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Outra forma que baliza a vida cotidiana é a “probabilidade” Em nosso cotidiano estabelecemos uma relação

ATIVIDADE PROFISSIONAL

6 TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS E EDUCACIONAIS: ENTRE INCERTEZAS E EXPECTATIVAS NA VIDA DUPLA

6.1.1 Os estudantes-trabalhadores

Os estudantes-trabalhadores compõem um coletivo de setes dos dez jovens participantes na pesquisa. São eles/elas: Ana, Joana, José, M, Marcela, Manuela e T. Conforme já comentado, essa classificação foi feita por eles mesmos, quando questionados na entrevista com a seguinte pergunta: hoje como você se considera: um estudante- trabalhador ou um trabalhador-estudante?

[...] eu me considero estudante-trabalhador... Quando eu me formar eu perco os dois trabalhos. (José).

[...] uma estudante que trabalha, com certeza, eu sou muito mais focada nos meus estudos do que no meu trabalho. (Marcela).

Assim sendo, apesar da conciliação na vida universitária entre estudo e trabalho, naquele momento, esses estudantes haviam selecionado e priorizado a sua vida educacional. Para Heller (2008, p. 60), além de heterogênea a vida cotidiana é também hierárquica: “Sabemos que a vida cotidiana tem sempre uma hierarquia.”. Essa hierarquia é mutável, por isso sofre variações nas diversas estruturas socioeconômicas e culturais. Destarte, a opção principal, para os setes jovens supracitados, é direcionada a priorizar os estudos, como dizem respectivamente José e Marcela e M nas transcrições a seguir:

Eu tento dá um peso maior pro estudo assim, pro TCC, porque eu quero me formar logo, assim... meu TCC que é mais importante de todos, assim, sem ele eu não me formo. (José).

[...] se um dia o trabalho tiver atrapalhando os meus estudos, eu não penso duas vezes em abandonar e focar no que eu acho mais importante. (Marcela).

[...] hoje a prioridade é o estudo. (M.).

Na Figura 5, M. revelou sua prioridade e preocupação com os estudos de graduação, ou seja, mostra o resultado de uma avaliação realizada e a preocupação com suas notas e aproveitamento universitários.

Figura 5 - Aprendizado

Fonte: elaborado por M. (2014).

Com base nos discursos citados, para além de opções individuais, há alguns outros componentes que podem ser revisitados e questionados, como é o caso de: por que priorizam os estudos?

Novaes, Ribeiro e Souza (2007, p. 4) destacam que o jogo dialético no qual vivem os jovens de um mesmo tempo social e, independente, das condições e camadas sociais em que eles se situam, eles exprimem angústias e ansiedades, principalmente, para planejarem seus futuros diante das mutações do “mundo do trabalho”, pois eles têm “o medo de sobrar”, sendo assim, os certificados escolares e a conclusão da graduação, como expressou José, tornam-se indispensáveis. Para Sennett (2010), as gerações profissionais com carreiras lineares cedem cada vez mais espaço a trajetórias profissionais “à deriva”, fragmentárias, novas dimensões do tempo e do espaço no novo

capitalismo, em mercados mundializados e/ou globalizados que irão afetar a vida emocional das pessoas fora do ambiente de trabalho.

Pais (2003) também evidencia os tempos de inconstância entre o presente e o futuro, ressaltando que na etimologia da palavra carreira ficava identificado um caminho a ser seguido, circulado, o que deixou de ser na realidade atual e, diante das imprevisibilidades dos mercados de trabalho, as trajetórias laborais são fragmentadas. Segundo Costa (2011), existem enunciados, afora requisitos, que são exigidos dos trabalhadores na conquista de um posto de trabalho ou na manutenção dele, que dividem futuros e/ou trabalhadores entre qualificados e não qualificados, dentro das sociedades capitalistas. E fazer uma graduação é uma primeira etapa para iniciar a conquista desse “passaporte”:

[...] o mais importante pra mim é estudar, né?... porque se eu não estudar eu não vou adquirir nada, eu não vou ter habilidades intelectuais eu não vou seguir em frente. (M).

[...] então, eu sempre tive essa ideia, no mínimo um curso superior pra você conquistar alguma coisa, pra você ter uma independência. (Marcela).

[...] ficar só na graduação não tem como. (Manuela).

Essa expectativa de pertencer a uma universidade mostra-se como um projeto não só dos jovens, mas também do grupo familiar. Soares (2002) enfatiza que pais e grupo familiar (avós, tios, primos) influenciam e projetam, desde o nascimento, uma variedade de expectativas sobre cada novo membro. As famílias idealizam projetos, por vezes até contraditórios, sendo os planos profissionais uma inspiração sempre presente. Conforme comenta Romanelli (1995), famílias de diversas camadas sociais almejam que seus filhos possam acessar um curso superior, como meio de ampliar suas condições de inserção profissional no mercado de trabalho.

Predominantemente, no grupo pesquisado, os jovens de camada social média, conforme já pontuado anteriormente, abraçam fortemente essas expectativas, como também as suas famílias. Diz Romanelli (1995, p. 446) que, “nas representações de pais e de filhos, a escolarização superior é avaliada como recurso que qualifica a força de trabalho, habilitando-a a disputar empregos bem remunerados”, tanto

que seguir nos estudos após conclusão do nível médio aparece como uma condição “natural”:

[...] vou sair do ensino médio, é claro que vou pra universidade, não tem outra possibilidade, assim, é isso que acontece!... é como uma extensão, assim, da escola, um caminho natural, saí do colégio vai pra universidade... até porque eu tinha uma irmã mais velha que também tava entrando na faculdade, e pra mim era isso também. (Ana).

Figura 6 - UFSC - Ana

Fonte: elaborado por Ana (2014).

[...] sempre, desde o ensino fundamental, ensino médio e logo... logo passei no vestibular, no mesmo ano, não fiquei parado. Agora tô terminando o curso também, sempre continuo... É... minha mãe sempre botou na minha cabeça que eu tinha que fazer um curso superior. (José).

[...] quando se formar no terceirão, tu vai entrar na faculdade, e eu sempre quis assim... acho que hoje em dia, sem um curso superior é muito difícil pra tu conseguir um bom emprego legal.

(Joana).

Dessa maneira, a família, como elemento de reprodução social e biológica, “reproduz” seus simbolismos nas relações geracionais e

reiteram os movimentos sociais entre as esferas de domínio público e privado, além de permearem seus projetos familiares ideários de que os filhos possam acessar uma universidade, valorizando que “apostem” na escolaridade (Romanelli, 1995; Ibase, 2010), mesmo quando os pais não tiveram essa oportunidade, como no caso da família de M:

[...] nunca tive um primo que fez universidade, não tinha irmãos, não tinha tios a minha família nunca ingressou na universidade... e daí a minha mãe sempre me apoiou, porque o sonho que não realizou ela via em mim, ela sempre me incentivou a estudar. (M).

Entretanto, na contraposição de eleger o estudo como prioridade em suas vidas naquele momento, esses entrevistados alegam que o dispêndio de tempo para essa atividade não recebe a adequada atenção, e essa “falta” de tempo não está relacionada somente com a carga horária de conciliações, conforme vemos nas falas transcritas a seguir:

É eu já acabei o curso, faz tempo já, só que eu tô aqui fazendo o TCC pra sempre, eu tô fazendo o TCC pra sempre! Daí eu leio sobre isso ou sobre finanças e fico enrolando meu TCC pra sempre. (T).

[...] tipo, conciliar com os estudos, não sei se dá pra dizer que me prejudicou, de certa forma, esse era sempre um tempo que eu podia estar estudando, mas eu não sei se eu estaria estudando... Não posso botar a culpa no estágio, porque eu tinha o final de semana livre, eu podia ter estudado. (Joana).

[...] o TCC eu não consegui concluir... não tem uma data específica, mas já ficou marcado pra fevereiro... quem sabe se seu me esforçasse um pouquinho, conseguiria (riso), mais eu já tava assim, meio de saco cheio. (José).

Harvey (2000, p. 198) enuncia que há “um tempo e um lugar para tudo”. Assim sendo, pode-se inferir que, diante da modernização instituída nos ritmos espaços-temporais do capitalismo efêmero e fragmentado, também haja uma pulverização de sentidos entre o que ser quer e o que se tem a fazer num conjunto de prescrições sociais. Desse

modo, discurso e prática são contraditórios, o estudo é destacado como uma prioridade, mas na ação diária o estudo acaba sendo preterido, compondo um cenário característico do movimento dialético enquanto condição humana. “Dentro dessas condições, num processo interminável de escolhas e consequentes totalizações, destotalizações, retototalizações, vamos nos repondo, transformando e cristalizando e, assim definindo nosso ser no mundo” (Maheirie, 1994, p. 141).