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O estudo da histologia e o surgimento de novas pesquisas sobre as células animais

5. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA TEORIA CELULAR

5.5. O estudo da histologia e o surgimento de novas pesquisas sobre as células animais

Anteriormente discutimos que as primeiras investigações sobre as células animais estiveram relacionadas ao exame do sangue. Sendo assim, ao longo dos séculos XVII, XVIII e início do XIX, essa substância permaneceu como o único meio no qual era possível encontrar algum tipo de célula nos animais. Novas pesquisas sobre as células animais foram impossibilitadas devido a alguns fatores, como a carência de adequadas técnicas histológicas que viabilizassem a sua visualização (WILSON, 1947; HUGUES, 1959). Por exemplo, na maioria das vezes, pequenos pedaços de tecidos eram triturados em água e pressionados entre uma lâmina de vidro e uma lamínula (SHEPHERD, 2015, p. 9). Por conseguinte, métodos invasivos como esse dificultavam a realização de um adequado estudo dos tecidos e a observação de suas células.

Além disso, a concepção de que o tecido seria o elemento fundamental dos seres vivos, somada à desconfiança quanto ao uso do microscópio - conforme sustentado por Bichat, por exemplo -, também impediram significativamente o desenvolvimento de novas pesquisas referentes às células animais (PICKESTONE, 1973; HARRIS, 1999; NICHOLSON, 2010).

Após os trabalhos realizados por Bichat ao final do século XVIII, houve a retomada do estudo da histologia animal em meados do século seguinte (BRACEGIRDLE, 1977). Por meio das pesquisas desenvolvidas nessa área, foi possível elaborar novas investigações sobre as células animais (JACYNA, 2001). Nessa época, os microscopistas começaram a observar células em diversos tecidos desses seres vivos (WILSON, 1947; BAKER, 1948; HARRIS, 1999; SHEPHERD, 2015). Por exemplo, em 1828 Karl Ernst von Baer (1792-1876) mencionou ter visualizado células durante o desenvolvimento do embrião da galinha. Ele também afirmou que a notocorda desse animal consistia quase que inteiramente dessas estruturas (BAKER, 1948; SINGER, 1989).

Outros estudos desse período identificavam as células dos animais mais facilmente quando suas formas eram semelhantes às dos vegetais. Em 1837, por exemplo, Henle mostrou que as células do epitélio escamoso estratificado dos animais eram similares às do parênquima das plantas. Devido a essa semelhança, durante essa época, os tecidos epiteliais foram utilizados como a principal fonte para comparar as células animais com as vegetais, visto que as células presentes no epitélio possuem uma forma bem definida, que pode ser facilmente identificada (HUGHES, 1959).

A partir de meados da década de 1830, a presença das células nos tecidos animais passou a ser amplamente reconhecida e disseminada (RUSSELL, 1916). No ano de 1837, por exemplo, Purkinje relatou no Congresso de Médicos e Naturalistas Alemães, realizado em Praga, a presença das células nervosas que compõem o córtex do cerebelo. Devido a essa descoberta, as primeiras células a serem identificadas no sistema nervoso ficaram conhecidas como “células de Purkinje” (Figura 15) (ŽÁRSKÝ, 2012; SHEPHERD, 2015). Nesse mesmo evento, Purkinje também comparou as células glandulares com as dos vegetais (RUSSELL, 1916; ŽÁRSKÝ, 2012). Além disso, ele relatou a presença de células animais nas glândulas

salivares e linfáticas, no fígado, rins, testículos, epiderme, baço, timo, tireoide dos mamíferos etc. (BAKER, 1948).

Figura 15 - Representações das células de Purkinje

Fonte: Purkinje (1837)

Purkinje, bem como vários outros pesquisadores após ele, geralmente utilizavam o termo “vesícula germinativa” (Körnchen) e “grânulos” (Körne) para referir-se à estrutura de toda a célula animal. Embora Purkinje tenha empregado frequentemente a palavra Körnchen em suas pesquisas, é possível encontrar outras denominações nos trabalhos de seus alunos, como Cylinderchen (cilindros), Körperchen (corpúsculos), Kügelchen (glóbulo) e Zellen (célula) (BAKER, 1948; HARRIS, 1999; SHEPHERD, 2015).

Um notável aluno e, posteriormente, colaborador de Purkinje, que promoveu importantes contribuições para o estudo das células animais, foi Valentin. Em seu livro Handbuch der Entwicklungsgeschichte (Manual da História do Desenvolvimento), de 1835, Valentin relatou a presença de células em vários tecidos, como os dos ovários, baço, ossos e da camada de pigmento da retina. Esse investigador também observou células no tecido cartilaginoso, bem como células ganglionares em diferentes regiões do sistema nervoso central dos vertebrados e invertebrados. Ao visualizar as células do plexo coroide, ele ressaltou a similaridade entre as células vegetais e animais. Para ele, toda célula apresentava

um núcleo central, escuro e redondo, semelhante ao encontrado nas células vegetais (HARRIS, 1999). No ano seguinte, Valentin visualizou as células nervosas a partir da preparação de tecidos em água (Figura 16) (SHEPHERD, 2015).

Figura 16 - Ilustração da célula nervosa feita por Valentin

Fonte: Valentin (1836, p. 200)

Os trabalhos sobre histologia animal desenvolvidos nessa época influenciaram profundamente uma nova geração de pesquisadores, que incluía, por exemplo, Johannes Peter Müller (1801-1858). Müller realizou contribuições significativas para diversos campos da Biologia, como histologia, fisiologia, anatomia e embriologia. No que concerne à primeira área de estudo, ele examinou a estrutura elementar dos tecidos animais e apresentou suas conclusões nas primeiras três edições de seu Handbuch der Physiologie des Menschen für Vorlesungen (Manual de Fisiologia Humana para Palestras) (HARRIS, 1999). Além disso, ele elucidou a natureza celular da notocorda, identificou células no corpo vítreo do olho, no tecido adiposo e até mesmo os núcleos das células do tecido cartilaginoso (RUSSEL, 1916). De acordo com Finger e Wade (2002), o Handbuch foi utilizado como referência no campo da fisiologia por décadas. Posteriormente, essa obra foi traduzida do alemão para o inglês sob o títitulo Elements of Physiology (Elementos da Fisiologia). Por meio desse livro, era possível obter uma míriade de conhecimentos referentes às áreas da anatomia comparada e fisiologia.

Entre os principais alunos de Müller, estavam Henle e Theodore Schwann (1810- 1882) (HARRIS, 1999; CHVÁTAL, 2015b). Henle destacou-se por relatar em 1837 e 1838 a presença de diversos tecidos epiteliais, diferenciando-os segundo o tipo de célula que os formava. Já Schwann notabilizou-se por estudar as células da notocorda, comparando-as com as células dos vegetais, como discutiremos a seguir (RUSSEL, 1916; HARRIS, 1999).

Num trabalho sobre o progresso da anatomia publicado em 1838, Müller relatou a presença de uma expressiva quantidade de trabalhos que abordavam a ocorrência de células nos tecidos animais. Estudos como os de B. C. J. Dumortier (1797-1878) sobre as células do fígado dos moluscos e de Remak e Purkinje sobre as células nervosas constituem alguns desses exemplos (RUSSEL, 1916; CHVÁTAL, 2015b).