• Nenhum resultado encontrado

OS ESTUDANTES-TRABALHADORES E OS TRABALHADORES-ESTUDANTES: QUESTÕES DE GÊNERO

Outra forma que baliza a vida cotidiana é a “probabilidade” Em nosso cotidiano estabelecemos uma relação

ATIVIDADE PROFISSIONAL

7 O COTIDIANO E AS HISTÓRIAS ESTUDANTIS E LABORAIS QUANDO A GENTE SE DÁ CONTA E

7.9 OS ESTUDANTES-TRABALHADORES E OS TRABALHADORES-ESTUDANTES: QUESTÕES DE GÊNERO

E SEXUALIDADES

De acordo com Castro, Abramovay e Silva (2004), a palavra “sexo” tem vários sentidos superpostos, sendo o mais habitual sua correlação com o formato dos corpos físicos e prazer. Contudo, a sexualidade é uma dimensão humana que abarca gênero, identidade sexual, orientação sexual, erotismo, envolvimento emocional e reprodução. Desse modo, o termo “sexo” compõe-se de elementos que, além do corpo, enlaçam histórias, costumes e componentes socioculturais. Assim sendo, pode-se compreendê-lo como um conceito de plasticidade.

Acerca do tema, autoras seguem, comentando que entre o final do século XIX até meados do século XX, tal temática recebe a dedicação de vários estudiosos que passam a repensar a sexualidade e seus paradigmas, dando um olhar mais focal, individualizando os sujeitos dentro da organização social capitalista. Além disso, na segunda metade do século XX, com o surgimento das pandemias de Aids, novas tônicas recaem sobre esse tema. Especificamente as articulações entre as juventudes e a sexualidades são recentes, e foi nas últimas duas décadas que os campos de discussão ganham maior visibilidades.

Para Calazans (2005), um dos grandes desafios para o tema juventudes e sexualidades é desmitificar esses conceitos das visões naturalizantes e a-históricas, ampliando as discussões para além das idealizações relativas somente ao corpo físico e ao desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e hormonais. Contudo, como tema que compõe a vida cotidiana dos jovens participantes, em relação às categorias estudo e trabalho, algumas considerações serão abordadas em relação a duas jovens estudantes-trabalhadoras em cujas falas as questões de gênero emergiram de modo recorrente, sem, no entanto, querer esgotar suas múltiplas outras possibilidades.

Pretto (2016) vai ressaltar que a própria Psicologia tem tido uma posição pouco questionadora, no que se refere à disparidade que envolve as questões de corpo, gênero, sexualidade e desejo, por vezes, ainda perpetuando posturas capturadas por lógicas binárias, lineares. Assim sendo, as questões sexuais e de gênero ainda são marcadas por

desigualdades e discriminações, em que a realidade brasileira ocupa lugar de destaque no que tange à violência sexual e de gênero.

Assim sendo, conforme descrito no perfil individual dos jovens participantes, M. e T. trouxeram as questões de gênero em discussão, M identificando-se como uma mulher transexual e T. como lésbica:

[...] é a questão da minha identidade de gênero, da transexualidade... será que as pessoas não conseguem acreditar no meu trabalho, só por causa de uma identidade de gênero que as pessoas insistem em marginalizar? (M.)

[...] eu sempre achei que eu gosto de pessoas e não de homem ou de mulher... tipo, eu nunca tive um problema de achar, foi uma coisa que foi acontecendo eu não sabia e daí de repente eu percebi que era isso mesmo... pra mim foi uma coisa natural

(T.).

As questões que atravessam essas jovens reiteram o quanto a sociedade contemporânea continua sendo regida por normas e regras heteronormativas, fundamentando os padrões heterossexuais como o modo natural e ideal a todos os sujeitos. São reproduções sociais, pois mesmo antes do nascimento de uma criança, seu corpo já está inscrito em um campo discursivo, quando a mãe descobre: menino, pênis/azul, menina rosa/vagina; e nos deparamos com uma única alternativa de construção de sentidos identitários para as sexualidades e gêneros (Souza & Bernardo, 2014; Bento, 2011). Ressalta Bento (2011, p. 554) que “a produção de seres abjetos e poluentes (gays, lésbicas, travestis, transexuais, e todos os seres que fogem à norma de gênero) e a desumanização do humano são fundamentais para garantir a reprodução da heteronormatividade”.

Entretanto, as instituições, tais como família, igreja, escola e trabalho, ainda mantêm em seus lócus diversas intolerâncias em relação aos sujeitos que fogem aos estereótipos da chamada “normalidade”, promovendo discursos e/ou situações exclusivas a esses sujeitos que manifestam sexualidades diversas (Souza & Bernardo, 2014). Os relatos de M. e T. concentraram-se nas dificuldades de inserção profissional e na discriminação nos ambientes escolares, conforme se pode constatar nos trechos das entrevistas expostos a seguir:

[...] eu comecei a enviar currículo, enviei currículo, enviei currículo, e assim, as pessoas adoram o meu currículo quando elas não veem a pessoa física... depois da entrevista, eu nunca era comunicada se eu iria ser chamada ou não, nem sim nem que não, as pessoas esqueciam de mim, então eu desanimei um pouco, eu pensei: nossa será que o que eu faço não tem valor? Transmulheres e travestis têm um problema muito sério em conseguir trabalho e em conseguir ingressar na universidade.

(M.).

[...] que como eu falei, quem trabalha com educação é..., eu sempre digo, que é o centro mais preconceituoso de toda a universidade, porque trabalha com educação e não tem nenhuma política com a diversidade, com o diferente em sala de aula. Eu não tive nenhum professor que soube me tratar no meu gênero.

(M.).

[...] quando eu entrei na faculdade, que eu tava namorando já, e só que a gente se abraçava só no corredor e daí no final do semestre uma professora veio e falou pra eu tomar cuidado com os meus relacionamentos no corredor que o departamento não está preparado. (T.).

Bento (2011, p. 555) interroga: “o que acontece nas salas de aula e nos pátios das escolas?”, respondendo a este questionamento, ele enfatiza que as instituições escolares pouco disponibilizam espaços e tratativas para lidar com as diferenças e pluralidade, sendo essa instituição normativa da heterossexualidade, ainda se mantendo em limites reprodutivos, hegemônicos e preconceituosos. De modo similar, as instituições escolares e os espaços laborais também preconizam rejeições, demarcando, assim, quem se apresenta de uma forma diferente. E, muitas vezes, num ciclo vicioso de pouca escolaridade e dificuldades de inserção profissional, as histórias desses sujeitos ciclicamente se reproduzem (Souza & Bernardo, 2014).

Segundo Heller (2008), todos os preconceitos caracterizam-se por uma tomada de decisão moral e, assim, o sujeito rotula o que tem diante de si para uma estereotipia grupal, ou seja, passa a discriminar os integrantes deste grupo por ser um integrante deste coletivo. Esses preconceitos são históricos e, habitualmente, têm um conteúdo axiológico negativo. E, apesar dessas conotações pessimistas, Heller salienta que “por mais difundido e universal que seja um preconceito,