma outra, chamada Verwerfung de forma que, se nesta não há Bejahung, também não há Auβtossung.

Nosso interesse nessa discussão com Balmès é que ela serve como mise au

point de aspectos que agora permitem apresentar de uma forma mais direta a teoria

lacaniana da psicose tornada possível pelo diálogo com o estruturalismo. Pois então fica fácil entender que a Verwerfung é uma expulsão da Bejahung e, se assim o é, está fora de questão a existência, na psicose, dessa Ausstossung discutida acima. Todo sujeito, mesmo o psicótico, já nasce imerso no Outro, dependente da presença espalhada do simbólico. Mas a aceitação do significante que representa a presença desse Outro como destino da fala pode não ocorrer. Nesse caso, a expulsão desse significante específico, chamado Nome-do-Pai, é denominada Verwerfung.