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Estruturalismo e crítica radical ao substancialismo

4. Discussão: Da integração entre o cognitivo e o afetivo à dialética intersubjetiva da demanda

4.3. Estruturalismo e crítica radical ao substancialismo

A crença no desenvolvimento que faz com que as novidades emergentes sejam resultado da efetivação sem resto de um programa evolutivo vem necessariamente acompanhada de um substancialismo próprio aos pressupostos psicológicos adotados. Isso faz com que, ao mesmo tempo em que se anulam as diferenças, relegando-as ao conjunto das disfunções, perca-se de vista que o modo de funcionamento dos processos psíquicos está necessariamente atrelado a uma causa. Nesse sentido, a anulação da diferença equivale à anulação da causa.

O termo afetividade responde à tentativa de preencher um lugar deixado vago pela teoria piagetiana no que diz respeito ao que mobiliza o pensamento à construção do conhecimento. Trata-se, para a perspectiva psicológica, da importância do “interesse” por determinados objetos como fator que incentivaria a assimilação de perturbações. No entanto, evitando indagar sobre aquilo que a determina, a afetividade é considerada uma “substância”11. É nesse ponto que os estudos psicológicos tendem a abandonar a

perspectiva estruturalista em favor da substancialização do sujeito e dos fatores que o compõem.

No interior do campo da psicologia do desenvolvimento, pode-se localizar uma crítica parcial ao substancialismo pelo afastamento do biologismo, afirmando, portanto, a dimensão social do desenvolvimento psíquico. Nesse sentido, La Taille (1992b, 2002),

por exemplo, parte também da ideia de que o desenvolvimento tanto cognitivo quanto afetivo é a princípio uma “virtualidade”, vinculando-a ao papel da interação social no modelo piagetiano ao afirmar que a construção do conhecimento é uma resposta a uma demanda social. Sustenta, a partir disso, que a busca pelo equilíbrio deve ser buscado nas relações interindividuais, apontando para um necessário reposicionamento do princípio de equilibração.

Contudo, Lajonquière (1992/2010) nos alerta que sustentar que o desenvolvimento da inteligência não se reduziria a um processo maturacional mas seria influenciado também pelas interações com o meio não deixa de substancializar a inteligência, mantendo a noção de um sujeito psicológico como unidade em desenvolvimento, porém acrescentando-lhe o fator social. É por isso que, por seu lado, afirma a necessidade de reafirmar o estruturalismo como meio de contraposição ao substancialismo.

Lajonquière (1992/2010) toma como ponto de partida de sua investigação a percepção do senso comum acerca de um elemento oculto capaz de determinar os sucessos e fracassos do aprender. Propõe se debruçar sobre esse “algo” como sendo o que determina tanto as possibilidades quanto as impossibilidades de construção do conhecimento. Para tanto, considera poder valer-se de Piaget e Freud na medida em que ambos tratam, cada um à sua maneira, de leis estruturais determinantes do pensamento. No entanto, vendo-se mergulhado num contexto onde predominava um campo interpretativo tanto dos textos piagetianos quanto da psicanálise dominado pela hegemonia do que ele mesmo viria a chamar de discurso (psico)pedagógico (Lajonquière, 1999) marcado entre outras coisas pela substancialização da inteligência, Lajonquière tomou para si a tarefa de retornar a Piaget a fim de operar uma “limpeza intelectual” dos vícios vitalistas e reducionistas que se impunham na leitura consagrada dos textos piagetianos, à luz do que propunha Lacan em seu retorno a Freud. Orientando sua própria leitura pelos pressupostos estruturalistas, visava deslindar uma teoria piagetiana da inteligência afastada de todo substancialismo aproximando a noção de construção do conhecimento do plano das produções discursivas.

Lajonquière (1992/2010, p. 28) considera que o caminho percorrido pelo genebrino teria o mérito de permitir pensar “a legalidade genética dos embates de uma criança com os conhecimentos socialmente compartilhados”. Retomando a formulação piagetiana sobre o estatuto social do objeto de conhecimento, sustenta que esse seria o

efeito material de uma noção intelectual. Por conseguinte, a inteligência, definida por Piaget como um “órgão especial de regulação”, não seria propriamente um órgão no sentido de um organismo biológico, mas no sentido de um organismo intelectual. Ou seja, ela condensaria a função de ordenação própria a qualquer estrutura, no sentido de regular por leis intrínsecas as relações entre os elementos que a compõem, segundo a lei da equilibração majorante.

Sustentando que a equilibração majorante se confunde com a interação, nem por isso Lajonquière está alinhado com os estudos psicológicos que atentam para a dita dimensão social do desenvolvimento. Antes, sustenta que “só há inteligência humana no campo da palavra e da linguagem” (Lajonquière, 1992/2010, p. 51). Com isso, introduz no debate em torno dos determinantes dos processos epistêmicos a teoria psicanalítica, porém não no sentido da integração e sim de uma inflexão teórica, apresentando-a como aquela que reafirma o estruturalismo como movimento teórico capaz de fazer frente ao substancialismo e que, por seu lado, inaugura uma concepção de estrutura capaz de recolher o desvio da norma e dar-lhe um lugar estrutural12.

Não à toa, valendo-se de Piaget e Freud, a tese em questão termina por ir de Piaget a Freud justamente quando se depara com a necessidade de considerar de uma forma estrutural a singularidade dos processos epistêmicos, visto que, segundo Lajonquière (1992/2010, p. 50), Piaget teria insistido em negligenciar a palavra “enquanto implicação de um sujeito na enunciação”. É por isso que, mesmo não tendo como propósito na presente investigação tomar parte na polêmica acerca das diferentes possibilidades de interpretação da teoria piagetiana da inteligência, tal leitura contra- hegemônica dos textos piagetianos aponta o caminho para esse atravessamento de fronteiras teóricas na direção de uma perspectiva psicanalítica alinhada ao estruturalismo.

4.4. O método de verificação empírica e a expectativa teórica do